Tenho gravados alguns cantares
e as respectivas imagens que a Ana Margarida cantou no concerto que
deu há dias no Palácio Foz. E vou escutando, no frisson de encanto da sua voz
de harmonia, que leva para longe as mágoas destes tempos de falsas
perspectivas, num corar de vergonha que os articulistas – Bagão Félix e João
Miguel Tavares - aqui apontam e os seus comentadores sublinham.
Dá-me Uma Gotinha de Água (Extraída a letra da Internet)
Fui à fonte beber água
Ao rio para te falar
Nem na fonte nem no rio
Nem na fonte nem no rio
Nunca te pude encontrar
Dá-me uma gotinha de água
Dessa que eu oiço correr
Entre pedras e pedrinhas
Entre pedras e pedrinhas
Alguma gota há-de haver
Alguma gota há-de haver
Quero molhar a garganta
Quero cantar como a rola
Quero cantar como a rola
Como a rola ninguém canta
Fui à fonte beber água
Achei um raminho verde
Quem o perdeu tinha amores
Quem o perdeu tinha amores
Quem o achou tinha sede
I - OPINIÃO
- De excesso em excesso até onde?
Isto não estará tão mal como a oposição
diz, nem tão fascinante como o Governo reclama. Mas, deixou-se gerar nas
pessoas uma certa ideia de abundância e de quase pré-Éden.
O excesso tem quase sempre como
resposta o excesso. É o que se passa por cá entre o optimismo injustificado do
poder e uma convergência sindical e laboral culminada num movimento grevista
com uma magnitude, que nem no tempo da troika se havia visto.
Para o Governo, o país aparenta estar
uma maravilha. Tudo está bem e mesmo qualquer coisinha que apareça timidamente
de menos bom, ou é olimpicamente ignorada pelos governantes, capitaneados pelo
mestre da arte de bem omitir ou disfarçar António Costa, ou desaparece do radar
mediático, como que por milagre.
Há, evidentemente, aspectos que se reflectem na vida das pessoas que
estão hoje significativamente melhor. Na taxa de desemprego que diminuiu para
níveis de 2002 (ainda que, em parte,
devido à redução da população activa), no aumento do rendimento disponível
das famílias e na evolução do valor do salário mínimo (embora os valores
salariais mínimos e médios líquidos se venham aproximando, na razão de 50,5% em
2008 para 58,5% em 2017), em alguma redução da taxa de pobreza, num assinalável
superávite primário nas contas públicas, na reestruturação da nossa dívida
pública por via do pagamento antecipado de empréstimos institucionais de custo
elevado, e sua substituição por dívida bastante menos onerosa, no reforço das
nossas exportações em bens e serviços (turismo).
Mas não nos iludamos. Continuamos
impreparados para uma fase de abrandamento ou recessão económica. A boleia dos
estabilizadores automáticos da economia, sobretudo medida pela receita fiscal,
não dura sempre. Continuamos no círculo vicioso de mais impostos para mais
despesa em vez de, duradouramente, ter menos (ou melhor) despesa para
necessitar de menos impostos. O
nosso crescimento económico está ainda longe do que seria desejável para uma
maior convergência, com uma taxa que é a sétima mais baixa da União Europeia, e
que, se excluirmos os países mais ricos, só a Grécia está atrás de nós. O PIB atingirá o que, em termos reais, se
verificava há 10 anos. A produtividade aparente do trabalho continua a evoluir
desfavoravelmente, o que, segundo o Banco de Portugal constitui um “factor de
preocupação”. A dívida pública (embora bruta) tem continuado a subir em termos
nominais, ainda que, face ao crescimento do PIB, o seu peso relativo tenha
diminuído para valores ainda assim muito elevados (terceira maior dívida
pública da UE em percentagem do Produto). A apreciável evolução das
contas públicas é, em significativa parte, o resultado de factores cíclicos de
ajustamento, da política de expansão monetária do BCE, que está prestes a
reduzir-se, ou da insignificância do investimento público, que tem algum
aumento para 2019, mas partindo de uma base baixíssima. O nível de pressão fiscal vem batendo
recordes, sobretudo devido ao aumento de impostos indirectos socialmente
regressivos. Por outro lado, a degradação de serviços públicos fundamentais é
indesmentível.
Em suma, isto não estará tão mal como a
oposição diz, nem tão fascinante como o Governo reclama. Mas, deixou-se gerar
nas pessoas uma certa ideia de abundância e de quase pré-Éden.
Se a esta atmosfera, juntarmos três pontos de natureza mais política
conjuntural, temos o caldo de predisposição para um clima de reivindicação e
confronto mais acesos. Refiro-me à
notória marcação partido-a-partido na coligação parlamentar que sustenta
o governo, onde cada qual, depois de esgotada a popular reversão de medidas
austeritárias, quer mostrar serviço-extra e anunciar “prebendas” de acordo com
a sua matriz, à circunstância de haver eleições a prazo curto e, por fim, ao
reacender de exigências de toda a sorte dos grupos profissionais e forças
sindicais com maior peso na opinião pública e mediática e com uma capacidade e
pressão enormes por as suas greves afectarem mais os bens e serviços públicos
essenciais.
Vivemos um tempo de greves sobre
greves, umas encavalitadas noutras, uma espécie de “blokchain grevista”. A
greve é cada vez mais um instrumento político que excede a sua génese e
fundamento laboristas, que vem roçando o puro oportunismo.
Como regra, as greves concentram-se em bens e serviços de provisão
pública, ou seja, financiados pelos que pagam impostos e, sobretudo, por quem
não tem poder social, mediático e reivindicativo dos “profissionais de greve”.
De um dia para o outro, eis enfermeiros
e outros profissionais da saúde,
professores, funcionários judiciais, guardas prisionais, serviços de
fronteiras, ferroviários, bombeiros, empresas de transportes, etc., etc., e até
detentores de órgãos de soberania a escolher “boas datas” para fazer greves
completas, parciais, miscelâneas, cirúrgicas (literalmente), em cadeia, às
horas normais ou extraordinárias, marimbando-se para o comum dos cidadãos que,
no discurso, juram proteger. O que se passa no Serviço Nacional de Saúde
é por demais afrontoso e social e humanamente abjecto. O que se desenrola com
os comboios é indigente. A Administração evidencia sinais alarmantes de
penosidade e de desprestígio.
E, no entanto, ouvindo o PM no
debate parlamentar, poderíamos concluir: tudo numa boa!
IPSIS VERBIS
CITAÇÃO I: “Tudo o
que é excessivo é insignificante” (Julien Green, escritor, 1900-1998)
CITAÇÃO II: Sê pessimista e age como optimista. E terás sempre
razão (Vergílio Ferreira, 1916-96)
METÁFORA: As vacas podem fazer greve: já existe o leite em pó!
OXÍMOROS: funerária da Boa-Hora tratou do funeral de Dona
Perpétua
PLEONASMOS: todos foram unânimes emexcederam-se em muito
SINESTESIA: roxo de fúria, dirigiu-lhe uma palavra fria com
luva branca e um sorriso amarelo
AMÁLGAMA
NEOLÓGICA: Grepública (de greve + República)
SCIENTIA AMABILIS
AZEVINHO (Ilex
aquifolium, L.)
Mês
de Natal, mês do azevinho. Planta arbustiva, de folhas persistentes e alternas,
coriáceas e de bordo ondulado e espinhoso. De crescimento lento e tempo
de vida que pode atingir algumas centenas, é espontânea em Portugal
Continental. Muito procurada nas festas natalícias pela expressiva junção do
verde escuro da sua folhagem e o vermelho vivo dos seus frutos em forma de
drupa. Estas bagas, bem como as folhas, resistem ao assédio das aves e de
outros animais pela circunstância de serem tóxicas. Os frutos amadurecem entre
o fim do Verão e primeiros dias do Outono e persistem brilhantes por ocasião do
Natal. O seu nome científico Ilex foi adoptado pelo facto de, na Roma
Clássica, ser esse o nome dado à azinheira, pela similitude da forma das suas
folhas. Planta com passado paganista e desejada no Natal, bem quereria -se
pudesse- nele passar despercebida. É que corre o risco de extinção face à sua
procura por todo o lado. A partir de 1989, foi proibida a colheita, transporte
e comercialização em Portugal Continental dos azevinhos espontâneos. O que hoje
é adquirido no mercado é constituído por variedades e híbridos cultivados.
COMENTÁRIO:
Raquel Azulay, 14.12.2018: " É o que se passa por cá entre o optimismo
injustificado do poder e uma convergência sindical e laboral culminada num
movimento grevista com uma magnitude, que nem no tempo da troika se havia
visto.": touché. é um prazer ler
este Sr. sempre mordaz nas suas críticas. um homem inteligentíssimo.
II - OPINIÃO Um país a cair aos bocados
Eu consigo encontrar uma trotinete por
GPS nas ruas de Lisboa e não consigo encontrar um helicóptero do INEM – repito:
do INEM! – que cai em Valongo? Está tudo doido?
PÚBLICO, 18 de Dezembro
de 2018
Tragédias sempre houve, sempre haverá, e muitas delas não têm forma de
ser evitadas. Por vezes, exageramos na
obsessão com que procuramos culpados para acidentes impossíveis de prever ou
que resultam da imprudência das vítimas. Se um banhista morre debaixo de uma
falésia devidamente assinalada como correndo risco de derrocada, a culpa não é
do Estado – a culpa é do banhista, porque é impossível monitorizar durante 24
horas todas as falésias do país.
Contudo,
aquilo que tem vindo a acontecer nos últimos anos não é isso; não são meras
manifestações de azar ou conjugações astrais infelizes – é mesmo uma tremenda
sucessão de pequenas e grandes tragédias que radicam tanto numa profunda
incompetência do Estado, como numa escandalosa falta de coordenação de meios e
de instituições que existem para proteger os cidadãos. Há muito, muito tempo
que não tínhamos esta sensação de um país a cair aos bocados, onde a rede de
segurança estatal que é suposto preservar a nossa existência física tem mais
buracos do que uma renda de Bilros.
Portugal terá sempre fogos
de dimensão devastadora. Mas nada, a não ser a incompetência do Estado,
justifica que 47 pessoas morram queimadas numa estrada nacional. Roubos de
armas sempre haverá. Mas nada, a não ser a incompetência do Estado, justifica
essa verdadeira palhaçada, onde já não se percebe quem engana e quem é
enganado, a que chamamos “roubo de Tancos”.
Carros sempre cairão em ravinas. Mas nada, a não ser a incompetência do Estado,
justifica que uma estrada como a de Borba tenha continuado aberta ao trânsito
após tantos alertas para o perigo de derrocada. Um helicóptero do INEM poderá
sempre cair devido ao mau tempo, a uma falha do aparelho ou a um erro do
piloto. Mas nada, a não ser a incompetência do Estado, pode explicar que o
helicóptero só tenha sido encontrado seis horas após a queda, e
durante duas horas toda a gente tenha andado aos papéis. É certo que as quatro
vítimas terão morrido no impacto com o solo e nada havia a fazer por
elas. Mas, acaso houvesse, a ajuda
teria chegado demasiado tarde.
Tragédias
sempre houve, sempre haverá, e muitas delas não têm forma de ser evitadas. Mas
não me recordo desta colecção de incompetências, erros absurdos, redes que não
funcionam, telefones não atendidos, organizações que não comunicam entre si,
coordenadores descoordenados, guerrinhas entre corporações (veja-se o
entusiasmo com que Jaime Marta
Soares se atirou logo à Autoridade Nacional de Protecção
Civil), mais os inquéritos que servem para atrasar respostas e o assumir das
responsabilidades. Como é possível nós vivermos num país em que um helicóptero
do INEM parece não ter um sistema decente de localização?
Eu consigo encontrar uma
trotinete por GPS nas ruas de Lisboa e não consigo encontrar um helicóptero do
INEM – repito: do INEM! – que cai em Valongo? Está tudo doido? O 112 recebe uma
chamada de um popular a dizer que viu as luzes de um helicóptero apagaram-se e
um grande estrondo, e a única coisa que o 112 faz é pedir à polícia para ir
ver? A NAV anda desesperadamente a telefonar para todo o lado, a dizer que o
helicóptero deixou de comunicar, e não há quem levante o auscultador? Quantas
tragédias mais serão necessárias para o Estado acordar de vez, correr com
os boys que pululam (e poluem) as estruturas de
organizações essenciais e colocar os melhores profissionais à frente dessas
instituições? Eu sempre pensei que vivia num país do Primeiro Mundo. É possível
que esteja enganado.
COMENTÁRIOS:
Liberal, assinante do Observador desde
18 de Dezembro 18.12.2018 Os terreiros
afundam-se, as pontes caem, os automobilistas são calcinados, as estradas
desabam, os helicópteros evaporam-se, mas duma coisa podemos estar certos: o
guterrismo assobiará sempre para o lado
A. Luís
Fernandes, Edmonton AB Canada18.12.2018 Profissionais
à frente, atrás e no miolo das organizações? Você está maluco! Então onde é que
os rapazes (“boys” = rapazes) e protegidos dos, agora três (PS, BE e PCP),
partidos vão fazer as suas curtidas e defraudar o público? Que o país está a
apodrecer rapidamente já tinha notado dado que há muito tresanda! Mesmo cá
longe! Mas o interessante e triste da questão é que parece que todos já estão
habituados ao pivete! Principalmente aqueles que o criaram! É coisa que deles,
assim não lhes tresanda, é antes um perfume doentio ou prazer mórbido! É como
trabalhar numa fábrica de curtimenta ou numa de pasta de papel nos anos 60-70!
Os peixes morriam e as pessoas estavam habituadas mesmo que morressem mais
cedo!
Henrique da
Costa Ferreira Bragança18.12.2018: Acrescento:
queremos um héli disponível para as emergências e um heliporto nos hospitais
principais mas sabem que nenhum dos heliportos do Norte, com excepção do do
Aeroporto Sá Carneiro, tem um sistema de aproximação para aquelas condições
meteorológicas e para nevoeiro? Pois é: o voluntarismo que faz tudo ao «topa
qu`acerta» pode trazer desgraças.
É
verdade que há incúrias de décadas, que há um natural sentido de
irresponsabilidade por parte dos portugueses mas a verdade é que, se S. Pedro
não ajudou, os pilotos também não porque, embora eu não saiba que sistemas de
navegação tinha o heli e que sistemas de ajuda tem o heliporto de Baltar, não
conheço nenhum manual que recomende voar naquelas condições sem sistema de
aproximação adequado. Estaria o altímetro do aparelho devidamente calibrado
para aquelas condições atmosféricas? Mais importante ainda: estaria aquela
antena devidamente sinalizada na carta de navegação? Levariam os pilotos a
carta de navegação mais actualizada? Já teriam os pilotos desistido de pousar
em Baltar como sugerem os últimos momentos do voo? Há respostas que nem a
investigação mais técnica vai dar.
Novo Humbo,
Ryugu 18.12.2018: É assustadora
a sistemática redução ao partidismo político de uma avaliação, concreta,
verdadeira e lancinante sobre o estado do nosso Estado, nesta secção de
comentários. Se é esta a única e sistémica abordagem de um grupo de cidadãos
que se julgariam, até, mais discernentes, função do jornal que assinam,
estamos, realmente, condenados.
fernando jose silva, LUSO 18.12.2018:
Desta feita o articulista tem razão, são desastres a
mais duma proteção civil que é paga. Porém deve compreender que não vive num
país mas num antro de papagaios. Depois deverá saber que o Estado não tem a
culpa mas sim quem o representa. Esses, são os partidos que não representam
ninguém senão a eles próprios. O povo não escolheu nenhum dos deputados
eleitos, nem os legisladores, nem comparsas da protecção civil. Quem os
escolheu foram os partidos, Os chefes dos partidos. Se isto é democracia,
metam-na num sítio que eu cá sei...o povo só tropeçou naquela gente como
tropeça nos broncos do futebol. São todos da mesma laia e Portugal está a
saque com pouco futuro á frente e credibilidade não há, apesar dum batanete ir
a tudo quanto é sítio e ser o único que se safa, embora não faça nada.
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