Duas histórias contadas por Salles da Fonseca, mais ou
menos epigramáticas, ou de leitura amena.
Quanto à primeira – de amor,
generosamente provado - também nós, portugueses, tivemos um caso de oferta de cidades,
não somos menos do que os americanos. É certo que foi no dote da princesa
Catarina de Bragança, quando casou com o rei Carlos II de Inglaterra, não,
pois, como preito à beleza feminina, mas como negócio matrimonial: demos Tânger
ao Rei, de mistura com muito chá. Hoje, essas histórias de bem querença
limitam-se, por cá, a empréstimos de palacetes à beira-mar, por familiares
muito amigos, mais ou menos arredados da história, mas evocados com a ternura
necessária à sua plausibilidade perante a desconfiada media. Não sei se estava
no pensamento subtil de Salles da Fonseca a analogia.
Quanto à história das máscaras
de Carnaval, é assunto hoje banalizado, mas que nos conta as suas
origens, afinal bem sinistras, e hoje só servindo de referência inócua de
sátira, pois, nos tempos que correm, já nem se precisa de máscara. Qualquer
pode usurpar o seu condado, bem às claras, desde que tenha arte para tal.
Mas é com Schiller que fecham as anotações do blog “A Bem da Nação”, a destacar-se altivamente da teoria democrática,
libertadora de todos os instintos: “A
voz da maioria não é garantia de justiça”.
I - General
Sherman
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 28.12.18
Da Wikipédia
extraio que William Tecumseh Sherman foi
um soldado, empresário, educador e autor norte-americano.
General no Exército
da União durante a Guerra
de Secessão, foi reconhecido como um estratega militar visionário.
Nascimento: 8 de fevereiro de 1820, Lancaster, Ohio, EUA
Falecimento: 14 de fevereiro de 1891, Nova Iorque, Nova Iorque, EUA
Cônjuge: Ellen Ewing Sherman
(de 1850 a 1888)
Enterrado no Calvary
Cemetery & Mausoleum, St. Louis, Missouri, EUA
Filhos: Thomas Ewing
Sherman, Eleanor Sherman Thackara
Do romance «Música
de praia» de Pat
Conroy[1], extraio que o personagem principal é Jack McCall, nascido em Waterford, na
Carolina do Sul, crescido até quase aos dois metros e que já referi num texto anterior sobre a palavra «perfunctório». Contei então que a
mulher dele, Shyla, se suicidara ao
atirar-se duma ponte por não ser capaz de continuar a suportar as vozes que a
esquizofrenia a fazia ouvir constantemente.
A mãe de Jack
transformara-se de stripper
analfabeta quando era solteira em cicerone
da sua própria casa, histórica, depois de casada com um juiz e mãe de cinco
filhos em que Jack era o primogénito. Ali acediam (pagando, claro) grupos
de turistas, tanto locais como forasteiros.
Quando o rapaz estava a
concluir o liceu, a casa foi visitada pela sua turma de finalistas e ele
próprio foi, como turista, ouvir a mãe explicar tudo o que o rodeara desde que
nascera. Como seria de esperar, a mãe não cobrou a visita da turma do filho.
E naquela sala, a
«biblioteca», a mãe explicava que, quando os ianques
ocuparam Waterford logo no início das hostilidades, a dona da casa se tinha
recusado a fugir e passara toda a Guerra Civil sob ocupação nortista e fingia que lia uma carta
emoldurada e pendurada na parede em que o General Sherman escrevia à antiga-antiga dona daquela casa pedindo para
transmitir um recado à sua ex-amada, Elizabeth, a filha da dita Senhora:
Cara
Senhora Cotesworth,
«Lembro-me do serão
que passei em sua casa com imenso prazer (em que pedira ao pai a mão
de Elizabeth, que anuíra, mas que as obrigações militares do putativo noivo
impediram a concretização) e
muita tristeza. Soube da morte do seu marido em Charleston e a notícia
causou-me grande pesar. Contaram-me que a carga de cavalaria que ele
comandava rompeu as nossas linhas infligindo pesadas perdas. Teve uma morte honrosa e espero que isso a
console.
Já deve ter ouvido
que vou atacar as forças confederadas que defendem Colúmbia. O Sul está
aniquilado e a guerra em breve terminará. Gostaria igualmente de apresentar os
meus cumprimentos à sua filha, Elizabeth,
e muito apreciaria que lhe dissesse que ainda a tenho em grande estima. Não estou certo de que a guerra contra o
México e as grandes vitórias alcançadas pelas forças americanas sejam
merecedoras da perda de Elizabeth. Enquanto o meu exército avança
através do Sul e se aproxima inexoravelmente do lugar que Elizabeth tornou
mágico pela sua mera presença, penso muito nela.
Ficar-lhe-ia muito
grato se fizesse chegar às mãos de sua filha um recado: diga a Elizabeth que lhe
ofereço a cidade de Charleston.
Muito sinceramente,
Wiliam
T. Sherman
General
do Exército
Na época em que os finalistas do liceu de Waterford visitavam a casa de
Jack, a sua futura mulher, Shyla, ainda namorava com um outro
colega de turma e, à saída, a mãe chamou o filho com uma frase sonante que a
todos fez virar para trás: - Eh,
bonitão! Não me digas que te vais embora sem me dares um beijo de despedida. O
rapaz voltou a subir as escadas para beijar a mãe, quase caiu de joelhos
perante ela e recebeu uma festa na cara. Foi então que do grupo de liceais se
soltou uma voz feminina bradando – General Sherman!
General Sherman!
Vamos embora! Ao que a mãe de Jack respondeu - Ele vai já,
Elizabeth!
Era Shyla que o tinha chamado e que assim declarava a toda a gente
mudar de namorado.
* * *
Acredito nas informações da Wikipédia
mas não acredito numa única linha do romance. E dado que parte importante da
história se passa em Roma, digo como os italianos: «Se non è vero, è ben trovato».
De qualquer modo, gostei da
qualidade literária do cenário romanceado e por isso o trago aqui.
Dezembro de 2018
Henrique Salles da Fonseca
II - ANONIMANDO…
HENRIQUE
SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO,
27.12.18
CARNAVAL
DE VENEZA
O rosto da mulher
estava tapado por uma máscara, mas a minha imaginação desenhava-lhe as feições.
Mascaradas, todas as mulheres se transformam em beldades famosas que todos os
homens conquistam pelo seu encanto. A mulher com quem dançava pôs-se a fazer-me
perguntas em italiano. Se eu dissesse uma palavra, todo o país ficaria ao
corrente de que eu era americano.
- Ah! – exclamou
ela numa voz cantante. – Esperava que fosse chinês.
- Então, sou chinês
– disse eu em italiano.
- Sou condessa –
disse com orgulho. – A minha família descende do décimo segundo Doge.
- É verdade? –
perguntei.
- Esta noite, tudo
é verdade. No Carnaval, todas as mulheres são condessas.
O meu italiano
tinha chegado aos seus limites, assim, falei-lhe em inglês.
- A máscara torna a
mentira mais fácil?
- A
máscara torna a mentira necessária – respondeu-me.
- Então, não é
condessa.
- Sou condessa,
todos os anos, na mesma noite. E espero que toda a gente me preste as
homenagens que mereço.
Dei um passo atrás
e fiz-lhe uma profunda vénia.
- Minha condessa
adorada.
- Meu servo – disse
ela e, fazendo uma reverência, desapareceu na multidão.
“MÚSICA DE
PRAIA” – Pat Conroy - Círculo
de Leitores, ed. Setembro de 1996, pág. 62
Henrique Salles da Fonseca 27.12.2018
COMENTÁRIO
Olá! Henrique
A Sereníssima tinha um governo
ditatorial. Havia várias bocas de leão para se depositarem denúncias anónimas.
Desgraçados dos que entrassem por "aquela" porta, dentro do palácio
dos Doges.
Perante isto, recorrendo à sua forte imaginação e apurado sentido de humor, os venezianos foram alargando a época do Carnaval, alargaram tanto que a Sereníssima teve de o datar.
Já deve saber isto tudo. Eu relembro o pavor de venezianos a falarem das bocas de leão e do humor a falarem nas máscaras.
Perante isto, recorrendo à sua forte imaginação e apurado sentido de humor, os venezianos foram alargando a época do Carnaval, alargaram tanto que a Sereníssima teve de o datar.
Já deve saber isto tudo. Eu relembro o pavor de venezianos a falarem das bocas de leão e do humor a falarem nas máscaras.
Chegaram a andar mascarados seis meses. A capa preta fazia parte do
traje diário e a máscara preta era usada nas muitas pestes.
Gena Múrias
III - ASSIM FALAVA
SCHILLER
HENRIQUE SALLES DA
FONSECA
A BEM DA NAÇão,
28.12.18
A voz da maioria não
é garantia de justiça
Friedrich
von Schiller
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