Umas são devidas à usual falcatrua, outras a isso de greves, greves
danosas que os sindicatos instigam, outras aos factores idiossincráticos da
usual inapetência para o trabalho e o estudo, que se agravam no deslizar dos
tempos e das políticas que os acompanham. O resto, já o disse Pessoa, no
Nevoeiro com que termina a Mensagem, e que já aqui pus, mas que nunca é demais
reler, tão sempre justo e transcendente:
Nevoeiro
Nem
rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer —
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo encerra.
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer —
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo encerra.
Ninguém
sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro…
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro…
É
a Hora!
Fernando
Pessoa
in Mensagem
in Mensagem
A horrível pergunta de Vítor Gonçalves
OPINIÃO, 4/12/2018
Quem nunca teve um primo
falido, “muito querido” e “muito próximo”, capaz de emprestar uma casa nova de
meio milhão com vista para o mar que atire a primeira pedra.
Ainda se lembram da horrível
pergunta de Vítor Gonçalves? Foi feita no final de uma entrevista a José
Sócrates na RTP, em 13 de Outubro de 2017: “Hoje, como é que o senhor vive, como é que o senhor paga as suas
despesas?”
José Sócrates, claro
está, respondeu com a elegância habitual: “Isso
é uma coisa inacreditável. Desculpe lá, mas o que é que o senhor tem a ver com
isso? Isso é uma pergunta de um jornalista?” Perante a agressividade da
resposta, Vítor Gonçalves engoliu em seco e por um breve momento ficou com cara
de miúdo apanhado com a mão na caixa das bolachas. Não tinha razões para isso –
aquela era uma pergunta lógica e fundamental, como agora se está a ver.
Na altura, Sócrates avançou com
uma (não) explicação. “Eu vivo de uma única coisa. Tive já algumas ofertas,
recusei tudo, porque estou nesta situação, não quero prejudicar ninguém. Vivo
da minha pensão de ex-deputado. É o meu único rendimento.” Após recuperar o
fôlego, Vítor Gonçalves ainda insistiu: “Não vive com empréstimos do seu
amigo Carlos Santos Silva?” Sócrates respondeu: “Essa pergunta é uma
afronta, essa pergunta é indigna de um jornalista, é uma pergunta típica
do Correio da Manhã”.
E nada mais acrescentou.
Saltemos para 30 de Novembro de 2018.
O Correio da Manhã titula em manchete: “Primo compra
casa para Sócrates”. Se um amigo já lhe tinha oferecido desinteressadamente uma
casa em Paris, agora um primo oferece-lhe desinteressadamente uma casa na
Ericeira.
A história é esta: o ex-primeiro-ministro abandonou a casa
alugada do Parque das Nações para se instalar numa vivenda de luxo de 300 metros
quadrados com vista para o mar, propriedade do primo José Paulo Pinto de Sousa. O mesmo que a acusação do processo
Marquês considera ter sido o seu testa-de-ferro até o seu nome passar a
circular na imprensa em consequência do caso Freeport. E o mesmo, já agora,
que no âmbito do processo Marquês garantiu estar falido.
A equipa da SIC que foi à
Ericeira ouvir as explicações de Sócrates levou com a ementa do costume:
indignação de entrada; péssima explicação como prato principal; e mais
indignação à sobremesa. Entrada:
“Não sei onde é que o senhor jornalista vai buscar a ideia de que tem o direito
de fazer perguntas e incomodar as pessoas apenas por causa de actos banais da
sua vida privada. Isso diz respeito a mim e ao meu primo e não diz respeito a
mais ninguém.”
Prato principal: “Esse meu primo, que é
uma pessoa muito querida e muito próxima, tinha uma casa que lhe foi dada como
doação em pagamento e estava fechada e eu decidi vir para aqui.” Sobremesa: “Há dias em que sentimos
pelo jornalismo português uma certa repugnância, porque aquilo que estão a
fazer tem apenas a ver com a devassa da vida privada, com o objectivo do
espectáculo mediático.”
Curiosamente, a casa que o
primo “tinha” e que “estava fechada”, foi, afinal, entregue por um milionário
angolano a 16 de Outubro de 2018, poucos dias antes de Sócrates ir para lá
viver. Quem nunca teve um primo falido, “muito querido” e “muito próximo”, capaz
de emprestar uma casa nova de meio milhão com vista para o mar que atire a
primeira pedra.
Hoje em dia, Portugal inteiro
lê isto e já se ri. Mas ainda há um ano, mesmo depois de deduzida a acusação do
processo Marquês, muito boa gente considerou a pergunta de Vítor Gonçalves
inaceitável ou, pelo menos, de mau gosto. E, há dez anos, as explicações de
Sócrates já eram tão boas quanto esta – e milhões engoliram-nas sem pestanejar.
Comentários:
Manuel,
Seixal 04.12.2018: Obviamente
que já existe algo de obsessivo entre o jmt e o sócrates, mas tb concordo que
foi grave demais para que seja esquecido. Será natural que Sócrates enquanto PM
tenha beneficiado muitos amigos e conhecidos que lhe estarão gratos, mas Estes
"amigos" que dão casas, dinheiro e pagam viagens são indícios de que
algo não é normal
ALRB
: às armas, às armas, pela Pátria lutar, contra
os LADRÕES marchar, marchar 05.12.2018: Aquilo que Manuel chama de obsessivo para com José
Sócrates existe entre muita gente que não gosta de andar a pagar uma bancarrota
mesclada com corrupção toleradas por um povão que nem percebe o que paga nem
porque paga nem como paga. E o que se paga ou não paga tem implicações na
saúde, na educação, na segurança, na própria demografia, etc..
OPINIÃO
Eu também teria incendiado uns caixotes
do lixo
JOÃO MIGUEL TAVARES,
PÚBLICO, 6 de Dezembro de 2018
A luta dos guardas prisionais
até pode ser justíssima, mas vão-me desculpar: há coisas que pura e
simplesmente não se fazem.
A greve deveria ser o último
recurso em situações de tremenda injustiça. Em Portugal, é a prova de vida
rotineira de tudo o que é sindicato da função pública. A facilidade com que se
fazem greves e a forma como elas são feitas – em dias encostados a fins-de-semana,
nos momentos em que os serviços são mais necessários (veja-se a greve dos
professores às avaliações), ou até aos bochechos, como aquelas greves do metro
apenas nas horas de pico da circulação – demonstram que aquilo que deveria ser
um acto radical e duro, à maneira dos mineiros britânicos nos tempos de
Margaret Thatcher, foi-se transformando aos poucos num acto banal e flácido. O
Estado poupa uns trocos em ordenados, as empresas deficitárias têm menos défice
quando os serviços param, e os trabalhadores nunca lutam por outra coisa que
não sejam estatutos, salários e progressões. A quem prejudica a banalização das greves? Ao
pobre cidadão, como é óbvio, seja ele utente do metro, estudante na escola
pública ou recluso num estabelecimento prisional.
Outro problema: raramente nós, os prejudicados, percebemos
quais as verdadeiras razões pelas quais as greves são feitas. Exactamente por
se terem tornado rotina, limitamo-nos a ouvir na televisão umas banalidades por
parte de sindicalistas e a engolir notícias pouco aprofundadas por parte de
jornalistas. O mínimo que a comunicação social deve ao contribuinte que fica
sem transporte público ou sem escola é explicar-lhe em detalhe por que razão é
que não pode usufruir dos serviços pelos quais paga impostos todos os meses – e
sem jamais poder fazer greve, porque o fisco não deixa.
Por causa da greve dos
guardas prisionais, esta semana houve um motim no Estabelecimento Prisional de
Lisboa. As descrições do caso que li na comunicação social não têm, mais uma
vez, o nível de detalhe que gostaria de ter encontrado (parece que esta greve é
por causa do “novo horário de trabalho”, pela “demora no descongelamento dos
escalões” e pelo “pagamento do suplemento de turno”). Ainda
assim, fiquei convencido de que se eu fosse um dos presos também estaria a
incendiar caixotes do lixo. Segundo os números da Pordata (dados de 2017), há
em Portugal 6725 funcionários dos serviços prisionais, dos quais 4400 são
pessoal vigilante. Os reclusos são 13.440. Eu não sou especialista em prisões,
mas um funcionário por cada dois reclusos ou um guarda prisional por cada três
presos não são números que indiciem terríveis condições de trabalho ou falta de
recursos humanos. Na altura dos desacatos, segundo a Sábado,
haveria três guardas para cerca de 190 reclusos – tendo em conta a média
nacional, e dividindo o dia em três turnos, é caso para perguntar onde estariam
os 18 guardas em falta.
No bar da prisão não seria: devido à greve, os bares estão fechados “há
cerca de um mês”. E devido a um plenário de guardas as
visitas de quarta-feira foram canceladas – daí o motim. Se os reclusos têm apenas duas visitas
semanais de uma hora (consta que, nalgumas prisões, a greve obrigou a reduzir
as visitas a uma hora semanal), será razoável marcar um plenário em cima desse
horário? É que isso não desrespeita apenas quem
está preso – desrespeita, em primeiro lugar, as famílias e os filhos dos
reclusos, que estão a sofrer cá fora. A luta dos guardas prisionais até pode
ser justíssima, e todos sabemos como as cativações têm esmifrado os serviços
públicos. Mas vão-me desculpar: há coisas que pura e simplesmente não se fazem.
Comentários
danielcouto1100,
06.12.2018 19:34 : De facto o
populismo grevista nas profissões pagas pelo OE são reveladoras de que se está
em primeiro lugar a prejudicar os portugueses que não têm possibilidades nem
alternativa em recorrer aos serviços privados. Aos funcionários públicos as
greves no SNS não os afectam pois com a ADSE podem recorrer aos hospitais
privados. Da mesma forma grande maioria dos professores em greve na escola
publica têm os filhos em escolas privadas. As greves nos comboios alimentam os
autocarros express. As greves dos estivadores fazem perigar o emprego de
milhares de trabalhadores e empresas privadas. Os juizes e os tribunais em
greve dão jeito aos infratores. Precisávamos de 4 OE por ano para satisfazer
todos os funcionários públicos. Esquecemos a troika!
Manuel,
Seixal 06.12.2018 18:38: A verdade é que a greve está
banalizada quando deveria ser o último recurso, para situações como ordenado em
atraso, desrespeito excessivo por horários ou folgas, etc. Fazer greve quando o
empregador cumpre o que está no contrato, mas o que se pretende é melhores
ordenados ou menos trabalho, considero injusto. Gostava de ver de que lado de
vão colocar os diferentes partidos nesta greve dos funcionários prisionais…
06.12.2018 18:24 O amigo JMT até
tem razão, porque "direitos" dos presidiários são para cumprir,
porque a visita de familiares é preponderante no sentido de humanizar os
reclusos da sociedade.
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