sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

As causas do desastre



Umas são devidas à usual falcatrua, outras a isso de greves, greves danosas que os sindicatos instigam, outras aos factores idiossincráticos da usual inapetência para o trabalho e o estudo, que se agravam no deslizar dos tempos e das políticas que os acompanham. O resto, já o disse Pessoa, no Nevoeiro com que termina a Mensagem, e que já aqui pus, mas que nunca é demais reler, tão sempre justo e transcendente:
Nevoeiro
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer —
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo encerra.
Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro…
É a Hora!
Fernando Pessoa
in Mensagem

A horrível pergunta de Vítor Gonçalves
OPINIÃO, 4/12/2018
Quem nunca teve um primo falido, “muito querido” e “muito próximo”, capaz de emprestar uma casa nova de meio milhão com vista para o mar que atire a primeira pedra.
Ainda se lembram da horrível pergunta de Vítor Gonçalves? Foi feita no final de uma entrevista a José Sócrates na RTP, em 13 de Outubro de 2017: “Hoje, como é que o senhor vive, como é que o senhor paga as suas despesas?”
José Sócrates, claro está, respondeu com a elegância habitual: “Isso é uma coisa inacreditável. Desculpe lá, mas o que é que o senhor tem a ver com isso? Isso é uma pergunta de um jornalista?” Perante a agressividade da resposta, Vítor Gonçalves engoliu em seco e por um breve momento ficou com cara de miúdo apanhado com a mão na caixa das bolachas. Não tinha razões para isso – aquela era uma pergunta lógica e fundamental, como agora se está a ver.
Na altura, Sócrates avançou com uma (não) explicação. “Eu vivo de uma única coisa. Tive já algumas ofertas, recusei tudo, porque estou nesta situação, não quero prejudicar ninguém. Vivo da minha pensão de ex-deputado. É o meu único rendimento.” Após recuperar o fôlego, Vítor Gonçalves ainda insistiu: “Não vive com empréstimos do seu amigo Carlos Santos Silva?” Sócrates respondeu: “Essa pergunta é uma afronta, essa pergunta é indigna de um jornalista, é uma pergunta típica do Correio da Manhã”. E nada mais acrescentou.
Saltemos para 30 de Novembro de 2018.Correio da Manhã titula em manchete: “Primo compra casa para Sócrates”. Se um amigo já lhe tinha oferecido desinteressadamente uma casa em Paris, agora um primo oferece-lhe desinteressadamente uma casa na Ericeira.
A história é esta: o ex-primeiro-ministro abandonou a casa alugada do Parque das Nações para se instalar numa vivenda de luxo de 300 metros quadrados com vista para o mar, propriedade do primo José Paulo Pinto de Sousa. O mesmo que a acusação do processo Marquês considera ter sido o seu testa-de-ferro até o seu nome passar a circular na imprensa em consequência do caso Freeport. E o mesmo, já agora, que no âmbito do processo Marquês garantiu estar falido.
A equipa da SIC que foi à Ericeira ouvir as explicações de Sócrates levou com a ementa do costume: indignação de entrada; péssima explicação como prato principal; e mais indignação à sobremesa. Entrada: “Não sei onde é que o senhor jornalista vai buscar a ideia de que tem o direito de fazer perguntas e incomodar as pessoas apenas por causa de actos banais da sua vida privada. Isso diz respeito a mim e ao meu primo e não diz respeito a mais ninguém.”
Prato principal: “Esse meu primo, que é uma pessoa muito querida e muito próxima, tinha uma casa que lhe foi dada como doação em pagamento e estava fechada e eu decidi vir para aqui.” Sobremesa: “Há dias em que sentimos pelo jornalismo português uma certa repugnância, porque aquilo que estão a fazer tem apenas a ver com a devassa da vida privada, com o objectivo do espectáculo mediático.”
Curiosamente, a casa que o primo “tinha” e que “estava fechada”, foi, afinal, entregue por um milionário angolano a 16 de Outubro de 2018, poucos dias antes de Sócrates ir para lá viver. Quem nunca teve um primo falido, “muito querido” e “muito próximo”, capaz de emprestar uma casa nova de meio milhão com vista para o mar que atire a primeira pedra.
Hoje em dia, Portugal inteiro lê isto e já se ri. Mas ainda há um ano, mesmo depois de deduzida a acusação do processo Marquês, muito boa gente considerou a pergunta de Vítor Gonçalves inaceitável ou, pelo menos, de mau gosto. E, há dez anos, as explicações de Sócrates já eram tão boas quanto esta – e milhões engoliram-nas sem pestanejar.
Comentários:
Manuel, Seixal 04.12.2018: Obviamente que já existe algo de obsessivo entre o jmt e o sócrates, mas tb concordo que foi grave demais para que seja esquecido. Será natural que Sócrates enquanto PM tenha beneficiado muitos amigos e conhecidos que lhe estarão gratos, mas Estes "amigos" que dão casas, dinheiro e pagam viagens são indícios de que algo não é normal
ALRB : às armas, às armas, pela Pátria lutar, contra os LADRÕES marchar, marchar 05.12.2018: Aquilo que Manuel chama de obsessivo para com José Sócrates existe entre muita gente que não gosta de andar a pagar uma bancarrota mesclada com corrupção toleradas por um povão que nem percebe o que paga nem porque paga nem como paga. E o que se paga ou não paga tem implicações na saúde, na educação, na segurança, na própria demografia, etc..
OPINIÃO
Eu também teria incendiado uns caixotes do lixo
JOÃO MIGUEL TAVARES,
PÚBLICO, 6 de Dezembro de 2018
A luta dos guardas prisionais até pode ser justíssima, mas vão-me desculpar: há coisas que pura e simplesmente não se fazem.
A greve deveria ser o último recurso em situações de tremenda injustiça. Em Portugal, é a prova de vida rotineira de tudo o que é sindicato da função pública. A facilidade com que se fazem greves e a forma como elas são feitas – em dias encostados a fins-de-semana, nos momentos em que os serviços são mais necessários (veja-se a greve dos professores às avaliações), ou até aos bochechos, como aquelas greves do metro apenas nas horas de pico da circulação – demonstram que aquilo que deveria ser um acto radical e duro, à maneira dos mineiros britânicos nos tempos de Margaret Thatcher, foi-se transformando aos poucos num acto banal e flácido. O Estado poupa uns trocos em ordenados, as empresas deficitárias têm menos défice quando os serviços param, e os trabalhadores nunca lutam por outra coisa que não sejam estatutos, salários e progressões. A quem prejudica a banalização das greves? Ao pobre cidadão, como é óbvio, seja ele utente do metro, estudante na escola pública ou recluso num estabelecimento prisional.
Outro problema: raramente nós, os prejudicados, percebemos quais as verdadeiras razões pelas quais as greves são feitas. Exactamente por se terem tornado rotina, limitamo-nos a ouvir na televisão umas banalidades por parte de sindicalistas e a engolir notícias pouco aprofundadas por parte de jornalistas. O mínimo que a comunicação social deve ao contribuinte que fica sem transporte público ou sem escola é explicar-lhe em detalhe por que razão é que não pode usufruir dos serviços pelos quais paga impostos todos os meses – e sem jamais poder fazer greve, porque o fisco não deixa.
Por causa da greve dos guardas prisionais, esta semana houve um motim no Estabelecimento Prisional de Lisboa. As descrições do caso que li na comunicação social não têm, mais uma vez, o nível de detalhe que gostaria de ter encontrado (parece que esta greve é por causa do “novo horário de trabalho”, pela “demora no descongelamento dos escalões” e pelo “pagamento do suplemento de turno”). Ainda assim, fiquei convencido de que se eu fosse um dos presos também estaria a incendiar caixotes do lixo. Segundo os números da Pordata (dados de 2017), há em Portugal 6725 funcionários dos serviços prisionais, dos quais 4400 são pessoal vigilante. Os reclusos são 13.440. Eu não sou especialista em prisões, mas um funcionário por cada dois reclusos ou um guarda prisional por cada três presos não são números que indiciem terríveis condições de trabalho ou falta de recursos humanos. Na altura dos desacatos, segundo a Sábado, haveria três guardas para cerca de 190 reclusos – tendo em conta a média nacional, e dividindo o dia em três turnos, é caso para perguntar onde estariam os 18 guardas em falta.
No bar da prisão não seria: devido à greve, os bares estão fechados “há cerca de um mês”. E devido a um plenário de guardas as visitas de quarta-feira foram canceladas – daí o motim. Se os reclusos têm apenas duas visitas semanais de uma hora (consta que, nalgumas prisões, a greve obrigou a reduzir as visitas a uma hora semanal), será razoável marcar um plenário em cima desse horário? É que isso não desrespeita apenas quem está preso – desrespeita, em primeiro lugar, as famílias e os filhos dos reclusos, que estão a sofrer cá fora. A luta dos guardas prisionais até pode ser justíssima, e todos sabemos como as cativações têm esmifrado os serviços públicos. Mas vão-me desculpar: há coisas que pura e simplesmente não se fazem.
Comentários
danielcouto1100, 06.12.2018 19:34 : De facto o populismo grevista nas profissões pagas pelo OE são reveladoras de que se está em primeiro lugar a prejudicar os portugueses que não têm possibilidades nem alternativa em recorrer aos serviços privados. Aos funcionários públicos as greves no SNS não os afectam pois com a ADSE podem recorrer aos hospitais privados. Da mesma forma grande maioria dos professores em greve na escola publica têm os filhos em escolas privadas. As greves nos comboios alimentam os autocarros express. As greves dos estivadores fazem perigar o emprego de milhares de trabalhadores e empresas privadas. Os juizes e os tribunais em greve dão jeito aos infratores. Precisávamos de 4 OE por ano para satisfazer todos os funcionários públicos. Esquecemos a troika!
Manuel, Seixal 06.12.2018 18:38: A verdade é que a greve está banalizada quando deveria ser o último recurso, para situações como ordenado em atraso, desrespeito excessivo por horários ou folgas, etc. Fazer greve quando o empregador cumpre o que está no contrato, mas o que se pretende é melhores ordenados ou menos trabalho, considero injusto. Gostava de ver de que lado de vão colocar os diferentes partidos nesta greve dos funcionários prisionais…
06.12.2018 18:24 O amigo JMT até tem razão, porque "direitos" dos presidiários são para cumprir, porque a visita de familiares é preponderante no sentido de humanizar os reclusos da sociedade.

Nenhum comentário: