Uma crónica de Francisco
Assis, elegante, correcta e rígida sobre «os
folclóricos imitadores dos “coletes amarelos” gauleses», a merecer conivências ou
desacordos dos seus comentadores, consoante as empatias partidárias de que ele
próprio desfruta. Uma crónica de João Miguel Tavares, de “rappel” de
erros políticos na condução de cenários de tragédia que têm abundado no país,
igualmente merecedora de diferentes julgamentos de maior ou menor sectarismo, mas
como sempre inspirada num propósito de condenação do desleixo ou ineficácia das
políticas governamentais. Textos de diferente amplitude temática, eles
complementam-se, afinal, como caracterizadores de um perfil nacional virado
para a arruaça, o desleixo e a falta de seriedade nos compromissos próprios.
I - OPINIÃO - Populismo à portuguesa
Os folclóricos imitadores dos “coletes amarelos”
gauleses não podem beneficiar de qualquer espécie de condescendência política.
FRANCISCO ASSIS
PÚBLICO, 20 de Dezembro de 2018
1. Os
jornais e as redes sociais têm vindo a anunciar a eclosão de uma movimentação
popular inspirada no exemplo dos “gilets jaunes”
franceses. Ontem foi mesmo publicado um manifesto supostamente elaborado por
um grupo de promotores de tal iniciativa. Uma rápida leitura desse documento
permite-nos sem dificuldade concluir que a tentativa de mimetização dos
acontecimentos franceses se coloca no domínio da paródia. O texto em
causa constitui uma exemplar demonstração de como uma mistura de populismo,
ressentimento e demagogia pode ocasionar o surgimento de um discurso público
abaixo das mais simples exigências de ordem ética e intelectual. Está ali quase tudo o que historicamente
favoreceu a afirmação de posições antiliberais, antidemocráticas e propensas ao
irracionalismo. A ignorância atrevida, a ofensa à inteligência e o elogio das
pulsões primárias constituem o caldo de cultura onde germinam os extremismos
políticos inimigos dos fundamentos dos regimes democrático-liberais. Não
chegámos até aqui por acaso. Estas delirantes tomadas de posição foram
precedidas de um progressivo avanço de uma retórica política maniqueísta e
sectária formulada através de uma linguagem empobrecida até aos limites da
caricatura. Infelizmente essa retórica foi invadindo quase todos os planos da
discussão pública ousando penetrar até em redutos institucionais onde nunca
deveria ter irrompido. Acedeu-se a conviver com excessiva facilidade com formas
degradadas da palavra e do gesto políticos. Mais tarde ou mais cedo pagar-se-ia
um preço elevado por tais dislates.
Arguir-se-á que ainda não
decaímos até aos níveis de baixeza e de miséria políticas que são já
observáveis noutros países. É verdade. Contudo, damos sinais de para lá
caminhar rapidamente se não reagirmos com a devida contundência aos ataques que
procuram pôr em causa a solidez das nossas instituições democráticas. Os folclóricos imitadores dos “coletes amarelos”
gauleses não podem, por isso, beneficiar de qualquer espécie de condescendência
política. O que gritam, o que propõem, o que reclamam assenta numa
representação demasiado simplificada da realidade económica, social e política
e tem como horizonte uma visão unitária da comunidade incompatível com uma
perspectiva livre e pluralista própria das democracias modernas. Haverá,
contudo, que não confundir intransigência no plano político com menosprezo
cívico para com quem quer que seja que se pronuncie de forma pacífica.
2. Bem
pior e mais criticável do que o posicionamento assumido pelos promotores das
atrás aludidas iniciativas populares foi a reacção exibida pelo presidente
do sindicato dos magistrados do Ministério Público face a declarações
proferidas por importantes figuras da nossa vida política nacional,
incluindo-se entre elas o líder do maior partido da oposição. Este sindicato
tem já um respeitável historial de maus serviços prestados ao edifício
institucional democrático. O que apesar de tudo se não esperava era que o seu
presidente actual se esmerasse em tratar o Parlamento com o mesmo nível de elaboração
mental e moral com que os amotinados das rotundas francesas se têm vindo a
referir às principais instituições do seu país. A um Presidente de um
sindicato desta natureza exige-se muito mais do que um discurso populista
pronunciado numa linguagem de taberna. Os insultos dirigidos ao Parlamento, sob
a forma de insinuações de baixo nível, mereciam resposta dura e contundente.
Verifiquei com agrado que Carlos César,
o líder parlamentar do PS, não se atemorizou e reagiu com a veemência que as
circunstâncias exigiam.
Há
já bastante tempo que se tem vindo a instalar no nosso país, com o prestimoso
contributo de uma parte da comunicação social e perante o silêncio da
esmagadora maioria da comunidade política, um populismo judicial e
justicialista deveras perigoso. Quando alguém ousa denunciá-lo é imediatamente
submetido à suspeita de estar conivente com qualquer comportamento ilegal. Não
faltam neo-inquisidores empenhados em tão vil serviço. Ora, o que daí resulta,
para usar uma expressão cara a um colega de várias lides e que, aliás, muito
prezo, é uma verdadeira “asfixia” cívica e democrática. Numa democracia liberal
não pode haver poderes que se pretendam acima da esfera da discussão pública.
3. Na semana passada teci
considerações sobre a forma como se processou a recepção nacional ao Presidente
chinês. A dado passo reprovei aquilo que me pareceu ser um comportamento
excessivamente reverente perante o chefe de um regime autocrático e critiquei
explicitamente o nosso Presidente da República. O professor Marcelo Rebelo de
Sousa, perante tal crítica, teve a gentileza de me informar que em várias
ocasiões no decorrer dessa visita fizera alusão à questão fundamental do
respeito pelos Direitos Humanos. Prestado o esclarecimento, resta-me
transformar a crítica num elogio.
COMENTÁRIOS
Caetano Brandão, MATOSINHOS :
Em Portugal haveria muito mais razão
para coletes amarelos, simplesmente nós somos muito brandos e além disso uma
coisa copiada, não espontânea não produz certamente os mesmos efeitos.
Maria: Brandos? não tenho disso no nome, nem
nada lá perto, dispenso adjectivações, mas não me verá a apoiar bicharada a
fazer porcaria nas ruas! risco considerável, inerente a ajuntamentos e
amontoados sem ordem. Se for para haver porcaria, mais vale mesmo não haver. Eu
não vou reagir com brandura a ser chateada ou lesada por acéfalos, seja qual
for a ideologia política (se é que há alguma por detrás!).
Duarte Cabral: "A ignorância atrevida, a ofensa à inteligência e o
elogio das pulsões primárias constituem o caldo de cultura onde germinam os
extremismos políticos inimigos dos fundamentos dos regimes democrático-liberais." Entendo o incómodo, tudo o que possa beliscar o ordem
vigente: tecnocratas ao serviço dos lóbis, é desacreditado. Diz este "iluminado"
defender os valores democráticos, mas suas palavras transpiram desprezo pelo
povo. Ofensa à inteligência é querer fazer passar a ideia que vivemos em regime
democrático.
AndradeQB, Porto :
De facto está na altura de criar uma
DGS, e começar a fazer prisões preventivas. Reconheço em Francisco Assis
seriedade política, mas penso que ultimamente anda demasiado militante em
esconder as causas do crescimento destes movimentos, e muito militante em
perseguir os seus protagonistas. Infelizmente há causas substantivas para esses
movimentos. Chega ler a notícia ao lado, em que mais uma mulher foi queimada e
assassinada depois de ter recorrido repetidamente ao Estado para a proteger.
Estado que não fez nada, dado que está impossibilitado por um regime que o
impede de fazer seja o que for para proteger os mais frágeis da sociedade.
Fechar os olhos à realidade e defender a repressão, não era coisa que esperasse
de Francisco Assis.
II - OPINIÃO: UM PAÍS A CAIR AOS BOCADOS
Eu consigo encontrar uma trotinete por
GPS nas ruas de Lisboa e não consigo encontrar um helicóptero do INEM – repito:
do INEM! – que cai em Valongo? Está tudo doido?
COMENTÁRIOS
José Ribeiro,
19.12.2018 19:07: É o resultado
dos partidos políticos transformados em organizações mafiosas com objetivo de
conquistar o poder para “despejarem” os membros dos bandos em todas as
instituições públicas usando o erário público para a distribuição de benesses
pelas clientelas que após o exercício de poder lhes garantem cargos altamente
remunerados e acesso a “sacos azuis”. É o resultado do funcionamento da AR que
Paulo de Morais chama de “central de negócios” particulares, onde a
promiscuidade reina todos os dias. É o resultado de nas últimas quatro décadas
não termos tido um poder judicial com capacidade nem vontade de defender o
cidadão e o bem público. É o resultado da falta de dignidade e moral dos
detentores da soberania legislativa e executiva. É o resultado dos crimes de
lesa pátria sem castigo.
Orçamentos
Grates: Entre Braga e Nova Iorque 19.12.2018: Eu adorava que a minha profissão fosse o de
"jornalista de opinião". Sentado à secretária, liga ou desliga ar
condicionado, faz pausa para café e cigarro, almoço tranquilo e a horas,
sestazinha, ver televisão para comentar, fazer piadas, e mandar a laracha do
momento, qualquer momento, qualquer assunto. Gosto de ler opiniões de pessoas
que sabem do que falam e nos esclarecem, enriquecem de alguma maneira,
profissionais da área. Isto, contudo, não é jornalismo. É apenas a opinião,
paga, semelhante à que mandaríamos a jogar à sueca na tasca da rua. De borla.
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