Não, não vamos conspurcar a
azinheira alentejana, de vasta copa antiga, que Bagão Félix cita como concorrente à Árvore Europeia 2019. Apesar dos incêndios também vastos, ainda
temos árvores proporcionadoras de boa sombra, e se forem figueiras tanto melhor,
não só para o deleite da sombra como para o deleite do estômago, sobretudo se
forem pingo de mel os figos. O mais comum, contudo, nestas coisas do ripanço, é
traduzir-se a expressão virgiliana,“sub tegmine fagi”, por “à sombra da bananeira”,
por via da amplitude alimentícia dos seus generosos cachos.
Vem a referência a propósito
do texto de Bagão Félix que explora,
em abstracto, o tema da corrupção, da falta de ética, na convulsão das notícias,
ou das propostas de acção, que se atropelam e seguem e se substituem, num ruído
persistente em que os interesses próprios se impõem, e tudo isso resulta,
certamente, da reviravolta ideológica, pela adopção de uma democracia exigente
em direitos, a começar pelos que tomaram em mãos os destinos da nação. Sabe-se
tudo isso, mas Bagão Félix talvez exagere na sua crítica, sobretudo quando
afirma que «A soberania reside no povo. Qual
soberania? A de apenas votar de x em x anos? É sobejamente
pouco. E enganoso.» Penso que o
povo já conquistou muito, através dos seus representantes, que fazem o que
podem para criar condições de vida, mas era preciso que o povo trabalhasse com a
mesma garra com exige os seus direitos, por altura das greves. Não podemos
esquecer uma dívida de todo o tamanho, a pagar.
OPINIÃO Política
e políticas
ANTÓNIO BAGÃO FÉLIX
OBSERVADOR, 30 de Novembro de 2018
A política está cada vez
mais capturada pela aparência, pela obsessão do actualismo, pela catadupa de
notícias devoradas umas pelas outras, pelas sondagens e likes,
pelo primado da conveniência, pelo tacticismo sem estratégia, pela erosão do
poder-dever. A ideia de política com ética vem-se
rarefazendo, porque se, para a política muitas vezes basta parecer, (e
aparecer), para a ética não basta a
“markética” de parecer, é mesmo preciso ser.
O espectáculo do anúncio
tornou-se central. Já não é preciso fazer, basta anunciar. O escrutínio e acompanhamento da acção política perde-se na penumbra do
tempo e na erosão da memória colectiva. Não se age, antes se reage, em
agendas mais marcadas pelo oportunismo do que pela convicção. Abraçam-se
minudências para se procrastinarem os grandes desafios. Mistura-se a
insignificância com a gravidade, a festarola com a solenidade. As ideias
tornaram-se moldáveis, volúveis, permutáveis, negociáveis em forma de
plasticina intelectual. Pelo mundo fora, há fartura de políticos dos direitos,
escasseiam políticos dos deveres e estadista é uma espécie em vias de
extinção.
A
míngua da ética da convicção e a diluição da ética da responsabilidade
potenciam abordagens egoísticas ou, no máximo, utilitaristas, teleologicamente
desprezíveis e favorecem ambientes corruptíveis e dissolventes. Hoje, diante de
conflitos de interesses reais ou potenciais, moldam-se as leis e as regras
para, não raro, legalizar o que nem sempre é legítimo. O pudor já nem sequer é um fiável regulador ou
“termóstato” de conduta.
À
falta de argumentos ou à boleia da preguiça intelectual, opta-se crescentemente
por etiquetagens redutoras e perigosamente simplistas. Os
“ismos” e os “istas” passaram à categoria de insulto alegremente papagueado
que, todavia, esconde
a ignorância. Em curto-circuitos axiologicamente
indigentes, tuita-se,
instagrama-se, facebooka-se, numa mistura de pobreza linguística,
sintaxe primária, aversão ao raciocínio profundo e desprezo pela memória.
As fronteiras de interesses
entre o que é ou deve ser público e sujeito à tutela do bem comum e o que é
privado estão sujeitas a subjectivismos interpretativos, volúveis e movediços
em função do contexto que existe ou se quer que exista.
A autenticidade, isto é, a conformidade ontológica entre
ser-se, estar-se, pensar-se, dizer-se, fazer-se, esboroa-se e o mascarado só precisa de, de quando em vez, trocar de
roupagem para prosseguir o fingimento.
Muda-se em razão das
conveniências, não em função das convicções. Ou das dinâmicas e das narrativas,
como agora se ouve. As
doutrinas políticas já não são o que eram e as ideologias cedem ao pragmatismo
de qualquer realpolitikdoméstica
ou importada.
A
linguagem parece perder a força da representação genuína para ser um
instrumento ao serviço de objectivos ideológicos, que se servem da “correcção
política” para tudo moldarem a arquétipos de construtivismo social. A
mistura sórdida de individualismo agressivo e indiferentismo esboroa o primado
da individualidade e até da dignidade da pessoa.
Os
poderes transformam-se em sociedades de marketing comercial e de merchandising político. As estatísticas, torturadas a
bel-prazer, tornaram-se a mãe de todos os instrumentos de análise, conveniência
ou omissão. O Estado de direito, não raro, fica refém de
poderes não escrutinados e de forças ocultas ou dissimuladas.
Cada
vez mais se quer fazer restringir a responsabilidade política à culpa pessoal
como forma de ultrapassar momentos críticos e de ladear a prestação ética de
contas perante os representados. É o tempo do talvez, do apesar de, do caso tivesse
sido ou de qualquer outra adversativa. É
o tempo de, perante um problema, uma tragédia, se entrar num jogo de culpas,
mas não de desculpas, num assomo de hipocrisia, limitando-se (quando
conveniente) o Estado à Administração Central. Nada acontece diante da
infracção e devassa por meios ilícitos de direitos cívicos inalienáveis, possibilitadas por um Estado de direito
fraco, permeável, transaccionável q.b., aproveitado por certa comunicação
social vampiresca que não olha a meios. Nada acontece a não ser os inquéritos
da praxe sem fim à vista e com os responsáveis a assobiar para o lado.
A soberania reside no povo, dizem os preceitos constitucionais das
democracias no mundo. Qual soberania?
A de apenas votar de x em x anos? É sobejamente pouco. E enganoso.
IPSIS VERBIS
CITAÇÃO I: “O
político pensa na próxima eleição. O estadista, na próxima
geração” (James F. Clarke, escritor americano,
1810-1888)
CITAÇÃO II: "Podeis
enganar toda a gente durante um certo tempo; podeis mesmo enganar algumas pessoas
todo o tempo; mas não vos será possível enganar sempre toda a gente”
(Abraham Lincoln, 1809-1865)
CITAÇÃO III: "O
povo deve ser poupado de saber como são feitas as leis e as
salsichas" (W. Churchill,
1874-1965)
CITAÇÃO IV: “O Estado é o servo do cidadão
e não o seu senhor” (John F. Kennedy, 1907-1963)
CITAÇÃO V: “Perdoem,
mas não esqueçam” (Nelson Mandela, 1918-2013)
CITAÇÃO VI: “Olho por olho e o mundo acabará cego” (Mahatma Gandhi,
1869-1948)
SCIENTIA
AMABILIS
A Árvore Portuguesa de 2019
Foi eleita, por
votação online, a Árvore Portuguesa
de 2019. Trata-se de uma azinheira
(Quercus rotundifolia, Lam.) situada no concelho de Mértola, com cerca
de 150 anos. A sua copa é invulgarmente larga, dando-lhe uma expressão
simultaneamente gigantesca e de grande beleza. É conhecida por Azinheira Secular do Monte Barbeiro.
Lembra uma “árvore genealógica” em estilo expressionista. Inserida na Zona
de Protecção Especial do Vale do Guadiana, tem um perímetro do tronco
de 3,56m e ocupa quase 500 metros quadrados. Como está escrito no
texto da sua candidatura, “sentarmo-nos debaixo da sua copa faz com que
o calor abrasador do Alentejo nos pareça suportável e nos permita contemplar a
vastidão da planície envolvente respirando a sua tranquilidade”. Vai
agora concorrer à Arvore Europeia e, quem sabe, possa suceder ao Sobreiro
Assobiador de Palmela, que venceu este ano.
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