O corajoso esclarecimento
feito por João Miguel Tavares a respeito do amortecimento – xanaxização – geral do povo português,
submisso a quem lhe apanhou o jeito de se render às armas da hipocrisia beata
que reina nas actuais parcerias governativas, fez-me lembrar tempos em que
vibrávamos com figuras de envergadura literária e humana, como foi a de Alexandre Herculano, pese embora o
romantismo ultrapassado dos seus versos sonoros, de emoções envoltas no
descritivo poderoso da natureza em tumulto. Não, não é para um inútil apelo às
armas, o poema “A Tempestade” de que
coloco um excerto, a propósito da crónica de João Miguel Tavares e de
alguns dos seus muitos comentadores, é talvez mais como
homenagem, pelo incentivo que os seus esclarecimentos podem produzir, contra a
nossa tal passividade, fruto de uma irremediável e triste incúria.
A TEMPESTADE
Sibila o
vento: os torreões de nuvens
Pesam nos densos ares:
Ruge ao largo a procela, e encurva as ondas
Pela extensão dos mares:
A imensa vaga ao longe vem correndo
Em seu terror envolta;
E, dentre as sombras, rápidas centelhas
A tempestade solta.
Do sol no ocaso um raio derradeiro,
Que, apenas fulge, morre,
Escapa à nuvem, que, apressada e espessa,
Para apagá-lo corre.
Tal nos afaga em sonhos a esperança,
Ao despontar do dia,
Mas, no acordar, lá vem a consciência
Dizer que ela mentia!
As ondas negro-azuis se conglobaram;
Serras tornadas são,
Contra as quais outras serras, que se arqueiam,
Bater, partir-se vão.
Ó tempestade! Eu te saúdo, ó nume
Da natureza açoite!
Tu guias os bulcões, do mar princesa,
E é teu vestido a noite!
Quando pelos pinhais, entre o granizo,
Ao sussurrar das ramas,
Vibrando sustos, pavorosa ruges
E assolação derramas,
Quem porfiar contigo, então, ousara
De glória e poderio;
Tu que fazes gemer pendido o cedro,
Turbar-se o claro rio?
Quem me dera ser tu, por balouçar-me
Das nuvens nos castelos,
E ver dos ferros meus, enfim, quebrados
Os rebatidos elos.
Eu rodeara, então o globo inteiro;
Eu sublevara as águas;
Eu dos vulcões com raios acendera
Amortecidas fráguas;
Do robusto carvalho e sobro antigo
Acurvaria as frontes;
Com furacões, os areais da Líbia
Converteria em montes;
Pelo fulgor da Lua, lá do norte
No pólo me assentara,
E vira prolongar-se o gelo eterno,
Que o tempo amontoara.
Ali, eu solitário, eu rei da morte,
Erguera meu clamor,
E dissera: «Sou livre, e tenho império;
Aqui, sou eu senhor!»
Quem se pudera erguer, como estas vagas,
Em turbilhões incertos,
E correr, e correr, troando ao longe,
Nos líquidos desertos!
Mas entre membros de lodoso barro
A mente presa está!...
Ergue-se em vão aos céus: precipitada,
Rápido, em baixo dá. ….
Pesam nos densos ares:
Ruge ao largo a procela, e encurva as ondas
Pela extensão dos mares:
A imensa vaga ao longe vem correndo
Em seu terror envolta;
E, dentre as sombras, rápidas centelhas
A tempestade solta.
Do sol no ocaso um raio derradeiro,
Que, apenas fulge, morre,
Escapa à nuvem, que, apressada e espessa,
Para apagá-lo corre.
Tal nos afaga em sonhos a esperança,
Ao despontar do dia,
Mas, no acordar, lá vem a consciência
Dizer que ela mentia!
As ondas negro-azuis se conglobaram;
Serras tornadas são,
Contra as quais outras serras, que se arqueiam,
Bater, partir-se vão.
Ó tempestade! Eu te saúdo, ó nume
Da natureza açoite!
Tu guias os bulcões, do mar princesa,
E é teu vestido a noite!
Quando pelos pinhais, entre o granizo,
Ao sussurrar das ramas,
Vibrando sustos, pavorosa ruges
E assolação derramas,
Quem porfiar contigo, então, ousara
De glória e poderio;
Tu que fazes gemer pendido o cedro,
Turbar-se o claro rio?
Quem me dera ser tu, por balouçar-me
Das nuvens nos castelos,
E ver dos ferros meus, enfim, quebrados
Os rebatidos elos.
Eu rodeara, então o globo inteiro;
Eu sublevara as águas;
Eu dos vulcões com raios acendera
Amortecidas fráguas;
Do robusto carvalho e sobro antigo
Acurvaria as frontes;
Com furacões, os areais da Líbia
Converteria em montes;
Pelo fulgor da Lua, lá do norte
No pólo me assentara,
E vira prolongar-se o gelo eterno,
Que o tempo amontoara.
Ali, eu solitário, eu rei da morte,
Erguera meu clamor,
E dissera: «Sou livre, e tenho império;
Aqui, sou eu senhor!»
Quem se pudera erguer, como estas vagas,
Em turbilhões incertos,
E correr, e correr, troando ao longe,
Nos líquidos desertos!
Mas entre membros de lodoso barro
A mente presa está!...
Ergue-se em vão aos céus: precipitada,
Rápido, em baixo dá. ….
O monopólio do protesto e a xanaxização do país
Ao mostrarem-se incapazes de ocupar o
espaço que PCP e Bloco deixaram ao abandono, a direita ficou não só sem
governo, mas também sem oposição.
JOÃO MIGUEL TAVARES PÚBLICO, 29 de Novembro de 2018,
A propósito do espírito de
tolerância e compreensão que desabou em Portugal no final de 2015, contrariando
os quatro apocalípticos anos anteriores, eu afirmei num dos meus últimos textos que “a
esquerda tem o monopólio do protesto” no país – e que é esse monopólio
que justifica esta espécie de adormecimento generalizado, apesar dos erros que
têm sido cometidos pelo actual Governo. Quando a esquerda dorme, o país
ressona, e a xanaxização da pátria tem feito maravilhas por António
Costa. Tantas maravilhas, aliás, que na entrevista que deu na semana
passada à Agência Lusa, o actual primeiro-ministro voltou a repetir um desejo
muito significativo: ainda que o PS venha a ter uma maioria absoluta, ele
está totalmente disponível para repetir os acordos com a esquerda.
Claro que o efeito prático
desta intenção é nulo. Se o PS tiver maioria absoluta, nem o PCP, nem o Bloco
de Esquerda, terão qualquer espécie de interesse em estar a fazer pactos com o
Governo, preferindo regressar à
velha lenga-lenga do PS-pratica-políticas-de-direita. Mas o ponto não é esse. O ponto é que nem
por um momento duvido da sinceridade de António Costa – se dependesse dele,
continuaria a fazer acordos com a esquerda até ao final dos tempos, porque o
preço que pagou nos últimos três anos por ter diminuído o nível de gritaria no
país é uma pechincha tendo em conta aquilo que recebeu em troca.
Já houve quem contrapusesse a
esta minha opinião uma estatística pretensamente imbatível: houve mais greves na função pública durante
a vigência do actual Governo do que na do anterior. Na verdade, isso só
me dá razão – o que interessa não é o que existe, mas aquilo que parece
existir. E greves de baixa intensidade, sem gritarias desmesuradas, sem grandes
protestos em frente ao Parlamento, sem grandoladas ruidosas, sem
numerosos sindicalistas sofredores, sem alertas sobre o caos nos hospitais ou
sem desfiles na Avenida da Liberdade ao som de Os Vampiros,
não são a mesma coisa. É evidente que as centrais sindicais não
podem eclipsar-se durante quatro anos; mas é igualmente evidente que a sua
postura nada tem a ver com os tempos em que Passos Coelho era
primeiro-ministro. Nem José Sócrates. Nem sequer António Guterres. Em troca dos
acordos subscritos com a esquerda, António Costa recebeu um silêncio que lhe
valeu muitos pontos percentuais em popularidade.
Dir-se-á: mas se o PCP e o
Bloco diminuíram a intensidade dos protestos, porque é que a direita não ocupou
o seu lugar? A resposta é simples: porque não o sabe
fazer, nem tem estruturas para isso. Existe uma rotina de protesto que foi
constituída e alimentada durante 40 anos de democracia. Os sindicatos têm
milhares de funcionários cujo trabalho não é outro senão esse, e os meios de
comunicação social têm formas de trabalhar que são sempre iguais: directo à porta do protesto, conversa
previamente combinada com o sindicalista de serviço, números de adesão
estratosféricos, jornalistas a debitar a cassete do trabalhador oprimido,
discussão do tema nos canais por cabo à noite, e por aí fora. Esta
coreografia está altamente rotinada e não é nada fácil de quebrar. Se a
esquerda não dança, a comunicação social fica sem par – e a direita não conhece
os passos. Esta foi a grande fragilidade de PSD e CDS nos últimos
três anos. Ao mostrarem-se incapazes de ocupar o espaço que PCP e Bloco
deixaram ao abandono, a direita ficou não só sem governo, mas também sem
oposição.
COMENTÁRIOS:
Luis Fonte, 30.11.2018: Sr. JMT, por favor tenha a coragem de ser
mais sério (intelectualmente) que (quase) todos os jornalistas deste país e
pare de chamar esquerda à extrema-esquerda! Chamar esquerda ao PCP, Bloco e 30%
do PS é lavar a realidade de partidos anti-democráticos que defendem a
implementação de uma "democracia" tipo Venezuela. O que seria se o
PSD se coligasse com o PNR? Que fique claro; O PS deita-se com a
EXTREMA-ESQUERDA.
José Tanchão,
29.11.2018: Fala-se de esquerda e direita! Em Portugal
não existe direita nem conservadores (porque já não há grande coisa para
conservar), só centrões e esquerda. O analfabetismo funcional é endémico, o
povo ainda discute os lados da bancada. Só existe um lado, a assembleia da
República, o resto é miragem! Enquanto estivermos na Europa, os nossos
governantes não passarão de empresários privados com poderes públicos
devidamente legalizados.
Manuel,
Seixal 29.11.2018: Mas alguém tem dúvidas de que a austeridade
ou o crescimento económico, são sobretudo ficções elaboradas pelos governos e
propagandas pelos media? Tudo é relativo mas o governo sabe que é mais
importante parecer que ser. Os media são instrumentalizados para nos inundarem
de "desgraças " nos outros países de modo a que achemos que vivemos
num paraíso. Por vezes existe algum fundo de verdade, mas psicologicamente nada
melhor para valorizar um governo que fazê-lo comparar com outros muito maus...
João Lopes,
29.11.2018: Análise realista e
verdadeira de João Miguel Tavares!
Liberal, Passa o tempo numa alienação
onírica com javalis, tripeiros e incompetentes 29.11.2018 : Inspirado pelo Francisco Cruz em baixo,
apetece-me dizer que Assunção Cristas tem feito oposição à célebre
"geringonça". Pode não ser suficiente nem se traduzir em arruaças,
mas tem feito. O PSD desde que correu com Passos Coelho dedica-se a tempo
inteiro ao seu passatempo de sempre: a luta fratricida.
francisco cruz, 29.11.2018: João Miguel Tavares, sem querer, você acaba
de assinar um atestado de incapacidade política ao PSD e CDS , primordialmente
aos seus líderes. Segundo você , a "direita" não consegue ocupar de
forma estruturada e organizada o espaço crítico que toda oposição que se preze
deve demonstrar. Daqui se depreende que PSD e CDS não têm nem conseguem ter uma
estratégia política de oposição ao poder . Quem é incapaz de exercer política e
estruturalmente o contrapoder, dificilmente saberá exercer o poder real. A
Democracia só permanece forte se a estrutura política que governa uma sociedade
for criticada e pressionada por uma forte oposição. Neste caso lamentavelmente
é o país e os portugueses que perdem. Dommage.
João Borges,
Porto 29.11.2018: Um texto lúcido e pertinente.
Onde andam os indignados? A miséria acabou? Onde anda o investimento público? O
SNS está melhor? Como está a dívida pública?? Alguma vez, na nossa história
recente, houve um desmazelo na protecção dos cidadãos tão grande como agora?
Mas está tudo bem! A esquerda reina e ninguém em Portugal quer pôr um
"colete amarelo".
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