quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

Não sei se concorde - comentário

Mas não li Karl Popper, areia demasiada para a minha carrinha, mais atida à amenidade prazerosa das leituras suaves sobre vivências deste variado mundo de afectos. Afinal, o que hoje parece existir é mesmo a indocilidade, a indisciplina, e tudo isso motivado por um conceito de democracia que faz que todos se reconheçam merecedores de iguais privilégios, e ao lutarem por eles, ignoram o todo, que é a Nação, que é preciso respeitar. Mas continua a haver, é certo, movimentos generosos, que partem de Associações Humanitárias, espalhadas por este mundo, pretendendo desfazer o que a ambição, a astúcia e a crueldade provocam de atrocidades. 
 HENRIQUE SALLES DA FONSECA
 A BEM DA NAÇÃO, 20.12.18
 «Há que manter as pessoas amedrontadas e desmoralizadas para que fiquem mansas»
Foi numa entrevista que um súbdito britânico concedeu a um cidadão americano sobre as vantagens do Serviço Nacional de Saúde que ouvi esta frase mas, apesar de não se tratar do ponto fulcral da entrevista, foi nela que me fixei.
Para poder passar rapidamente ao que mais me interessa, despacho já a questão do SNS: a entrevista tinha como objectivo reunir argumentos em defesa do Obamacare contra a decisão do seu desmantelamento por Trump.
Então, o entrevistado lembrou que foi num período de grande solidariedade nacional que o Governo Britânico avançou para a criação do SNS, em 1948, depois dos horrores por que haviam passado durante a «batalha de Inglaterra». E resumiu os raciocínios de um modo bem curioso: «Então, quando estávamos falidos, arranjámos dinheiro para matar quem nos atacava e agora (1948), não arranjávamos dinheiro para tratar dos nossos? 
Foi, pois, a solidariedade nacional que levou os britânicos a tratarem de si próprios em vez de ficarem à espera de que alguém viesse de fora (seguradoras e outras entidades do género) tratar-lhes das feridas ainda muito evidentes e muito extensas. E, para além da solidariedade, tudo se fez no âmbito duma grande motivação e em plena democracia.
Eis o grande contraste com o que, entretanto, trama a «mão invisível» que, à boa maneira de Júlio César e de Maquiavel, «divide para governar». E daí vem a frase que retive e acima transcrevo, cujas consequências têm tudo a ver com desmotivação, desinteresse, abstenção.
Sim, há quem pense ser muito mais fácil governar quem tenha medo, ande desmoralizado, desmotivado e se abstenha de participar em qualquer tema de interesse colectivo. Parece mesmo haver a intenção de constituir a discussão sobre o bem comum em tabu inultrapassável quando, essa sim, deveria impor-se a todas as demais discussões.
Basta assistir a um telejornal para constatarmos que «aquele roubou», «aquela assassinou», «amanhã há raios e coriscos», «o mar estará bravo», «um estudo diz que comer feijão provoca miopia e caspa», etc., sempre a semear a ansiedade e a distrair o cidadão de temas que possam cultivar valores positivos. Para não referir a alienação futebolística, essa doença gravíssima que, para além do mais, se mistura com corrupção.
Já Karl  Popper dizia que a televisão é a grande inimiga da democracia.
O desvirtuamento da democracia que passou a estar associada às hordas de abúlicos que só despertam quando uns quantos envergam coletes amarelos.
Dezembro de 2018
Henrique Salles da Fonseca
BIBLIOGRAFIA:
«TELEVISÃO: UM PERIGO PARA A DEMOCRACIA», Karl Popper – John Condry, ed. Gradiva, Fevereiro de 2007


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