Mas não li Karl Popper, areia
demasiada para a minha carrinha, mais atida à amenidade prazerosa das leituras
suaves sobre vivências deste variado mundo de afectos. Afinal, o que hoje
parece existir é mesmo a indocilidade, a indisciplina, e tudo isso motivado por
um conceito de democracia que faz que todos se reconheçam merecedores de iguais
privilégios, e ao lutarem por eles, ignoram o todo, que é a Nação, que é
preciso respeitar. Mas continua a haver, é certo, movimentos generosos, que
partem de Associações Humanitárias, espalhadas por este mundo, pretendendo
desfazer o que a ambição, a astúcia e a crueldade provocam de atrocidades.
HENRIQUE
SALLES DA FONSECA
A BEM DA
NAÇÃO, 20.12.18
«Há que manter as pessoas
amedrontadas e desmoralizadas para que fiquem mansas»
Foi numa entrevista que um
súbdito britânico concedeu a um cidadão americano sobre as vantagens do Serviço
Nacional de Saúde que ouvi esta frase mas, apesar de não se tratar do ponto
fulcral da entrevista, foi nela que me fixei.
Para poder passar rapidamente
ao que mais me interessa, despacho já a questão do SNS: a entrevista tinha
como objectivo reunir argumentos em defesa do Obamacare contra
a decisão do seu desmantelamento por Trump.
Então, o entrevistado lembrou
que foi num período de grande solidariedade nacional que o Governo Britânico
avançou para a criação do SNS, em 1948, depois dos horrores por que haviam
passado durante a «batalha de Inglaterra». E resumiu os raciocínios de um modo
bem curioso: «Então, quando estávamos falidos, arranjámos dinheiro para matar
quem nos atacava e agora (1948), não arranjávamos dinheiro para tratar dos
nossos?
Foi, pois, a solidariedade nacional que levou os
britânicos a tratarem de si próprios em vez de ficarem à espera de que alguém
viesse de fora (seguradoras e outras entidades do género) tratar-lhes das
feridas ainda muito evidentes e muito extensas. E, para além da solidariedade,
tudo se fez no âmbito duma grande motivação e em plena democracia.
Eis o grande contraste com o que, entretanto, trama a «mão
invisível» que, à boa maneira de Júlio César e de Maquiavel, «divide para
governar». E daí vem a frase que retive e acima
transcrevo, cujas consequências têm tudo
a ver com desmotivação, desinteresse, abstenção.
Sim, há quem pense ser muito
mais fácil governar quem tenha medo, ande desmoralizado, desmotivado e se
abstenha de participar em qualquer tema de interesse colectivo. Parece mesmo
haver a intenção de constituir a discussão sobre o bem comum em tabu
inultrapassável quando, essa sim, deveria impor-se a todas as demais
discussões.
Basta assistir a um telejornal
para constatarmos que «aquele roubou», «aquela assassinou», «amanhã há raios e
coriscos», «o mar estará bravo», «um estudo diz que comer feijão provoca miopia
e caspa», etc., sempre a semear a
ansiedade e a distrair o cidadão de temas que possam cultivar valores
positivos. Para não referir a alienação futebolística, essa doença gravíssima
que, para além do mais, se mistura com corrupção.
Já Karl Popper dizia que a televisão é a grande
inimiga da democracia.
O desvirtuamento da democracia
que passou a estar associada às hordas de abúlicos que só despertam quando uns
quantos envergam coletes amarelos.
Dezembro de 2018
Henrique Salles da Fonseca
BIBLIOGRAFIA:
«TELEVISÃO: UM PERIGO
PARA A DEMOCRACIA», Karl Popper – John Condry, ed. Gradiva,
Fevereiro de 2007
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