quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Impostos a quanto obrigam!



A uma proposta de greve aos impostos, na perspectiva graciosa de Helena Matos, à revolução em ruas de Paris descrita por Rui Ramos.
Duas crónicas de muito interesse informativo e de análise pertinente - humorística ou mais séria – que os comentários de alguns leitores atentos ajudam a percepcionar. Mas os desacatos em Paris naturalmente que nos entristeceram, pela monstruosa actuação do povo, embora, é certo, outras revoluções anteriores tenham mostrado antes, de quanto dinamismo a sociedade francesa é capaz, na luta pelos seus ideais libertadores – neste caso, reivindicadores de mais justiça económica. Tenho pena também, por E. Macron, que me parece um estadista dinâmico, que defende a União Europeia, mais fragilizada agora pela saída de A. Merkel, pelo Brexit, pelos tais nacionalismos….
Uma proposta absolutamente populista /premium
OBSERVADOR, 2/12/2018
Chegou a hora dos contribuintes mostrarem quem paga isto tudo. Os juízes fazem greve. Os professores fazem greve. Os enfermeiros fazem greve. Só os contribuintes nunca fizeram greve. Porquê?
Aquilo que aqui me traz é uma proposta assumidamente populista. Não é um bocadinho populista. Muito menos tem laivos de populismo. É populista e ponto. Não, não pretendo imitar os parlamentares que, como aconteceu esta semana, em Portugal se substituíram aos peritos de saúde e decidiram acrescentar vacinas ao plano nacional de vacinação (também já tinham querido proibir a prescrição de um medicamento pelo que é de temer onde acabará este caso de medicina-parlamentar). E que em França a pretexto da protecção à infância já legislam sobre as repreensões que os pais dão aos filhos e transformam uma palmada num mau trato. Também não vou repetir a leviandade dos deputados quando aprovaram  legislação “disney” sobre o abate nos canis que levou a que as autoridades nada façam perante a proliferação de matilhas. E muito menos vou perder tempo com a preocupação que medra entre as boas almas com o populismo crescente na Europa.
Pois admitindo como certa a definição do Guardian que tanto tem dado que falar – “Um partido é considerado populista, se apresenta a vida política como uma luta entre uma massa de cidadãos virtuosos e uma elite mal-intencionada e venal, os partidos populistas, obviamente, assumem-se como representantes do bem (“nós”, “o cidadão comum”) contra o mal (“eles”, “as elites”) – temos de convir que nós, portugueses, há décadas convivemos, toleramos e respeitamos partidos que, como são os casos do PCP e do BE, têm precisamente essa visão da sociedade. Populista, pois claro. Portanto e a não ser que se pretenda instituir que o populismo só existe à direita e que à esquerda o referido populismo se chama “justa indignação” e “luta contra as injustiças” vamos deixar o frenesi anti-populista a marinar.
Passando ao que me interessa, aqui está a minha proposta (populista, pois claro): é urgente o avanço civilizacional do direito a fazer greve ao pagamento de impostos. É isto populismo? Claro que é. Na verdade e parafraseando a definição vigente de populismo -– “Um partido é considerado populista, se apresenta a vida política como uma luta entre uma massa de cidadãos virtuosos e uma elite mal-intencionada e venal.” – não tenho qualquer confiança nesta elite que em quarenta anos não só deixou o país falir três vezes –1977, 1983 e 2011 – como nunca assumiu a sua parte de responsabilidade nesses desastres.
Quando é que a CML nos dá explicações para esse sugadouro do dinheiro dos contribuintes que é o alegado negócio dos terrenos da Feira Popular e de caminho se fazem as contas aos arrebatamentos do “Zé que faz falta”?
Por contraste, e aqui vai outro traço do meu populismo, considero que essa mesma elite que tão condescendente é consigo mesma na hora de se penalizar pela péssima gestão que tem feito do nosso dinheiro, não perdoa a menor falha a qualquer cidadão que não cumpra com as suas obrigações fiscais. Por exemplo, quando é que a CML nos dá explicações para esse sugadouro do dinheiro dos contribuintes que é o alegado negócio dos terrenos da Feira Popular e de caminho se fazem as contas aos arrebatamentos do “Zé que faz falta” que estranhamente ninguém considerou populista mas sim um justiceiro?
Primeiro foram 29,5 milhões de euros de indemnização  por conta dos juros que a Bragaparques terá pago aos bancos onde aquela empresa contraíra um empréstimo de 101 milhões de euros para comprar os terrenos do Parque Mayer e da Feira Popular. A esta factura juntou-se em 2016  outra de 138 milhões de euros de mais uma indemnização  da CML à mesma Bragaparques por assuntos que tinham ficado pendentes no revogar por parte da CML das permutas dos referidos terrenos… E assim pode vir a acontecer que a Bragaparques somando indemnizações a indemnizações venha a ficar com os ditos terrenos da Feira Popular sem gastar um cêntimo. Tudo pago e oferecido pelos contribuintes sendo certo que já outras indemnizações se perfilam no horizonte!
Portanto, atochadinha de populismo, declaro que ou exigimos controlar o dinheiro que o Estado nos leva ou estamos rigorosamente tramados que é o mesmo que dizer sem capacidade de fazer a mínima poupança que nos permita enfrentar as crises, as despesas inerentes à velhice e as vicissitudes da vida. Dir-me-ão que os partidos cumprem esse papel quando discutem o Orçamento do Estado. Mesmo que tal fosse verdade e não é – espantosa declaração do dirigente do PSD que ao ser entrevistado pela Rádio  Renascença  responde que não se podia pronunciar sobre a Taxa Robles porque não a conhece suficientemente  – cabe perguntar se por acaso os professores prescindem dos respectivos sindicatos? E os enfermeiros? E os estivadores?… E a estes sindicatos temos ainda de somar as frentes comuns, as federações, as confederações, as uniões…  (tudo pago por quem?) De cada vez que um motorista do metro faz greve pelo menos três representantes de diversas estruturas sindicais vem dar conta da justeza das respectivas reivindicações.  Porque hão-de estar então os contribuintes sem quem os defenda? Sem alguém que se sente e fale por eles diante de cada político que anuncia mais um serviço gratuito?
Os contribuintes grevistas não podem ser obrigados a anunciar se estão ou não a pensar fazer greve e também não podem ser substituídos por outros que queiram pagar impostos. Nenhum contribuinte grevista pode ser prejudicado por ter feito greve aos impostos.
A grande batalha para já é o direito ao subtraído – “Por cada imposto adicional um imposto subtraído”. Passo a explicar: de cada vez que formos a um serviço público e não o conseguirmos utilizar porque está degradado (caso dos comboios), porque a carreira foi cortada (autocarros), porque só há vaga para dai a três meses (centros de saúde), porque a operação foi adiada para daqui a dois anos (hospitais)… o Estado emite-nos o respectivo subtraído. Ou seja a importância a descontar nos nossos impostos por termos pago um serviço público que não nos é prestado.
Todo este exercício do direito à greve por parte dos contribuinteS será necessariamente acompanhado pela exaltação do direito à greve. Os contribuintes grevistas não podem ser obrigados a anunciar se estão ou não a pensar fazer greve e também não podem ser substituídos por outros que queiram pagar impostos. Nenhum contribuinte grevista pode ser prejudicado por ter feito greve aos impostos.
Só quem ameaça com greves, piquetes na rua e faz directos indignados nos noticiários das 20h consegue alguma coisa. Os juízes fazem greve. Os professores fazem greve. Os polícias municipais fazem greve. Os trabalhadores dos transportes públicos às vezes não estão em greve. Os enfermeiros fazem greve e tão contentes estão com a greve que agora levam a cabo que nos anunciam como quem canta aleluias “Não é possível, se a greve durar até 31 de dezembro ou se se prolongar, reprogramar nos próximos anos estas cirurgias para o Serviço Nacional de Saúde (SNS) em tempo útil”… Na verdade, até já tivemos um governo que fez greve  Os únicos cidadãos que jamais faltaram ao que se espera e exige deles são os contribuintes.
Dir-me-ão que os militares e os polícias não podem fazer greve. É verdade mas não só os militares e os polícias têm estruturas que falam por eles como no caso dos polÍcias podem sempre os agentes constituir mais um sindicato, o que dadas as regalias usufruídas pelos sindicalistas nas forças policiais muito facilmente paralisa a corporação:  em Abril deste ano a PSP já contava com 16 sindicatos e 36 mil dias de folga para os dirigentes e três sindicatos têm mais dirigentes que filiados.
Já os contribuintes esses  não só estão mudos como a simples possibilidade de quererem pagar menos impostos é quase criminalizada. Para os manter silenciosos e ordeiros foi criada a única estrutura que efectivamente funciona no país: a Autoridade Tributária. As estradas caem, o interior arde e as armas desaparecem dos paióis… mas a Autoridade Tributária funciona sempre. Não há cataclismo natural, tragédia ou greve que suspendam a sua actividade. No caso da justiça temos até duas perspectivas antagónicas, caso se trata do contribuinte ou do cidadão: o cidadão pode acabar com a vida de um seu semelhante à vista de uma multidão mas ele será sempre considerado inocente até prova em contrário. Já com o contribuinte o caso é absolutamente inverso: primeiro  paga as multas, as coimas, as custas… e depois se for muito rico poderá contestar.
Obviamente o exercício do direito à greve pelos contribuintes será feito exactissimamente nos mesmos moldes que os praticados pelos outros grupos: os estivadores bloqueiam portos? Ora aqui também se bloquearão as repartições de Finanças sem esquecer o boicote ao portal das Finanças. Os enfermeiros podem seleccionar os blocos operatórios em que fazem greve e desse modo com um reduzido grupo de grevistas exponenciar os efeitos da greve? Pois também os contribuintes têm de poder escolher quais entre eles fazem greve: por exemplo, num ano serão os grandes contribuintes, no outro os pequenos, no outro os profissionais livres…
Para lá da contestação ao pagamento de impostos e da reivindicação do subtraído há que ter em conta a recuperação das carreiras dos contribuintes, o descongelamento da carreira dos contribuintes e a progressão na carreira de contribuinte. Tudo isto muito resumidamente se terá de traduzir na melhoria da condições de vida dos contribuintes ou seja em pagarem menos impostos pois o imposto está para o contribuinte como o salário e o horário para os trabalhadores: cada um reivindica o melhor para si — uns ganhar mais e trabalhar menos. Os outros pagar menos. Dirão que uma coisa não é compatível com a outra. É verdade e é esse precisamente o meu propósito: mostrar essa incompatibilidade.
É indispensável que se explique que a cada direito garantido corresponde mais despesa. A cada gratuito  mais impostos. A cada intervencionismo estatal maior necessidade de verba. A cada dar mais tirar. Falar assim é populismo? Talvez. E o que será prometer aquilo que não se sabe como se vai pagar?
Dois Comentários (entre 197)
carlos pinto: HR TEM UMA QUALIDADE EXCEPCIONAL : TRANSFORMAR O HABITUALMENTE DIFICIL EM OBVIAMENTE EVIDENTE. TRATA-SE DE EXPLICAR QUE TEMOS DIREITO A LEGÍTIMA DEFESA PERANTE A TOTAL INIQUIDADE,DESCARADAMENTE IMPOSTA POR ENTIDADES ABSTRACTAS  EM QUEM EVENTUALMENTE NEM SEQUER  VOTAMOS. PARABÉNS E QUE A FORÇA NÃO LHE FALTE.
Manuel Penhascoso: Só os que podem rir com sentimentos de impunidade podem fazer greve! As greves são formas de reclamação e de revindicação que na maioria dos casos usam terceiros indefesos que prejudicam gravemente. As greves são consequência das incapacidades da Justiça que os governos legalizam muito contrariados para se pavonearem de democratas!
II- FRANÇA
Três erros sobre a França dos coletes amarelos /premium
OBSERVADR, 4/12/2018
Os apelos do costume já não funcionam: nem o medo do “caos”, com que Macron tentou assustar os franceses; nem o medo do “fascismo”, com que as esquerdas se habituaram a inibir as direitas. E agora?
Em França, a revolução sai à rua; em Espanha, entrou, por enquanto, num parlamento regional. Os apelos do costume já não funcionam: nem o medo do “caos”, com que o presidente Macron tenta assustar os franceses; nem o medo do “fascismo”, com que as esquerdas até hoje se habituaram a inibir as direitas. Em Espanha, vamos talvez descobrir que “geringonças” há muitas; em França, que quando o poder se propõe pôr os cidadãos “em marcha”, os cidadãos às vezes marcham mesmo, mas não necessariamente segundo a vontade do poder.
Há três erros que podemos cometer em relação aos “coletes amarelos”. O primeiro é contemplar tudo como um problema simplesmente francês. Não é. A União Europeia é uma aliança franco-alemã. Para que possa haver UE, é necessário que a Alemanha e a França funcionem.  Há quinze anos, a Alemanha reformou-se para competir nos mercados globais. Não resolveu todos os seus problemas, mas resolveu alguns: tem excedentes e emprego. A França, pelo contrário, não fez reformas. É o país dos défices e do desemprego. A questão é saber se a Alemanha, onde a validade de Merkel expirou entretanto, está disposta a ser o Atlas que carrega o vizinho aos ombros. Nas ruas francesas, joga-se o destino da UE.
O segundo erro é pensar que se trata apenas do fracasso de Emmanuel Macron. Não é. Porque antes de um fracasso de Macron, ainda por confirmar, estão os fracassos já confirmados da direita gaullista, com Nicolas Sarkozy, e da esquerda socialista, com François Hollande. Desde os anos 90, qualquer reforma em França serviu apenas para os governos serem humilhados por protestos e motins. Daí a lenda do “país irreformável”. Entretanto, os grandes partidos de governo da V República, que já só sobreviviam chantageando o eleitorado com a ameaça dos Le Pen (ou nós, ou o “fascismo”), desapareceram. Em seu lugar, as elites aglomeraram-se à volta de um jovem que era suposto fazer as reformas sem o empecilho da velha dicotomia esquerda-direita. Um colapso do “macronismo” dificilmente significaria o regresso ao anterior sistema partidário. Comecem, à cautela, a imaginar o inimaginável.
O terceiro erro está na nossa economia de esforço interpretativo. Para explicar os coletes amarelos, preferiu-se em geral traduzir os contrastes americanos que, há dois anos, serviram para dar conta de Trump: os “deploráveis” contra as elites, o campo contra as  cidades, a tasca contra o Starbucks, o nativismo contra o cosmopolitismo, etc. Não digo que não haja alguma coisa disso, mas vale a pena desconfiar de qualquer análise que acabe em recomendações natalícias de “compreensão mútua”. O risco, neste caso, é perder de vista o que, numa revolta contra o preço dos combustíveis, é o problema: uma crise fiscal. Na década de 1990, já eram óbvios os desequilíbrios dos regimes sociais europeus. Mas acreditou-se que a “globalização” (que outros achavam ser o problema) poderia resolver a dificuldade, através da criação de riqueza nos mercados globais. Acontece que no caso francês (e em outros), esses mesmos desequilíbrios limitam a competitividade do país. A França enfrenta assim um paradoxo que Portugal e a Europa do sul conhecem bem: quanto menos dinâmica é a economia, mais castigada é a sociedade por impostos, porque os governos precisam de compensar as clientelas, e não há outra via senão o fisco e a dívida. Eis como duram os Estados europeus, navegando entre duas revoltas possíveis: a dos contribuintes e a dos dependentes.
Finalmente, poupemo-nos às analogias ignorantes com os anos 30. Estamos a passar pelo que parece ser o fim de uma época. O pior que podíamos fazer era olhar com os olhos de ontem.
Dois comentários (entre 115)
António Eliphis: A França está em #1 na Europa em termos de carga fiscal em percentagem do PIB, tendo ultrapassado todos os países nórdicos.
Mosava Ickx: Há uma coisa essencial que nunca está considerada: o percentagem entre a função pública e os trabalhadores do sector privado! O primeiro drama do estado social é a multiplicação desnecessária do sector público. Ali é que começa o problema! Há obviamente uma margem de manobra enorme para economias no sector, mas, mas... clientelas, meu caro.
O sector público em França, e não só, é um verdadeiro mil-folhas que multiplica os "empregos" inúteis. E, outro pormenor, acabei de ler um estudo que demonstra que em cada 100€ que o trabalhador francês paga "imposto ecológico", apenas 5 (cinco) estão realmente usados em prol do ambiente... O resto paga a FP. O que não impediu a França, apesar do tratado de Paris, de aumentar em 6% o nível admissível de CO2 emitido. E o Trump é o idiota? Há um limite para tudo, até para brincar com o povo, pelo menos em alguns países da UE, há.

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