Na revista E de 8/12 vem uma análise bem expressiva, feita
por Luciana Leiderfarb, de George Orwell e o seu «1984» – “O
LIVRO DE UM FIM”, cuja epígrafe transcrevo, na decepção de não poder
guardar o texto todo:
«Em 1948,
na ilha escocesa de Jura, George Orwell pôs o ponto final na obra que lhe ocupou
os últimos sopros de vida. E «1984» nascia
para marcar o mundo para sempre. Poucas obras foram tão faladas, comentadas e
criticadas, recriadas, temidas e admiradas como esta. Porque poucas conseguiram
dissecar o totalitarismo de um modo tão assustador e eficaz.»
Um livro que enregela os
ossos, na hipótese macabra de criação de sociedades como a descrita, de
controle absoluto e absurdo dos seres humanos, até mesmo nas suas relações de
amor. É a desintegração da espécie, pelo menos a não manipulável, que sabe
reflectir e desejaria seguir parâmetros de liberdade. Já “O Processo” de Kafka fora
um livro bem sinistro que incomodava, nesses moldes de manipulação totalitária,
que apanhava os homens nas suas malhas infernais, de um poder ilimitado e criminoso.
Vemos esse mundo na distância
da História e na distância geográfica, hoje em países do oriente, governados
por uma geometria de rigor - bonito de se ver e assustador de se viver. Não
assim por cá, no nosso caos desordeiro, de pobreza espiritual até perceptível
nos comentários indecorosos, que o artigo de AG motivou, que bem confirmam o pessimismo crítico deste, a
respeito do nosso país. Vilezas absolutamente latrinárias de inomináveis e
desprezíveis diálogos obscenos, em ficção comentarista, que bem denunciam os
tais atributos de menoridade mental de tantos portugueses, Dâmasos Salcedes da
sabujice bajuladora, caso daquele por quem AG foi despedido da revista Sábado,
onde trabalhava.
O
certo é que a estes não sucede mal algum, somos democratas, cristãos ou menos,
nenhuma mesa censória ou big brother fiscalizador nos impede de conspurcarmos o
espaço de uma escrita virtual em que somos reis, e sem vergonha. No caso de Winston Smith,
o protagonista de 1984, ele
será filado pelo partido, em que, aliás, trabalha, mas que odeia,
infeliz para sempre. Somos, pelo contrário, um povo feliz, livre como as
gaivotas em busca de alimento, ainda que seja em lixeiras.
Portugal é uma notícia falsa /premium
OBSERVADOR, 29/12/2018
Se, conforme proclama o Indicador
Supremo da Felicidade, os portugueses gastaram mais dinheiro no Natal, não é
virtude de Costa, mas defeito dos portugueses. E todos sabem que não nos restam
muitos.
Foi a 1 de Abril de 2017, salvo o erro, que recebi o telefonema do
sujeito. Eu estava no aeroporto de Orlando, a ver uma pequena tempestade
cancelar sucessivos voos para Nova Iorque, e conhecia o sujeito de nome.
Dias antes, o sujeito chegara a director, sob ordens do director de facto, da
revista para a qual eu escrevia há 13 anos. O telefonema começou com
cumprimentos efusivos e terminou, um minuto depois, com o meu afastamento da
tal revista. Por isto e por aquilo, não fiquei espantado, ou demasiado
aborrecido. Além de ser escusado, não me ocorreu queixar-me, ou questionar o
direito de empregadores, sejam proprietários ou capatazes, despacharem
empregados, sejam avençados ou “fixos”. Apenas me ocorreu responder ao funcionário
da Delta Airlines que entretanto me chamara e, finalmente, apanhar um avião.
Houve nuvens negras durante toda a viagem, mas pairavam lá em baixo. Não voltei
a pensar no sujeito, e só ocasionalmente voltei a pensar nas consequências do
meu breve contacto com ele. A vida, ou lá o que é, continua.
E continuou até 27 de Dezembro de 2018, quando pela primeira vez o
Facebook me mostrou a ligação para um artigo do sujeito, publicado nesse dia no
site da referida revista. Segui a ligação. Li o artigo. Cito pedaços: “António Costa vai entrar em 2019 com condições
políticas invejáveis. Pode ser um ano de sonho. Termina a legislatura com uma
popularidade imbatível, pode ganhar as eleições com maioria absoluta ou, no
cenário menos bom, escolher o parceiro que quiser para uma nova geringonça.”;
“A economia permanece numa trajectória
de recuperação e os portugueses, como se tem visto nesta quadra natalícia,
andam tão felizes nas compras que não nutrem qualquer simpatia pelas profissões
que protestam por via da greve”; “(…) a já lendária lucidez de António Costa (…)”.
O artigo, cuja parte disponível citei quase na íntegra, não terminava aqui:
o resto era reservado a assinantes, coisa que não sou.
Sou, porém, um maluquinho por contemplar as figuras a que alguns se
prestam para ganhar o pão de cada dia. Pelo que decidi procurar artigos
anteriores do sujeito, que jamais lera. Valeu a pena, e vale a pena insistir
nas citações: “António Costa vai acelerar para o seu grande
objectivo que é ganhar com maioria absoluta. Por isso, fez uma operação de
remodelação e gestão política quase perfeita.”; “Costa afinou a máquina e ela
promete ser diabólica na corrida até à meta. Remodelou a tempo para ganhar a
sério.”; “(…) o pragmatismo e instinto político de António Costa (…)”; “Os bons
resultados da geringonça são de António Costa e do PS”; “A vida de António
Costa está cada vez mais fácil. O primeiro-ministro é o pêndulo essencial da
política de alianças governativas à esquerda e à direita (…)”; “O
primeiro-ministro sabe que, acidentes de percurso à parte, (…) o vento sopra a
seu favor. Os portugueses já acabaram 2017 com mais dinheiro no bolso – que bem
se viu nas compras de Natal – e vão continuar esse efeito em 2018.”; “Costa
cometeu uns erros, disse uns disparates!? É certo que não foi um exemplo de
sensibilidade política e social, em certos momentos. Mas é o timoneiro, tem uma
enorme popularidade e é reconhecido como o homem certo no lugar certo. Enquanto
as contas andarem bem, ninguém o derruba do poleiro. (…) Nas contas, não há
político mais realista do que ele…”. Etc. Etc. Etc.
Não identifico o sujeito porque
não é preciso e porque não quero personalizar um “estilo” que, na pobreza da
linguagem e na curvatura das vértebras, é afinal colectivo e praticamente o
padrão-ouro dos comentadores pátrios.
O facto de dormirem sossegados é
um rombo na indústria dos ansiolíticos. A fim de simular isenção, salpicam pelos comentários críticas a
ministros fugazes, lamentam determinadas decisões governamentais ou a falta
delas, desancam no “eng.” Sócrates sempre que as directivas mandam, brincam com
o ocasional (e raríssimo e humano e perdoável) “deslize” do primeiro-ministro
para legitimar (eles, coitados, dizem “credibilizar”) o resultado pretendido: a descarada propaganda do dr. Costa e dos
poderes que o dr. Costa representa. É fascinante a jovialidade com que se eleva
a um estatuto próximo do génio político alguém que, sob qualquer perspectiva,
não passa de uma irrelevância manhosa. Removido o verniz que os seus
bajuladores inventaram, quem é o dr. Costa? No máximo, um veterano da pequena intriga
partidária, um especialista em tropeçar na verdade e na gramática, um
videirinho descarado, um rústico sem noção, o chefe oportuno de um bando
repulsivo à vista e à decência. Ou, na ponderada definição dos devotos, “o
timoneiro”.
Diga-se que o estado da nação é exactamente o que se esperaria após
três anos nas mãos de um timoneiro assim, e o contraponto (tosse prolongada) de
uma oposição assado. A bancarrota,
já uma tradição popular, volta a espreitar. Estradas, hospitais, justiça,
instituições, fronteiras, soberanias desmantelam-se a céu aberto. A forma do
debate público raia a demência, e o conteúdo fintou a demência há tempos. As
clientelas empanturram-se. As trapaças sucedem-se. O fisco sufoca tudo.
Protestos de duas dúzias são ameaçados por jagunços e vigiados por batalhões.
Fanáticos e burlões sobem a “personalidades”. O ranço veste-se de progresso. Os
vestígios da civilidade fugiram apavorados. E este retrato de uma agonia certa
é retocado pelos “media” de serviço de modo a assemelhar-se a um caso de
sucesso (juro). Numa imitação fiel da lengalenga oficial e oficiosa, também nos
“media” a mentira deixou de ser um recurso para se tornar o processo. Uns e
outros presumem a profunda idiotia dos cidadãos. E a maioria dos cidadãos,
alheia ao colapso do país e da Europa que segura o país, tende a dar-lhes
razão.
Se, conforme proclama o
Indicador Supremo da Felicidade, os portugueses gastaram mais dinheiro no
Natal, não é virtude de Costa, mas defeito dos portugueses. E um suspiro: todos
sabem que não nos restam muitos, embora ninguém queira saber. Enquanto lá fora
as “fake news” são uma praga, aqui são um bálsamo. Tenho saudades de
aeroportos.
Alguns entre os 383 COMENTÁRIOS
Passos, O senhor 24% > Antonio Fonseca: Com
excepção da Irlanda - cujo PIB artificialmente empolado por razões que seria
fastidioso abordar aqui, faz baixar a carga fiscal - os países europeus com os
quais nos devemos pretender comparar, têm taxas de carga fiscal muito
superiores ou superiores à nossa. Exemplos: Luxemburgo, França, Dinamarca,
Suécia, Finlândia ou Bélgica.
Liberal Impenitente > Passos, O senhor 24%: Não nos devemos pretender comparar com países que
produzem o dobro ou o triplo por habitante daquilo que produz um português. É
esta soberba do guterrismo que é imperdoável: em vez de "vamos brincar aos
pobrezinhos", é "vamos fazer de conta que somos ricos".
António Monteiro: Caro Alberto
Gonçalves, Gente, como esse senhor de quem transcreve partes de artigos, sem
saber se no meu tempo de quarta classe, passariam na prova de redacção, conheci
às dezenas ao longo dos meus quarenta anos de trabalho. Falta-lhes a coluna
vertebral que nos mantém de pé e de cabeça levantada, transformando-se assim em
autênticas marionetes que dançam ao sabor dos seus interesses particulares,
curvando-se a qualquer ser que pense poder ser-lhe útil. Ficam normalmente com
o olhar toldado para verem o que não existe e não ver com clareza as verdades
que se deparam à sua frente. Tornam-se malabaristas de circo, já que daqui a
algum tempo vêm dizer exactamente o contrário se lhe for de interesse. Os
Radiohead têm uma canção para esse tipo de gente “Creep” (verme) Aprendi na
vida que os devemos olhar como se fossem transparentes, por mais opacos que
sejam.
Carlos Monteiro: Num país
onde a informação é por demais subserviente perante o poder, o Observador (como
já afirmei noutro comentário) é uma pedrada no charco. Este artigo de A.
Gonçalves é elucidativo da forma como alguns sem pudor chegam a parecer mais
papistas que o Papa. Foi noticiado que Sócrates pagava a «blogs» para o
elogiar, não sabemos o que se passa agora, mas uma coisa é certa, seja por
dinheiro ou por amor, a bajulação chega a ser ridícula. A anestesia do
povo, pode ao acordar, ser muito dolorosa.
José Ramos: Excelente
retrato de alguns filhos da pátria - infelizmente muitos - representados por
uma personagem que se arrasta, pelo menos desde o séc. XIX, e que vai deixando
a sua espessa baba gastropódica e bajulatória transformar o país num sítio
particularmente viscoso. A personagem, a lesma em questão, que ao contrário do
que se acha está longe de ser "chic a valer", é a queirosiana figura
de Dâmaso Salcede, um peralvilho gorducho, estúpido e covarde que vai deixando
escorrer muco e ridículo através de Os Maias. Parece que, um século e tal
depois, alterou o nome de família (que ele, por covardia, declarava como
"bêbada") para Salsábado...
José Carlos Lourenço: Alberto
Gonçalves desenha o retrato fiel, rigoroso e destemido deste pindérico cantinho
(em termos morais e materiais) liderado pelo "chefe oportuno de um bando
repulsivo à vista e à decência". A manhosice, chico-espertice,
inveja ressentida, ignorância funcional, são características idiossincráticas
tugas incrementadas e potenciadas por um videirinho manhoso vendedor de banha
da cobra, que antes de preparar o assalto ao poder foi um reconhecido e
inquestionável devoto e admirador do maior "suposto" corrupto e
aldrabão que liderou o país no caminho da última bancarrota.
As
picadas e mordedelas dos apaniguados geringonceiros são o atestado da validade
e oportunidade desta crónica.
Miguel Fernandes: Retrato
demolidor da situação em que vive Portugal e sobre o pântano nauseabundo em que
tudo isto se tornou. Os caciques suceder-se-ão para criar o "ruído"
necessário para bajular o timoneiro. Vivemos tempos absurdos. O meu obrigado ao
autor.
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