Concordo que, como a velhice se estende por largos anos (felizmente –
ou não…), as reformas não deviam implicar o mesmo nível de “aditamento pecuniário anual” dos que
estão no activo, que naturalmente precisam de enfrentar muito mais
responsabilidades nas suas vidas em crescendo. Mas nem isso seria suficiente
para resolver o problema da ineficiência financeira trágica da parte do Estado,
em que, conjuntamente com a longevidade dos velhos, o problema da diminuição da
natalidade implica tal incapacidade. Há muito que assim penso, sentindo esse meu
peso de velha reformada sobre os que trabalham para “ganhar a vida” e em função,
é certo, de alcançar também as suas reformas, como fizeram os velhos, hoje mais
pesados do que nunca. Uma reforma das reformas talvez fosse uma situação a
estudar.
A síndrome de Estocolmo do
eleitorado português
Numa altura em que o debate deveria
visar reformas profundas em tantos domínios, vemos inércia de parte dos
partidos e adesão a políticas antiquadas de parte do eleitorado.
RODRIGO ADÃO DA
FONSECA Colunista
OBSERVADOR, 20 fev. 2024, 00:169
Nos
últimos anos, o mundo assistiu a transformações profundas. Estas mudanças
redefiniram as necessidades e expectativas das sociedades modernas, exigindo ao
poder político novas respostas. Contudo, a maioria dos partidos, na presente
campanha eleitoral, revela uma terrível inércia. Predominam, ainda, propostas preguiçosas e
superficiais ancoradas em pressupostos de um tempo que já passou, ignorando as
dinâmicas e desafios do presente.
Ao nível da saúde, por exemplo, continuamos ideologicamente
agarrados à ideia de que há uma superioridade moral num sistema gerido pelo
Estado, demonizando os privados. Tal
ignora, porém, que a medicina, hoje, é cada vez mais tecnológica e
especializada, desafiando a noção tradicional de saúde pública. Os
sistemas de saúde estão hoje interligados com prestadores de serviços privados,
fornecedores de tecnologia e farmacêuticas que estão a alterar
significativamente, uma medicina que tinha o médico no centro, para uma oferta
complexa e diversificada. Os novos paradigmas vieram ainda tornar
obsoletos os próprios modelos de carreira de médicos e enfermeiros, que cada
vez mais valorizam não apenas aspectos como a remuneração
e a estabilidade contractual, mas sobretudo a possibilidade de estarem
perto de quem domina o conhecimento e a inovação. Os
profissionais de saúde querem poder equilibrar prestação de cuidados com
investigação e proximidade a quem tem o controle da tecnologia e da
farmacologia. Os profissionais querem poder circular entre “público”
e “privado”, porque para a larga maioria deles esta dicotomia há muito que não
faz sentido, não sendo acompanhados pelo poder político nas suas aspirações.
É,
portanto, paradoxal ver que o poder político ainda vende a ilusão da
supremacia moral da prestação “pública” gerida pelo Estado, totalmente
dependente de prestadores e fornecedores privados, conhecidas, como se sabem,
as limitações estruturais que o sector público tem na hora de gerir com
eficiência e antecipar necessidades.
A saúde não deixa de ser pública se o
Estado se focar apenas naquilo que pode fazer melhor, que é assegurar a
equidade no financiamento e as regras de acesso aos cuidados de saúde, tarefa
fundamental num país onde, paradoxalmente, a gestão pública tem sido, na
prática, factor de ineficiência e de negação de cuidados a muitos portugueses. Libertar a gestão da ineficiência pública
para quem possa, de facto, organizar a oferta com eficiência, foi algo que,
aliás, esteve na agenda dos governos de Guterres, Durão, Santana, Sócrates e
Passos, e que nos últimos 8 anos por birra ideológica as governações de António Costa decidiram dar um passo
atrás, com os resultados que são por demais visíveis.
O
mesmo se pode dizer do sistema de previdência
e reformas, pilares
fundamentais do contrato social nos países desenvolvidos, e que visam assegurar
uma velhice digna para todos os cidadãos. É já um chavão gasto dizer que
o sistema de previdência tradicional foi concebido numa era em que a pirâmide
demográfica assegurava uma base ampla de contribuintes activos para suportar os
benefícios dos reformados, mas que o aumento da esperança média de vida e a
diminuição das taxas de natalidade inverteram esta dinâmica, criando um cenário
onde um número cada vez menor de trabalhadores suporta um número crescente de
pensionistas. Apesar
de ser já sabido que tal inversão é irreversível, pouco ou nada se tem feito
para alterar os pressupostos da Previdência, criando injustiças gravíssimas no plano
intergeracional, onde os
reformados actuais beneficiam de reformas não capitalizadas com taxas de
substituição elevadas, enquanto empurram os mais novos para reformas
potencialmente muito mais baixas, apesar das taxas de esforço serem idênticas
ou até superiores. Este desequilíbrio geracional tem vindo a agravar-se, com a
mobilidade internacional que os mais novos desejam ou precisam, algo que
desafia a lógica de carreiras contributivas longas e contínuas dentro de um
único sistema nacional.
Ora, numa altura em que o debate deveria ser o de reformar
profundamente a Previdência, abrindo espaço para um sistema dual onde os mais
novos pudessem começar a acautelar o seu futuro de acordo com as exigências de
uma vida muito distinta daquela que levou à previdência tradicional, a única
coisa que assistimos é a um leilão irrealista de propostas financeiramente
ruinosas, destinadas a seduzir o voto dos mais idosos. São
vários os modelos que poderíamos estar a colocar em cima da mesa, mais liberais ou mais proteccionistas, mas nenhum partido teve a
coragem de introduzir este tema, tão importante para o futuro dos jovens, na
presente campanha. Neste particular, é irónico que o partido cujas propostas em
matéria de reformas mais penaliza os mais novos – o Chega – tenha tanta
simpatia por parte dos eleitores entre os 18 e os 34 anos.
Outros
casos poderíamos analisar onde se vislumbra uma assustadora
desconexão entre as políticas propostas e as realidades actuais. Todos eles, no seu conjunto, revelam algo próximo daquilo
que na psicologia se define ser a “síndrome
de Estocolmo” um
fenómeno em que pessoas em situação de cativeiro desenvolvem laços afectivos ou
sentimentos positivos em relação aos seus sequestradores, muitas vezes contra
os próprios interesses ou segurança pessoal. Só assim se compreende como há, ainda, tanta
resistência à mudança por parte do eleitorado, que com o seu voto mantém
lealdade ou adesão emocional a políticas públicas antiquadas, mesmo quando
todas as evidências racionais exibem à saciedade que grande parte do que é hoje
oferecido serve mal os seus interesses e da comunidade. Como rompemos
com este ciclo de dependência é um mistério que nenhum político em Portugal
soube desvendar ou teve coragem de verbalizar, algo que será, no final, a razão
fundamental do nosso atraso permanente.
POLÍTICA PARTIDOS E
MOVIMENTOS SOCIEDADE
COMENTÁRIOS (de 9)
bento guerra: "O povo é sereno" e tem agora uma novidade, o que é
acontecimento raro, nesta sociedade inerte e retrógrada.
Carlos Chaves: Caro Rodrigo Adão da Fonseca, excelente esta sua análise! Sem dúvida a
fazer fé nas sondagens, o que já de si pode revelar alguma doença, a “síndrome
de Estocolmo” colectiva, é uma boa explicação para os Portugueses continuarem a
votar em quem lhes faz mal e com provas dadas! Resta-nos a esperança que esta
terrível síndrome, tem cura!
Nuno Alves: Não é de esperar muito mais quando o grupo social dominante são os
reformados.
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