Para Abril festejar, em paralelo, os seus 50, com a adjectivação triunfalista
adequada. E aproveitemos para revisitar a HISTÓRIA do nosso esquecimento, no
discurso engenhoso e sábio do Dr. JNP, para podermos comemorar, com a autoridade do saber e com espírito de real justiça, a verdade dos factos.
Repitamos:
«A
Primeira República só durou uns imberbes dezasseis anos: não
há-de Abril comemorar os seus maduros cinquenta
anos?»
«E
foi a Ditadura
Militar, de 1926 a 1933.
Só durou sete anos: não há-de Abril
festejar os seus democráticos
cinquenta anos?»
«Durara
41 anos (O Estado Novo): não há-de Abril festejar os seus vitoriosos cinquenta anos?»
A longa madrugada
A onda comemorativa do 50º
aniversário de Abril já está em marcha. E não é para menos: dos regimes
precedentes, só a monarquia liberal atingiu semelhante longevidade.
JAIME NOGUEIRA PINTO Colunista do Observador
OBSERVADOR, 24 fev. 2024, 00:1822
Ainda que até o crème de la crème das
nossas (por vezes indestrinçáveis) indústrias de intelligentsia e entertainment nos
assegure que esta Terceira
República está longe de nos oferecer o “país das maravilhas” que a revolução
nos prometeu, a onda comemorativa do 50º aniversário de Abril já está em
marcha. E não é para menos: dos regimes precedentes, só a monarquia
liberal atingiu semelhante longevidade.
Nascida
da revolução de 1820 e da Constituição de 1822, só com a vitória de D. Pedro na
guerra civil, em 1834, vencida a resistência tradicionalista e popular, pôde a
monarquia liberal estabelecer-se de vez. E em 1884, quando estava prestes a
fazer meio século, já estava em crise. Os
intelectuais e pensadores do tempo, como Herculano (que
morrera em 1877) ou Oliveira
Martins, tinham
feito o processo crítico da monarquia liberal, do liberalismo convulso ao
rotativismo. Ora diziam mal das oligarquias dominantes, com uma
nostalgia subtil de outros tempos e de outras dinastias (como o medievalismo democrático do exilado de Vale de Lobos), ora estendiam uma velada passadeira de
encorajamento à revolução popular republicana. O próprio Eça de Queirós, o maior novelista português da época e
talvez de sempre, deixou este processo crítico imortalizado nas figuras
secundárias dos seus romances – o
Conselheiro Acácio, o conde de Gouvarinho, Dâmaso Salcede, Palma Cavalão. Houve, entretanto, um episódio que os
marcou a todos e os trouxe do encanto por uma Europa avançada – mais
afrancesado nuns, mais anglicizado noutros, mais germanófilo nos mais
filosofantes Antero e Oliveira Martins – para os encantos patrióticos de um
Portugal acossado. O Ultimato e a humilhação daí recorrente tiveram uma influência
decisiva na fase final das obras desta elite de “Vencidos da Vida”.
Assim, o final do século XIX
português é marcado pelo pessimismo do magnífico Portugal Contemporâneo de
Oliveira Martins. Este pessimismo ou “vencidismo” da Geração de
Setenta vinha de um núcleo duro pensante, crítico, conhecedor das ideias da
Europa e do mundo, e da realidade portuguesa. Gente que marcou o seu tempo e o
transcendeu.
O triunfo da República
Os republicanos foram buscar à
humilhação do Ultimato força e popularidade, culpando a dinastia – os Bragança
– pela aceitação do Diktaat de Lord Salisbury. Não era bem assim, mas
passava a ser.
Já
dez anos antes, em 1880, os mesmos republicanos, pela mão de Teófilo Braga, se
tinham apropriado do terceiro centenário da morte de Camões, arrasando a
monarquia e a dinastia a pretexto das celebrações da morte do poeta, a 10 de
Junho.
Nesse tempo, esse Portugal em crise via as vitoriosas campanhas dos “Africanos” em
Moçambique, evocadas em cima do acontecimento, em 1898, por António Enes,
em A Guerra de África em 1895 – Memórias. Era
como que uma redenção da pátria no império ameaçado, por conta do que na
Metrópole se passava.
A Primeira República nasceu deste clima negativo
para a dinastia e do oportuno assassinato do Rei D. Carlos que, com João
Franco, abrira um caminho de possível salvação do regime num modelo autoritário
e popular. Chegados ao poder, os democráticos de Afonso Costa, muito na linha
dos anticlericais franceses, perseguiram a Igreja e os monárquicos. E nem os
republicanos conservadores e moderados escaparam.
O
regime impregnou-se daquele palavroso fanatismo dos defensores das “boas causas” – das
grandes causas da Humanidade, da Razão, da Ciência e do
Progresso –, e daquela sanha destrutiva contra todos
os que ou não perfilhavam ou obstaculizavam a imposição de tão nobres
princípios. Deste
modo, além de cultivarem um belicismo cruzadista, levando o Corpo
Expedicionário Português para a Flandres, persistiram no monopólio do poder,
trabalhando as leis eleitorais e corrigindo pela violência das milícias partidárias
o que não lhes saía bem nas urnas.
Mataram
Sidónio Pais, como tinham assassinado D. Carlos, não hesitando no recurso a
“formas superiores de luta” sempre que estava em jogo o seu poder. Como os inquisidores queimavam os corpos
para salvar as almas dos perdidos, assim também as esquerdas iluminadas,
convencidas de que estavam a salvar o mundo, destruíam alegremente quem se lhes
opunha. A Primeira República só durou uns imberbes dezasseis anos: não há-de Abril comemorar os seus maduros
cinquenta anos?
A Ditadura Militar e o Estado Novo
E
veio o 28 de Maio de 1926, pela mão de capitães e tenentes medalhados da
Flandres, com o general Gomes da Costa arrastado por um punhado de civis a
caucionar o movimento de Braga. Movimento que, de Braga, e em
progressiva marcha de adesão através das províncias, chegou a Lisboa sem
resistência que se visse, onde entrou em princípios de Junho, entre um grande
consenso nacional, que ia dos monárquicos integralistas aos activistas
sindicais. Todos contra os
“democráticos” de Afonso
Costa e António Maria da Silva, o persistente e resistente centrão esquerdizado
da altura.
Assim, por eles e com eles, a República caiu ainda antes de celebrar
o 16º aniversário.
E foi a Ditadura Militar, de
1926 a 1933. Só durou sete anos: não há-de Abril festejar os seus democráticos cinquenta anos?
Depois, por pensamento e
determinação de António de Oliveira Salazar, a Constituição de 1933 inaugurou o
Estado Novo. Foi um regime ao modo do tempo, quando a democracia
liberal estava em crise na Europa e em Portugal dera más provas – até
porque não fora muito democrática (votava 7% da população) e, muito menos,
liberal. Daí veio um regime nacional-conservador no conteúdo e autoritário na
forma.
O
regime, com a ordem nas ruas assegurada, com o problema das Finanças resolvido
por Salazar, esteve activo na política internacional da época: ajudou Franco a
conter a Frente Popular e a vencer a Guerra Civil de Espanha e teve uma
política de neutralidade colaborante com os Aliados, a partir de 1943.
Sobreviveu, por isso, à vaga “antifascista” de 1945 (americanos e ingleses
viram que, por cá, a Esquerda era intelectual e existencialmente dependente dos
comunistas). Também
por isso, Portugal foi fundador da NATO em 1949 e participante de pleno direito
na Europa da EFTA e na “comunidade internacional” até ao início da guerra de
África em 1961.
Internamente, a partir dos anos
cinquenta, houve um importante programa de industrialização e obras públicas e
grandes progressos no combate ao analfabetismo que, na Primeira República,
atingia 75% da população.
Mas
o regime perdera já a batalha ideológica, como era expectável no clima
político-cultural da Europa Ocidental. À medida que se apagavam nas gerações as
memórias da “balburdia sanguinolenta” da Primeira República, chegavam da Europa
e da América, apesar da Censura, os livros, as revistas, os jornais, os filmes
que mudavam as cabeças. As eleições presidenciais de 1958 mostraram isso mesmo
e a mudança nos meios católicos, a partir de João XXIII, foi também decisiva
nas novas gerações.
Curiosamente, a Guerra de África, em
1961, não só recuperou apoio nacional e popular para o regime, como lhe valeu
alguma lealdade nas novas gerações, que o associaram ao ideal de um Portugal
ultramarino pluricontinental e plurirracial.
Só que a guerra que ajudara a
prolongar o regime seria também uma das causas do seu fim. Exótico numa Europa
democrática e liberal, o regime do Estado Novo fora feito à medida, nas ideias
e no modo de gerir o poder, por Salazar e para Salazar. Era difícil
sobreviver-lhe. E não sobreviveu. Durara 41 anos: não há-de Abril
festejar os seus vitoriosos 50 anos?
O início dos festejos
Os que agora comemoram, alvoroçados,
o golpe militar de Abril, festejam, justamente, o triunfo da Democracia… O facto de, até ao 25 de Novembro, os presos políticos
do COPCON ultrapassarem em número os presos políticos do Estado Novo em 74,
enquanto comunistas e maoistas tomavam conta da rua, são minudências que não
contam para o saldo democrático; as longas guerras civis em Angola e Moçambique
a que a Descolonização daria origem são irrelevantes pecados de juventude;
já o estado actual dos outros dois Dês de Abril, Democracia e
Desenvolvimento, são os episódios de pré-senilidade de quem, há tantos anos,
carrega aos ombros tão amplas liberdades e conquistas. Com tudo
isto, não há-de Abril festejar os seus exemplares
cinquenta anos?
COMENTÁRIOS (de 22)
Américo
Silva: Em Abril
Portugal entregou-se ao estrangeiro, enquanto estiver em conformidade com o
dono não há sobressaltos de maior, por muito que berrem polícias e rosnem
militares. Ainda bem. GateKeeper: Caro Jaime, a
sua descrição é brilhante e será muito fácil concluír que, de facto, o nosso
futuro e o dos nossos filhos e netos se jogará ( ou não, mais um vez) no dia
11-03-2024. A "queda d'um anjo" parece-lhe, concerteza, muito actual,
nos miseráveis dias que correm. Eu e muitos dos meus amigos e familiares
continuaremos a festejar outra data, o 25 de Novembro. O "25 d'abril
"já deu o que tinha a dar". Maria Emília Santos Santos: Realmente,
se Abril é isto que temos tido, então bolas para ele! Possibilidades de roubar aos grande que estão no poder
e de permitirem que os amigos o façam também, que desgracem a classe média, que
promovam os contra valores, a corrupção, a selvajaria, o ódio, a vingança, o
terrorismo, os sem abrigo, etc. Se isto é melhor do que o antigo regime,
então... Carlos Chaves: Magnífico
texto para abrir o fim-de-semana! Já não peço que se afixe em espaço público o
texto integral, mas a magistral conclusão devia fazer parte da abertura de
todos os telejornais, de cada vez que se fale do 25 de Abril! Meio Vazio: Que coceira tão magistral lição (mais uma) não
desencadeará nos académicos de serviço à "propaganda"?!...
GateKeeper > Américo Silva: Muito útil esta "visão" do troll xuxú. Assim
percebe-se ainda melhor a origem dos danos que a vara esquerdalha nos
"ofereceu" durante 70% do tempo desta 3a rep. que morre no forno a
180°c. Maria Melo: Eu não consigo
festejar o 25 de Abril, vendo a situação em que se encontra o país e tudo o que
foi feito pelos políticos. Acho que o que se pensava que traria o 25 de Abril foi
completamente adulterado. E, por vezes, tenho até saudades do respeito e
honestidade, os princípios que existiam nos anos 50 e 60, quando eu era jovem. Maria Nunes: Excelente
artigo. O 25 de Abril é uma desilusão. Viva o 25 de Novembro 1975. Tim do Á >
Américo Silva: Portugal é irrelevante, já não existe, a não ser para o
futebol. Morreu em 74. Rosa Silvestre:
Mais
um artigo que nos deixa a pensar e com um amargo de boca.
Nenhum comentário:
Postar um comentário