Para as velhas questões em que há muito
mergulhamos, tratadas por Helena
Garrido, com as sua habitual seriedade e clareza de
pensamento, acrescidas dos temores da guerra, exigentes de novas políticas de
militarização, num mundo a ruir.
Uma campanha alegre sem ver o Mundo
Nesta campanha eleitoral há temas
urgentes, como a habitação ou a saúde. Mas há perigos no horizonte que têm sido
esquecidos. Como os efeitos nas nossas vidas de um Mundo em mudança.
HELENA GARRIDO Colunista
OBSERVADOR, 27 fev. 2024, 00:2021
Esta é uma campanha eleitoral em que, os protagonistas políticos com
a possibilidade de assumirem responsabilidades governativas, deveriam ter um
especial cuidado com os compromissos que assumem. O
tema mais esquecido até agora é aquele que poderá condicionar mais o nosso
futuro e especialmente o modelo de sociedade europeu, o generoso Estado Social. E, com
isso, deitar por terra algumas das promessas de aumento do rendimento por via
de redução de impostos ou aumento dos apoios sociais. Os países da União Europeia e, com eles,
Portugal, terão inevitavelmente de gastar mais dinheiro na Defesa.
A dramática escolha entre
“canhões ou manteiga”, que conhecemos dos manuais de economia – e que serviu de
título a esta newsletter de
Teresa de Sousa – é um sério risco, com a manteiga a ser o
nosso modelo de sociedade. E quando um contrato social se quebra, as
consequências podem ser terríveis. Se não formos apanhados pela guerra podemos
ser desestabilizados por via da revolta dos cidadãos, por não se ter explicado
que se está a tentar garantir a paz com mais dinheiro para a Defesa e menos
para as funções sociais. O que será seguramente aproveitado pelos movimentos
populistas em crescimento na Europa.
Quem ouviu ou leu o que disse
Donald Trump, que poderá ser o próximo presidente dos Estados
Unidos, sabe bem que é inevitável investir mais na Defesa. Quem está atento às informações
que chegam de Moscovo também sabe bem que a Europa terá de
investir mais em Defesa. Onde se vai buscar o dinheiro? Não há
milagres nesta matéria, ou há mais impostos, ou cortes em despesas ou mais
dívida, e lá se vai o excedente o orçamental ou as regras orçamentais
europeias. (Vale a pena ler ‘Europe is caught between Putin and Trump’ da The
Economist).
Prometer aos eleitores descidas de
impostos, aumentos salariais, de pensões e de apoios sem os alertar para os
desafios que estamos a enfrentar é a receita para uma ainda maior
descredibilização da classe política caso se venham a verificar os piores
cenários que existem para a Europa – e que nem sequer são os mais improváveis. É preciso alertar as pessoas para o risco
elevado de termos encerrado um ciclo de paz e prosperidade, que se pode dizer
que iniciou no pós II Guerra Mundial, na segunda metade dos anos 40 do século
XX. Ignorar este problema é um enorme risco.
O Estado Social europeu pode estar
seriamente ameaçado não apenas por causa da guerra, mas também pelo
envelhecimento da população que é um problema para o sistema de pensões, mas
igualmente para a prestação de cuidados de Saúde. É preciso ter a coragem de
dizer aos portugueses que o Estado Social tem de ser revisitado com seriedade,
não para reduzir apoios a quem mais precisa, mas para que essa rede seja mais
dirigida e especialmente mais eficaz. No combate à pobreza é preciso estar mais focado em políticas que
garantam o elevador social. E nas pensões tem de se alertar para o risco de
deixarem de ser tão generosas. Andamos felizes com as contribuições dos
imigrantes, mas nada nos garante que tenham vindo para ficar.
A
solução para todos estes problemas, incluindo o combate pela Paz na Europa,
passa obviamente pelo crescimento. Mas aqui
temos de deixar de olhar para a quantidade do crescimento – em si pequeno – e
dar prioridade à qualidade, a um crescimento menos apoiado no turismo, sector de salários
baixos, e mais alimentado em sectores de maior valor acrescentado.
A mudança que está a ocorrer no mundo
abre a oportunidade de ter em Portugal negócios de maior valor acrescentado, associados quer ao reajustamento da
globalização quer a objectivos de segurança de abastecimento, relacionados com
a ameaça de um conflito. Temos de conseguir aproveitar essa oportunidade. E,
para isso, as políticas públicas têm forçosamente de ser mais
amigas do investimento.
Finalmente e não menos importante, toda esta mudança é acompanhada pela
necessidade de transitarmos para uma economia de carbono zero e pela
inevitabilidade de fazer a transição digital agora com a Inteligência
Artificial. Os dois vectores
exigem um esforço de investimento, mas, e mais difícil, uma enorme aposta na
requalificação das pessoas. Ou corremos o sério risco de não conseguir atingir
nenhum daqueles objectivos e de criar um país ainda mais empobrecido,
reforçando o grupo dos deserdados do crescimento que, mesmo com trabalho, são
pobres.
Os desafios que temos pela frente são
enormes e, infelizmente, perdemos quase uma década sem as políticas públicas de
que precisávamos, desperdiçando uma conjunctura que poderemos não voltar a ter.
É certo que os políticos em campanha querem apenas dizer-nos que os “amanhãs
cantam”. Mas esta campanha eleitoral tem de servir também para nos
alertar para os perigos, que se veem no horizonte, e para os efeitos que pode
ter nas nossas vidas um Mundo que está em mudança. Uma campanha alegre e sem ver o Mundo pode acabar em tristeza.
LEGISLATIVAS 2024 ELEIÇÕES LEGISLATIVAS POLÍTICA MUNDO
COMENTÁRIOS (de 21)
José Carvalho: "E nas
pensões tem de se alertar para o risco de deixarem de ser tão generosas". Generosas?
Vivo da generosidade do Estado? Mais de meio século esteve o Estado a
apoderar-se de 34,75% do meu salário e o que recebo agora é por
"generosidade"?
Carlos Chaves: Obrigado
Helena por chamar à atenção do óbvio, o necessário aumento do orçamento da
defesa, não só para modernização de equipamentos e actualização de recursos
humanos, mas também para reposição do que não foi feito nomeadamente nos
últimos oito anos, ao contrário do que nos conta a propaganda socialista! Aliás
como a sustentabilidade da segurança social que o PS insiste em não estar em
causa, sabendo todos nós ser mais uma enorme mentira! E não, não vamos ter
canhões eléctricos movidos a baterias…
Maria Melo:
Falta referir a Emigração dos nossos
Jovens, com formação universitária. Este facto é de uma gravidade
extrema. Fala-se na questão da Natalidade, mas o verdadeiro problema é o
acima citado. Recebemos (i)migrantes, sem formação, na sua maior parte, muitos
ficam dependentes da Assistência Social, e os portugueses vão prestar serviços
e criar valor em outros países, depois de terem usufruído do sistema educativo
português. São só perdas! Quando é que alguém aborda esta questão com seriedade
e vontade de a resolver?
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