Esses de uma esquerda
que se apresenta como tal, pelo menos por cá, defensora dos humilhados e
ofendidos, tendo, por mestre, Marx, que por sua vez foi um discípulo dos
filósofos sentimentais, declaradamente românticos, decididamente oportunistas,
por vezes até enjeitadores dos filhos próprios, criadores, contudo, de “bons
selvagens”, e responsáveis pela selvajaria revolucionária e criminosa que se
seguiria nos tempos seguintes – a qual continua, serenamente impávida, nos seres
virtuosos - virtude quantas vezes apoiada em sentimentos primitivos, como a azeda
inveja, ou a pura troça das convenções burguesas assentes em preceitos de norma,
puramente grotescos aos olhos das gerações novas, da pureza democrática… Os Homens
de valor, como JAIME NOGUEIRA PINTO, (sensato, sagaz, sabedor), esclarecem
serenamente, tudo isso que fez parte da revolução russa e que não pára nunca, com
adeptos carinhosos por cá, que poderiam ser esclarecidos – caso tivessem a
qualidade de “ser” - por seres de eleição, do estofo de NOGUEIRA PINTO, e, na
Rússia, GORBACHOV… Mas a piedade lhes basta, juntamente com a animosidade
contra esses ideais burgueses, em que as Mortáguas tão virtuosamente brilham…
o centenário da morte de Lenine
Tudo passa. Mas, aparentemente,
há coisas que passam mais do que outras, e a Esquerda tem o dom de conseguir
branquear ou fazer esquecer certos passados.
JAIME NOGUEIRA PINTO Colunista do
Observador
OBSERVADOR, 03 fev. 2024, 00:1830
No
passado Domingo, 21 de Janeiro, um grupo murcho de fiéis, segurando umas dezenas
de cravos, juntou-se na Praça Vermelha para assinalar o centenário da morte de
Vladimir Ilyich Ulianov, Lenine, “a primeira pessoa a fundar um Estado
socialista”. Gennady Zyuganov, o actual líder do Partido
Comunista da Rússia, aproveitou para lembrar que Lenine tentara “criar um mundo justo, com irmandade entre as nações
e sem capitalismo”.
Vladimir
Putin não se deixou comover. Não só não compareceu junto ao
mausoléu do pai da revolução – que, entretanto, tinha já considerado “culpado
pelo separatismo da Ucrânia” – como não comentou sequer a efeméride. Talvez por isso a China e os dirigentes
chineses, partidários de uma ortodoxia política leninista, se tenham abstido de
celebrar os cem anos da morte do seu guia imortal, daquele cujo corpo fora
faraonicamente mumificado e o cérebro cientificamente retirado, compartimentado
e conservado em meio asséptico para que, no futuro, pudesse estudar-se “a
substância do seu génio”.
Tudo
passa. Mas, aparentemente, há coisas que passam mais do que outras, e a
Esquerda tem o dom de conseguir branquear ou fazer esquecer certos passados. No
caso da União Soviética, edificada e mantida à custa de milhões de mortos e de
um terror permanente, o passe de mágica foi arranjar um bode expiatório,
criador e artífice de todas as maldades do comunismo – uma doutrina generosa,
fundada por bolcheviques altruístas que, por um desses azares e acidentes
históricos, teria sido desvirtuada por um homem mau, perverso, maligno – Josef
Vissariónovitch, Estaline, o homem de aço.
As bases do Estado policial
E,
no entanto, as bases do Estado totalitário e policial, sem o qual nenhum Estado
socialista poderia funcionar, tinham sido já lançadas e consolidadas por Lenine
nos poucos anos em que fora o senhor do poder na Rússia da Revolução. Logo em
19 de Dezembro de 1917 criara a CHEKA, forma abreviada de Chrezvychaynaya
Komissiya, Comissão Extraordinária, com a missão de “combater a
contra-revolução e as suas sabotagens” e trazer perante o Tribunal
Revolucionário todos os “contra-revolucionários e sabotadores”.
O chefe da nova comissão ou da nova
polícia de segurança era Félix Dzerzhinsky, um bolchevique nascido numa família
polaca nobre, rica e importante. Dzerzhinsky era um homem tímido, ensimesmado,
puritano, fanaticamente dedicado à causa da revolução e a Lenine; um marxista
militante que tinha passado por exílios siberianos e prisões czaristas e que
parecia querer devolver em dobro às suas vítimas as humilhações e os
sofrimentos por que tinha passado.
De
início com poucos agentes, a intensificação da resistência ao comunismo levou
ao rápido recrutamento de inspectores e agentes e à constituição de unidades
paramilitares. No fim de 1918 os efectivos da CHEKA já passavam de 10.000
e em 1919 tinham decuplicado.
Ao contrário do que nos conta a
fábula tecida por Trotsky no exílio e confirmada pelo Relatório Kruschev,
fábula em que Trotsky e Lenine saem gloriosamente impolutos, nem o terror, nem
os campos de concentração foram uma invenção de Estaline: esse outro lado menos
romântico do paraíso na terra, indissociável do ideal socialista, chegou logo
com os pais da revolução.
Os campos de concentração tinham
começado por ser usados no final do século XIX pelos espanhóis em Cuba, pelos
americanos nas Filipinas e pelos ingleses na guerra dos bóeres. Trotsky, que no verão de 1918 estava à frente do Exército Vermelho, confrontado
com os insucessos militares, lembrou-se de recrutar oficiais e quadros do
Exército czarista para a revolução bolchevique. Mas o que fazer para
garantir a lealdade dos “Brancos”, mobilizados à força? Mandar
prender e internar em campos de concentração as suas mulheres e
filhos para ali permanecerem como reféns da lealdade dos maridos e pais foi a
solução adoptada.
A
repressão intensificou-se depois do atentado contra Lenine de Fanni Kaplan, uma
socialista revolucionária, em 30 de Agosto de 1918, excelente pretexto para
internar por esses “campos” fora mais uns mencheviques, sociais-revolucionários
direitistas e burgueses em geral – proprietários rurais, industriais e
comerciantes, padres contra-revolucionários, oficiais suspeitos. Em Fevereiro
de 1919, num discurso aos colaboradores, Dzerzhinsky defendia que os prisioneiros,
“cavalheiros que viviam sem ocupação” e que “não trabalhavam sem alguma
coerção”, tinham mesmo de ser postos a trabalhar.
E assim, muito antes de Estaline
subir ao poder, se iam mantendo ocupados nos campos de trabalho da União
Soviética milhares de cavalheiros sem ocupação, ou de vermes ou parasitas, como
lhes chamava Lenine. Segundo
Richard Pipes, em 1 de Janeiro de 1920 havia 34 campos de concentração com
8.660 prisioneiros; um ano depois, eram 107 com 51.158 internados; e em Outubro
de 1923, poucos meses antes da morte de Lenine, eram já 355, com cerca de 70
mil detidos.
Seriam estes os “ensinamentos de Lenine” de que falava Álvaro Cunhal
em 1970 quando se referia às ideias que tinham “iluminado o caminho do Partido
Comunista Português”, transformando-o “na vanguarda revolucionária da classe
operária e na maior força política antifascista”? E seria este tipo
de “experiência no combate à direita” que Paulo Raimundo, líder do PCP, se
lembrou recentemente de reivindicar?
Com Lenine, não eram ainda os milhões do Arquipélago
de Goulag estalinista, memoravelmente descrito por Alexandre Soljenítsin num
romance que foi uma das primeiras pedras da sepultura da grande tirania do
século XX, mas desde o princípio da Revolução que os bolcheviques usavam o medo
como instrumento de domínio, procedendo à detenção por suspeição e por
categorias, sem qualquer consideração pelas práticas jurídicas instituídas ou
por velhos ou novos direitos humanos.
No
devocionário comunista, nos gloriosos anos cinquenta, Lenine vinha a seguir a
Marx e Engels e antes de Estaline. E justamente, pois Lenine, tal como o Benito Mussolini, aliava a capacidade teórica à capacidade de acção e
além de uma produção escrita notável, soube entender que a Rússia estava pronta
para a revolução, e soube actuar, saltando as etapas do amadurecimento
marxista.
A sua vida activa, depois do exílio
siberiano, fora nas bibliotecas da Europa burguesa, lendo, pensando,
escrevendo. Após a chegada à estação da Finlândia, em Petrogrado, conseguiu em
poucos meses levar ao triunfo a revolução comunista, contrariando Marx e os
marxistas ortodoxos, como Plekhanov.
Sem ódio nem piedade
Lenine morreu há cem anos. O atentado de Fanni Kaplan, em 1918, deixara
marcas. Tinha tido o primeiro acidente vascular cerebral em Maio de 1922.
Ficara sem fala e com o lado direito paralisado e só recuperara em Agosto,
voltando às suas funções.
Mas
em Dezembro de 22 viera o segundo ataque. Desse não recuperou, ou recuperou mal
algum uso da mão esquerda. Ainda voltou ao Kremlin, amparado pela mulher,
Krupskaya, e por Bukharin, mas não correu bem a visita. O resto do tempo
passou-o na casa de campo de Gorky.
E
foi aí, sozinho com a Krupskaya, a sombra de Estaline, e um bando de cuidadores
vigilantes, que a “primeira pessoa que fundou um Estado socialista” passou os
últimos dias. Alexander Sokurov, um
discípulo de Tarkovsky, no filme Taurus, a segunda parte da sua Tetralogia do
Poder, pintou essa agonia. Sem ódio, mas também sem piedade,
como faz sentido.
A SEXTA
COLUNA HISTÓRIA CULTURA COMUNISMO POLÍTICA
COMENTÁRIOS (de 30)
Pedra Nussapato: Caro JNM, infelizmente, por
pior que sejam, há coisas que teimam em não passar; veja-se a manif contra a
imigração e quem está à frente dela. Ana Luís da Silva: Muito
obrigada a Jaime Nogueira Pinto por este esclarecimento histórico-político tão
relevante. Com efeito, eu tinha a “crença” que Lenine era só um fanático
ideólogo carismático do comunismo. Afinal era tão louco, criminoso e
sanguinário como Estaline. O Inferno não deve estar assim tão vazio como se
pensa. Infelizmente. Nokogiri:
Agradeço sempre os artigos deste homem extraordinário
que passou na vida por situações muito difíceis, Deus lhe dê saúde e a
felicidade que merece, como homem e bom Português. Sobre Lénine parece que se
mantém ainda em exposição o corpo do genocida em Moscovo, é sempre bom
relembrar as figuras tenebrosas, adoradas pelos comunistas portugueses, Lénine,
Trotsky, Estaline e Mao, para ser curto. Rui
Lima: Recordar uma das
mais sinistras figuras da humanidade é útil, o tirano que vivia ricamente
na Suíça traidor do seu país ao serviço da Alemanha ainda hoje é glorificado em
Portugal pela família comunista. 2 pesos e 2 medidas é crime Rui
Lima: Recordar uma das
mais sinistras figuras da humanidade é útil, o tirano que vivia ricamente
na Suíça traidor do seu país ao serviço da Alemanha ainda hoje é glorificado em
Portugal pela família comunista. 2 pesos e 2 medidas é crime glorificar
ditadores de direita , mas somos livre de defender os valores deste criminoso
como faz o PCP, só lembrar que ele não derruba o Czar mas um parlamento . Carlos
Chaves: Por aqui tiveram vergonha (ou se calhar era demasiado provocatório) de
assinalar esta efeméride! Como é possível ainda haver admiradores e seguidores
desta bárbara ideologia assassina? E legalizados, em Portugal! Maria Machado: Excelente artigo. Muito
obrigada. Infelizmente, parte daqueles que votam no Bloco de Esquerda e no
Partido Comunista não fazem a mínima ideia do que estão a fazer. Maria
Augusta Martins: A cara do socialismo real e do cinismo comunista. Joaquim Almeida: E as democracias, as
verdadeiras, convivem tão tranquilamente com esse esquecimento e
branqueamento socialista. Nem o crescente totalitarismo circundante lhes sacode
a sonolência para, ao menos de quinze em dias, alguém gritar essa história de
opressão, terror e morte.
Coxinho: A sabedoria e a erudição a que JNP já nos habituou. Carlos
Quartel: Pode acreditar-se que algumas pessoas bem intencionadas tenham acreditado
na sociedade ideal, fraterna, sem exploração. Mas sabemos que qualquer
regime baseado numa "verdade" absoluta só se mantém com
repressão, polícia política, morte ou prisão para os que não
"atingem". Nos primeiros tempos do comunismo, muitos foram enviados
para clínicas psiquiátricas. Claro que era cinismo puro e simples, mas era
necessário passar a mensagem. É da natureza humana ter pensamento próprio e
qualquer tentativa de massificação mental está condenada ao
fracasso. Mesmo as religiões. É essa a lição que fica, comunismo ou
qualquer outra teoria totalitária só funciona com tropa, polícia, tanques e
chicote. Há uma incompatibilidade total com a liberdade individual, que tanto
prezamos (ou devíamos prezar) nas nossas democracias. S Belo: Mais uma excelente lição.
Obrigada. mais um: Os comunas não têm cura. Pior
mesmo é quem acredita na candura desses aldrabões sanguinários. Os meios
justificam os fins.
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