Um pouco espelho, mesmo baço, do que por
aqui vai – e foi – embora, naturalmente, de inferior dimensão por cá, que não
somos nem tão esclarecidos nem tão aguerridos, na nossa dependência primordial
por sopas e descanso.
França, espelho
da Europa?
Em menos de um ano, a líder da
direita nacional francesa progride 7 pontos nas sondagens. E no Parlamento
Europeu a Direita Nacional e Identitária pode ter, em Junho, perto de 200
deputados.
JAIME NOGUEIRA PINTO Colunista do
Observador
OBSERVADOR, 17
fev. 2024, 00:1848
A França tem sido pioneira na inovação política: foi pioneira no absolutismo monárquico, com Luís XIV;
foi pioneira com a revolução e a ditadura popular em 1789-1794; retomou o
cesarismo com Napoleão em 1804; inaugurou as novas revoluções democráticas em Fevereiro
de 1848; foi o primeiro Estado a estabelecer o sufrágio universal masculino,
também em 1848.
Com
a derrota de 1870-1871 frente à Prússia-Alemanha de Bismarck, a França ficou
abalada, mas não o seu pioneirismo ideológico e político. Assim, logo a seguir à derrota, teve a
primeira revolução comunista vitoriosa, com a Comuna de Paris em 1871; teve também, nos finais do século XIX,
movimentos nacionais-populistas em que alguns autores, como Zeevv Sternhell,
quiseram ver o “nascimento da ideologia fascista”; e teve, mesmo no fim desse século, com a Action Française, o
nascimento de um movimento elitista de direita nacional e autoritária, pioneiro
na teorização e na prática do poder cultural gramsciano.
Este pioneirismo político parece ter-se desvanecido no século XX,
embora o gaullismo e o Maio de 68 tenham o seu vanguardismo em termos de
eventos, momentos ou regimes políticos.
Presidenciais 2027
Foi pensando nestes antecedentes que vi
no semanário conservador Valeurs Actuelles o resultado de uma
sondagem do Institut Français d’Opinion Publique sobre os resultados da eleição
presidencial francesa de 2027. Trata-se,
evidentemente, de uma sondagem – e de uma sondagem para uma eleição que vem
ainda longe – mas que pode, ainda assim, ajudar-nos a avaliar o estado de
espírito político da opinião pública e do eleitorado francês. E sobretudo a sua
dinâmica e tendências.
A eleição presidencial em França é em duas voltas: na primeira volta vota-se por quem se gosta; na
segunda vota-se, sobretudo, contra quem não se gosta.
Os grandes grupos políticos em França
são a Esquerda, representada pela France Insoumise,
de Jean-Luc Mélenchon; o Centro
do actual Presidente, Emmanuel
Macron, representado pela Renaissance (que Macron fundou em Abril de 2016 como
En Marche, passando depois a La République en Marche e, finalmente, em
2023, a Renaissance); o Centro-Direita, a direita
liberal-conservadora de Les Républicans, nascidos em 2015 da Union pour un
Mouvement Populaire de 2002, vinda dos
antigos partidos gaullistas e giscardianos; e, finalmente, a Direita
Nacional do Rassemblement National (ex- Front National) de Marine Le Pen, do
Reconquête de Zémmour e de Marion Maréchal e do pequeno partido nacionalista de
Nicolas Dupond-Aignan.
Segundo
a sondagem, se as eleições presidenciais fossem hoje, numa primeira volta, Marine le
Pen teria 36% dos votos, seguida com 22% pelo candidato da Macronaria (quer
fosse o actual primeiro-ministro Gabriel Attal, quer o antigo, Édouard
Philippe). Em terceiro
lugar, viria o esquerdista radical Jean-Luc Mélenchon, com 14% e em quarto
lugar ficaria Éric Zemmour, da Reconquête, com 6%.
A novidade é que, numa segunda volta,
Marine Le Pen venceria por 51% contra os 49% Gabriel Attal; e empataria 50%-50% com Edouard Philippe. Na hipótese, considerada altamente
improvável, de se bater na segunda volta contra o candidato da Esquerda Unida,
Jean-Luc Mélenchon, ganharia por 64% contra 36%.
Estes números denotam uma subida muito
rápida de Marine. Em
sondagens anteriores, em Março de 2023, Le Pen tinha 29%; em Outubro do mesmo
ano, 31%; em Janeiro de 2024, 33%, e agora 36%. Estas subidas estão ligadas aos
distúrbios de Julho passado, a homicídios cometidos por imigrantes ilegais, à
legislação sobre imigração e à crise e revolta dos agricultores. Em menos
de um ano, a líder da direita nacional
progrediu 7 pontos nas sondagens. E nenhuma das razões desse progresso se
desvaneceu.
O perfil dos seus eleitores é o
perfil dos eleitores dos movimentos nacionalistas populares em toda a Europa e
na América do Norte: 74% são operários e 61% comerciantes e empregados; isto é,
há uma forte mobilização entre as classes baixas e médias baixas e mais fraca
entre a burguesia e os quadros médios superiores. Porém no caso de Le Pen
enfrentar Mélenchon, teria com ela 70% das classes médias e médias altas e 81%
dos reformados.
Europeias 2024
Passando ao futuro próximo – as eleições
europeias de 9 de Junho – o Rassemblement, tendo como cabeça de lista o presidente do partido
Jordan Bardella, teria, segundo uma sondagem IFOP-Fiducial para Le Figaro e
Sud Radio, 29% das intenções de voto; a seguir, com 14%, viria a Renaissance de Macron, ainda sem
cabeça de lista designado. Seguir-se-iam os
socialistas, liderados por Raphaël Glucksmann do Place Publique,
com 10%; os ecologistas, com 8%, os
Insubmissos com 7%, os Republicanos com 7% e a Reconquête de Marion Maréchal (neta de Jean-Marie Le Pen e sobrinha
de Marine) com 6%.
Um estudo do European Council on Foreign
Relations, de 24 de Janeiro último, regista
a descida dos partidos do centro, socialistas e verdes e a subida
correspondente dos dois grupos de direita. O Identidade e
Democracia, onde estão o Rassemblement e a Lega italiana, passaria de 58 para
98 lugares, ficando como terceira força no Parlamento europeu; os Conservadores e Reformistas europeus,
onde estão os Fratelli d’Italia de Georgia Meloni, o Vox e os polacos do PIS,
subiriam de 67 para 85 lugares. Se assim for, as direitas nacionais e conservadoras
europeias ficarão com 183 deputados.
Não admira que comentadores,
articulistas, analistas e fundistas andem tão preocupados.
A SEXTA
COLUNA HISTÓRIA CULTURA MARINE LE
PEN FRENTE
NACIONAL FRANÇA
COMENTÁRIOS (de 48):
Ana Luís da Silva: Em Portugal o PSD assobia para o lado, segrega o CHEGA
e cospe no eleitorado que vota na direita conservadora nos valores,
securitária, cada vez mais social-democrata (cortesia de André Ventura), com
laivos de liberal. Mas os ventos
da política estão a mudar. Agarrem-se bem, partidos do sistema, embora (claro),
se se confirmar a vaga de fundo, muito provavelmente não vos sirva de nada. bento guerra: Enquanto se preocuparem com os Venturas e não as causas
para os Venturas, nunca perceberão Tim do Á: Se assim for pode ser que a Europa sobreviva. Esperemos
ir a tempo de a salvar. João
Floriano: O facto de as
presidenciais em França ainda estarem longe, em 2027, pode ser bom ou mau para
Marine Le Pen, que neste caso é quem mais nos interessa devido à sua
ligação com o CHEGA e isto independentemente de se gostar ou não do partido.
Vivemos dias voláteis em que demasiadas coisas acontecem e como tal fogem ao
controle dos políticos. Estes assemelham-se a bombeiros a apagar fogos e quando
um parece estar controlado, lá vem mais um. Ontem o mundo ocidental «desabou»
com a morte de Navalny. As presidenciais nos Estados Unidos e o futuro da
Ucrânia vão ter enorme impacto a curto prazo na política europeia.
Aparentemente a Europa está a voltar-se para a direita e tal vai ter reflexos
no Parlamento europeu. Inegavelmente os problemas franceses sobretudo os que
têm a ver com a não integração de franceses de segunda ou terceira
geração e com a imigração meio descontrolada que circula não só por
França, mas por toda a Europa, não se vai resolver por milagre e isso será um
trunfo a favor de Marine. Se quando chegada ao Eliseu, vai conseguir melhorar a
situação, isso agora já é outra conversa. Para já os italianos Meloni e Salvini
têm feito um excelente trabalho a desmentir a esquerda que antevia um
futuro tenebroso para o país e o fim da democracia. Aqui pela península Ibérica
insiste-se no socialismo e tanto Espanha como Portugal vão em contramão. José Paulo C Castro: O espelho reflete a reação a todos os aspetos do
globalismo e federalismo europeus. Ainda não se sabe se é uma verdadeira
questão entre esquerda e direita. Apenas que, quer numa, quer noutra, os
partidos anti-globalistas tomaram conta da área. A direita fez isso mais
depressa por não ter preconceito ideológico na questão da imigração. vitor Manuel > Américo Silva: Choram os civis em Gaza, os mesmos que festejaram com
danças simiescas acompanhadas por estridentes gargarejos os milhares de mortos
das Torres Gémeas e da Barbárie Animalesca do 07OUT., somente porque ainda o
podem fazer ... João
Ramos: Essa
preocupação é bem espelhada nos comentários aos debates que sem qualquer
vergonha ou pudor tentam por todos os meios elevar a decadente e incapaz esquerda
a qualquer coisa que ela bem tem dado provas mais que negativas, a nossa
“comunicação social” deve pensar ou que não vimos os debates ou que somos todos
totós e que não temos cabeça para pensar… Fernando Cascais: Por acaso tenho andado extemporaneamente a pensar nas
próximas europeias e na constituição do parlamento europeu que resultar dessas
eleições. O número de 200 deputados referidos entre os dois grupos políticos
(ID + ECR) é muito provável de vir a acontecer. Neste momento a junção destes
dois grupos dá 137 salvo erro. Mesmo assim, o PPE + S&D + RE teriam juntos
uma maioria de deputados, e, a possibilidade de estes grupos políticos se
aliarem no Parlamento Europeu para não deixarem passar a agenda nacionalista do
ID e ECR seria muito provável. Afinal, o completo federalismo da UE é um
objectivo fundamental para a futura EUE (Estados Unidos da Europa). Se o Jaime
Nogueira Pinto ler os comentários e ler o meu, aproveito para lhe deixar o
repto para dissertar numa próxima crónica sobre o disfarçado federalismo em
curso na UE, o qual, na minha opinião, se fosse discutido levaria a referendos
e ao perigo de mais Brexits. Será que o federalismo nos está a ser imposto
de forma autoritária pela UE? Era o que eu gostava de saber. Maria Emília Ranhada Santos:
Muitos são os europeus como nós que lutam
para que a Europa volte às suas raízes cristãs, à sua invejada civilização! o
Ventura é um carismático, um verdadeiro, um lutador! Chega sempre e sempre
Chega! Tim
do Á > José B Dias: Desconhecia e bem quero acreditar nisso. A ser verdade,
é exactamente perigoso. É a instalação de uma ditadura europeia Woke tirânica e
terrível.
João Floriano > Fernando Cascais: Não sendo o Jaime Nogueira Pinto e não tendo nem de
perto nem de longe, os mesmos conhecimentos, não precisamos de ser muito argutos
para perceber que o federalismo nos está a ser imposto muito simplesmente
através da distribuição das verbas. A ideia de Ventura de que a UE pode
financiar melhores pensões tem sido extremamente criticada, mas pode muito bem
vir a acontecer se Bruxelas considerar que o projecto federalista está em
perigo. Money makes the world go around, diz a canção. Portanto de disfarçado
não tem nada. Os Estados Unidos da América têm um governo federalista que
consegue conjugar relativamente bem o poder central com o poder de cada estado.
Na Europa, Bruxelas não convive bem com divergências. João Floriano >José B Dias: José, a sua transcrição é feita a partir de onde?
Consigo perceber perfeitamente o sentido até porque cá passa-se precisamente o
mesmo: começa a ser perigoso e podem sofrer-se consequências se não
alinharmos na narrativa oficial. Portugal despencou três lugares no ranking da
avaliação das prática democráticas. Já anteriormente éramos considerados uma
democracia com defeitos, agora estamos pior.
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