domingo, 18 de fevereiro de 2024

Pelo menos


Um pouco espelho, mesmo baço, do que por aqui vai – e foi – embora, naturalmente, de inferior dimensão por cá, que não somos nem tão esclarecidos nem tão aguerridos, na nossa dependência primordial por sopas e descanso.

França, espelho da Europa?

Em menos de um ano, a líder da direita nacional francesa progride 7 pontos nas sondagens. E no Parlamento Europeu a Direita Nacional e Identitária pode ter, em Junho, perto de 200 deputados.

JAIME NOGUEIRA PINTO Colunista do Observador

OBSERVADOR, 17 fev. 2024, 00:1848

A França tem sido pioneira na inovação política: foi pioneira no absolutismo monárquico, com Luís XIV; foi pioneira com a revolução e a ditadura popular em 1789-1794; retomou o cesarismo com Napoleão em 1804; inaugurou as novas revoluções democráticas em Fevereiro de 1848; foi o primeiro Estado a estabelecer o sufrágio universal masculino, também em 1848.

Com a derrota de 1870-1871 frente à Prússia-Alemanha de Bismarck, a França ficou abalada, mas não o seu pioneirismo ideológico e político. Assim, logo a seguir à derrota, teve a primeira revolução comunista vitoriosa, com a Comuna de Paris em 1871; teve também, nos finais do século XIX, movimentos nacionais-populistas em que alguns autores, como Zeevv Sternhell, quiseram ver o “nascimento da ideologia fascista”; e teve, mesmo no fim desse século, com a Action Française, o nascimento de um movimento elitista de direita nacional e autoritária, pioneiro na teorização e na prática do poder cultural gramsciano.

Este pioneirismo político parece ter-se desvanecido no século XX, embora o gaullismo e o Maio de 68 tenham o seu vanguardismo em termos de eventos, momentos ou regimes políticos.

Presidenciais 2027

Foi pensando nestes antecedentes que vi no semanário conservador Valeurs Actuelles o resultado de uma sondagem do Institut Français d’Opinion Publique sobre os resultados da eleição presidencial francesa de 2027. Trata-se, evidentemente, de uma sondagem – e de uma sondagem para uma eleição que vem ainda longe – mas que pode, ainda assim, ajudar-nos a avaliar o estado de espírito político da opinião pública e do eleitorado francês. E sobretudo a sua dinâmica e tendências.

A eleição presidencial em França é em duas voltas: na primeira volta vota-se por quem se gosta; na segunda vota-se, sobretudo, contra quem não se gosta.

Os grandes grupos políticos em França são a Esquerda, representada pela France Insoumise, de Jean-Luc Mélenchon; o Centro do actual Presidente, Emmanuel Macron, representado pela Renaissance (que Macron fundou em Abril de 2016 como En Marche,  passando depois a La République en Marche e, finalmente, em 2023, a Renaissance); o Centro-Direita, a direita liberal-conservadora de Les Républicans, nascidos em 2015 da Union pour un Mouvement Populaire de 2002, vinda dos antigos partidos gaullistas e giscardianos; e, finalmente,  a Direita Nacional do Rassemblement National (ex- Front National) de Marine Le Pen, do Reconquête de Zémmour e de Marion Maréchal e do pequeno partido nacionalista de Nicolas Dupond-Aignan.

Segundo a sondagem, se as eleições presidenciais fossem hoje, numa primeira volta, Marine le Pen teria 36% dos votos, seguida com 22% pelo candidato da Macronaria (quer fosse o actual primeiro-ministro Gabriel Attal, quer o antigo, Édouard Philippe). Em terceiro lugar, viria o esquerdista radical Jean-Luc Mélenchon, com 14% e em quarto lugar ficaria Éric Zemmour, da Reconquête, com 6%.

A novidade é que, numa segunda volta, Marine Le Pen venceria por 51% contra os 49% Gabriel Attal; e empataria 50%-50% com Edouard Philippe. Na hipótese, considerada altamente improvável, de se bater na segunda volta contra o candidato da Esquerda Unida, Jean-Luc Mélenchon, ganharia por 64% contra 36%.

Estes números denotam uma subida muito rápida de Marine. Em sondagens anteriores, em Março de 2023, Le Pen tinha 29%; em Outubro do mesmo ano, 31%; em Janeiro de 2024, 33%, e agora 36%. Estas subidas estão ligadas aos distúrbios de Julho passado, a homicídios cometidos por imigrantes ilegais, à legislação sobre imigração e à crise e revolta dos agricultores. Em menos de um ano, a líder da direita nacional progrediu 7 pontos nas sondagens. E nenhuma das razões desse progresso se desvaneceu.

O perfil dos seus eleitores é o perfil dos eleitores dos movimentos nacionalistas populares em toda a Europa e na América do Norte: 74% são operários e 61% comerciantes e empregados; isto é, há uma forte mobilização entre as classes baixas e médias baixas e mais fraca entre a burguesia e os quadros médios superiores. Porém no caso de Le Pen enfrentar Mélenchon, teria com ela 70% das classes médias e médias altas e 81% dos reformados.

Europeias 2024

Passando ao futuro próximo – as eleições europeias de 9 de Junho – o Rassemblement, tendo como cabeça de lista o presidente do partido Jordan Bardella, teria, segundo uma sondagem IFOP-Fiducial para Le Figaro e Sud Radio, 29% das intenções de voto; a seguir, com 14%, viria a Renaissance de Macron, ainda sem cabeça de lista designado. Seguir-se-iam os socialistas, liderados por Raphaël Glucksmann do Place Publique, com 10%; os ecologistas, com 8%, os Insubmissos com 7%, os Republicanos com 7% e a Reconquête de  Marion Maréchal (neta de Jean-Marie Le Pen e sobrinha de Marine) com 6%.

Um estudo do European Council on Foreign Relations, de 24 de Janeiro último, regista a descida dos partidos do centro, socialistas e verdes e a subida correspondente dos dois grupos de direita. O Identidade e Democracia, onde estão o Rassemblement e a Lega italiana, passaria de 58 para 98 lugares, ficando como terceira força no Parlamento europeu; os Conservadores e Reformistas europeus, onde estão os Fratelli d’Italia de Georgia Meloni, o Vox e os polacos do PIS, subiriam de 67 para 85 lugares. Se assim for, as direitas nacionais e conservadoras europeias ficarão com 183 deputados.

Não admira que comentadores, articulistas, analistas e fundistas andem tão preocupados.

A SEXTA COLUNA    HISTÓRIA    CULTURA     MARINE LE PEN     FRENTE NACIONAL     FRANÇA 

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COMENTÁRIOS (de 48):

Ana Luís da Silva: Em Portugal o PSD assobia para o lado, segrega o CHEGA e cospe no eleitorado que vota na direita conservadora nos valores, securitária, cada vez mais social-democrata (cortesia de André Ventura), com laivos de liberal. Mas os ventos da política estão a mudar. Agarrem-se bem, partidos do sistema, embora (claro), se se confirmar a vaga de fundo, muito provavelmente não vos sirva de nada.                 bento guerra: Enquanto se preocuparem com os Venturas e não as causas para os Venturas, nunca perceberão              Tim do Á: Se assim for pode ser que a Europa sobreviva. Esperemos ir a tempo de a salvar.              João Floriano: O facto de as presidenciais em França ainda estarem longe, em 2027, pode ser bom ou mau para Marine Le Pen, que neste caso é quem mais nos interessa devido  à sua ligação com o CHEGA e isto independentemente de se gostar ou não do partido. Vivemos dias voláteis em que demasiadas coisas acontecem e como tal fogem ao controle dos políticos. Estes assemelham-se a bombeiros a apagar fogos e quando um parece estar controlado, lá vem mais um. Ontem o mundo ocidental «desabou» com a morte de Navalny. As presidenciais nos Estados Unidos e o futuro da Ucrânia vão ter enorme impacto  a curto prazo na política europeia. Aparentemente a Europa está a voltar-se para a direita e tal vai ter reflexos no Parlamento europeu. Inegavelmente os problemas franceses sobretudo os que têm  a ver com a não integração de  franceses de segunda ou terceira geração e com a imigração meio descontrolada  que circula não só por França, mas por toda a Europa, não se vai resolver por milagre e isso será um trunfo a favor de Marine. Se quando chegada ao Eliseu, vai conseguir melhorar a situação, isso agora já é outra conversa. Para já os italianos Meloni e Salvini têm feito um excelente trabalho a desmentir  a esquerda que antevia um futuro tenebroso para o país e o fim da democracia. Aqui pela península Ibérica insiste-se no socialismo e tanto Espanha como Portugal vão em contramão.                José Paulo C Castro: O espelho reflete a reação a todos os aspetos do globalismo e federalismo europeus. Ainda não se sabe se é uma verdadeira questão entre esquerda e direita. Apenas que, quer numa, quer noutra, os partidos anti-globalistas tomaram conta da área. A direita fez isso mais depressa por não ter preconceito ideológico na questão da imigração.                vitor Manuel > Américo Silva: Choram os civis em Gaza, os mesmos que festejaram com danças simiescas acompanhadas por estridentes gargarejos os milhares de mortos das Torres Gémeas e da Barbárie Animalesca do 07OUT., somente porque ainda o podem fazer ...              João Ramos: Essa preocupação é bem espelhada nos comentários aos debates que sem qualquer vergonha ou pudor tentam por todos os meios elevar a decadente e incapaz esquerda a qualquer coisa que ela bem tem dado provas mais que negativas, a nossa “comunicação social” deve pensar ou que não vimos os debates ou que somos todos totós e que não temos cabeça para pensar…                 Fernando Cascais: Por acaso tenho andado extemporaneamente a pensar nas próximas europeias e na constituição do parlamento europeu que resultar dessas eleições. O número de 200 deputados referidos entre os dois grupos políticos (ID + ECR) é muito provável de vir a acontecer. Neste momento a junção destes dois grupos dá 137 salvo erro. Mesmo assim, o PPE + S&D + RE teriam juntos uma maioria de deputados, e, a possibilidade de estes grupos políticos se aliarem no Parlamento Europeu para não deixarem passar a agenda nacionalista do ID e ECR seria muito provável. Afinal, o completo federalismo da UE é um objectivo fundamental para a futura EUE (Estados Unidos da Europa). Se o Jaime Nogueira Pinto ler os comentários e ler o meu, aproveito para lhe deixar o repto para dissertar numa próxima crónica sobre o disfarçado federalismo em curso na UE, o qual, na minha opinião, se fosse discutido levaria a referendos e ao perigo de mais Brexits. Será que o federalismo nos está a ser imposto de forma autoritária pela UE? Era o que eu gostava de saber.               Maria Emília Ranhada Santos: Muitos são os europeus como nós que lutam para que a Europa volte às suas raízes cristãs, à sua invejada civilização! o Ventura é um carismático, um verdadeiro, um lutador! Chega sempre e sempre Chega!              Tim do Á > José B Dias: Desconhecia e bem quero acreditar nisso. A ser verdade, é exactamente perigoso. É a instalação de uma ditadura europeia Woke tirânica e terrível.                 João Floriano > Fernando Cascais: Não sendo o Jaime Nogueira Pinto e não tendo nem de perto nem de longe, os mesmos conhecimentos, não precisamos de ser muito argutos para perceber que o federalismo nos está  a ser imposto muito simplesmente através da distribuição das verbas. A ideia de Ventura de que a UE pode financiar melhores pensões tem sido extremamente criticada, mas pode muito bem vir a acontecer se Bruxelas considerar que o projecto federalista está em perigo. Money makes the world go around, diz a canção. Portanto de disfarçado não tem nada. Os Estados Unidos da América têm um governo federalista que consegue conjugar relativamente bem o poder central com o poder de cada estado. Na Europa, Bruxelas  não convive bem com divergências.            João Floriano >José B Dias: José, a sua transcrição é feita  a partir de onde? Consigo perceber perfeitamente o sentido até porque cá passa-se precisamente o mesmo: começa  a ser perigoso e podem sofrer-se consequências se não alinharmos na narrativa oficial. Portugal despencou três lugares no ranking da avaliação das prática democráticas. Já anteriormente éramos considerados uma democracia com defeitos, agora estamos pior.

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