terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

Verba volant


Scripta manent, claro. Mas a realidade nem sempre corresponde ou correspondeu, as divergências de critérios e de opiniões dependem do ponto de vista partidário e das vaidades pessoais. Um dia se saberá mais objectivamente, nos escritos dos estudiosos, quando já nada dessas disputas pessoais for significativo e apenas contarão as  consequências dos actos e as reacções do povo, na sequência da História…

As verdades, mentiras, dúvidas e enganos no duelo entre Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro

O debate definitivo rumo às legislativas pôs frente a frente Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro. Saúde, habitação, salários e educação marcaram o duelo que analisamos em 8 fact checks.

TEXTO de ANA SUSPIROBEATRIZ FERREIRAMARINA FERREIRA E TIAGO CAEIRO

OBSERVADOR, 20 fev. 2024, 00:594

Índice

Novo aeroporto. O PSD “salvou” o Governo de uma “trapalhada”?

Portugal foi a terceira economia a crescer mais em 2022 e a que mais cresceu no último trimestre?

Saúde. Execução do investimento ficou abaixo do previsto nos governos do PS?

Crédito à habitação. Proposta da AD contorna regra macroprudencial do Banco de Portugal?

Líder do PS defendeu reposição do tempo de serviço dos professores antes da queda do Governo de António Costa?

Um quarto dos alunos do ensino secundário em Portugal frequenta o ensino privado?

Reformas. Costa cortou meia pensão?

Afinal, AD quer salário médio de 1.750 euros em 2028 ou 2030?

Novo aeroporto. O PSD “salvou” o Governo de uma “trapalhada”?

Luís Montenegro: “Foi com o espírito do consenso que salvámos o Governo de uma trapalhada no aeroporto.”

Resultado: Esticado

O líder do PSD estava a referir-se ao acordo feito entre o partido e o executivo de António Costa para chegar a uma solução consensual para o novo aeroporto, quando questionado sobre se vai procurar o apoio do maior partido da oposição para a decisão que vier a tomar se formar Governo.

A pergunta ficou sem resposta, mas Luís Montenegro aproveitou a deixa para cavalgar um tema que incomoda o rival, a decisão do então ministro das Infraestruturas de aprovar em 2022 uma decisão para o aeroporto que “fez tremer o Governo” e que era contrária à do primeiro-ministro que tinha contactado o líder da oposição para construir uma metodologia de consenso.

Há dois momentos no acordo entre António Costa e o PSD sobre o futuro aeroporto. O primeiro acontece ainda com Rui Rio à frente do partido e resulta do chumbo dado pelo regulador ao projecto do aeroporto complementar do Montijo depois do parecer negativo dado por duas câmaras comunistas. Meses antes, o PS tinha tentado mudar a lei que exige esta condição no Parlamento, mas Rui Rio recusou dar a mão ao Governo minoritário para alterar uma lei à medida de um caso concreto, apesar de não se opor à opção Portela mais Montijo.

Este impasse resulta no primeiro acordo no qual o Governo deixa cair o Montijo para realizar uma avaliação ambiental estratégica a três opções, incluindo o Campo de Tiro de Alcochete como substituto do aeroporto da Portela. É neste contexto que surge um concurso internacional para escolher o consultor que iria fazer essa avaliação.

O líder do PSD lembra a adjudicação (que nunca foi assinada, contrapõe logo Pedro Nuno Santos) a uma consultora privada que tinha ligações à operadora espanhola de aeroportos. E conclui que foi o PSD a dar a saída para o imbróglio.

A revogação de António Costa do despacho de Pedro Nuno Santos deu origem ao segundo acordo já com Luís Montenegro à frente do partido e no qual é definida a metodologia para chegar à solução, tendo sido acolhida a proposta do PSD de ouvir os especialistas académicos. Daí saiu a comissão técnica independente que apresentou um relatório preliminar com o Governo em gestão, deixando o processo para o próximo Executivo.

Ou seja, o PSD de facto aceitou negociar por duas vezes um acordo com os socialistas sobre o aeroporto, e com dois líderes. Mas para  Montenegro reivindicar ter salvo o Governo da “trapalhada do aeroporto” era preciso que este tivesse conseguido tomar a decisão (com o apoio dos social-democratas). Isso não aconteceu porque o Governo caiu. Além de que surgiram dentro do PSD dúvidas sobre o relatório preliminar e a credibilidade da comissão técnica que foi resultado do acordo. E Luís Montenegro não se compromete agora com uma decisão em consenso com o PS. Já Pedro Nuno Santos diz que vai procurar o consenso, “mas se ele não existir, vamos avançar”.

Portugal foi a terceira economia a crescer mais em 2022 e a que mais cresceu no último trimestre?

Pedro Nuno Santos: “Portugal foi a terceira economia da UE que cresceu mais em 2022“.

Resultado: Certo

Pedro Nuno Santos: “No último trimestre foi a primeira economia que mais cresceu na UE”.

Resultado: Errado

Pedro Nuno disse que, em 2022, Portugal foi a terceira economia da UE que mais cresceu e os dados compilados pelo Eurostat referentes a esse ano mostram que é verdade: com um crescimento de 6,8%, foi apenas ultrapassado pela Irlanda (9,4%) e Malta (8,2%).

Pedro Nuno Santos poderá, eventualmente, ter-se enganado no ano a que se referia e em vez de 2022 querer referir-se a 2023, mas nesse caso os dados mais recentes revelados pelo Eurostat, a 15 de fevereiro, aquando da divulgação das projeções de inverno, indicam que a conclusão não seria verdade: nesse ano, Portugal teve, apenas, o quinto maior crescimento da economia. Foi ultrapassado por Malta (6,1%), Croácia (2,6%), Espanha (2,5%) e Chipre (2,4%). Ainda assim, com 2,3%, esteve, como em 2022, acima da média europeia. Mas como na afirmação Pedro Nuno Santos refere 2022, está correta.

A segunda parte da afirmação de Pedro Nuno Santos refere-se ao último trimestre — que será o quarto trimestre de 2023. E aí, os dados do Eurostat mais consolidados, revelados a 14 de fevereiro, já mostram que a informação do líder socialista está errada. Nos últimos três meses do ano o PIB português subiu 2,2%, abaixo da Eslovénia (2,6%) e Chipre (2,3%). Mas ainda há países cujos dados não tinham sido divulgados na altura (Malta, Luxemburgo, Croácia, Grécia e Dinamarca). De qualquer das formas, não é verdade que Portugal tenha tido o maior crescimento no último trimestre do ano.

Pedro Nuno Santos poderia estar a referir-se a dados provisórios lançados pelo Eurostat no final de janeiro, mas que tinham por base uma lista mais curta de países — aqueles que, à data, tinham revelado a informação. Nessa lista, o crescimento de Portugal foi o mais elevado, mas a tabela não é a final, pelo que os dados definitivos, que incluem todos os países, não apontam para a mesma conclusão. Desta forma, é falso que Portugal tenha tido o crescimento mais elevado da UE no quarto trimestre do ano.

 Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro divergiram em praticamente todos os temas.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Índice

Novo aeroporto. O PSD “salvou” o Governo de uma “trapalhada”?

Portugal foi a terceira economia a crescer mais em 2022 e a que mais cresceu no último trimestre?

Saúde. Execução do investimento ficou abaixo do previsto nos governos do PS?

Crédito à habitação. Proposta da AD contorna regra macroprudencial do Banco de Portugal?

Líder do PS defendeu reposição do tempo de serviço dos professores antes da queda do Governo de António Costa?

Um quarto dos alunos do ensino secundário em Portugal frequenta o ensino privado?

Reformas. Costa cortou meia pensão?

Afinal, AD quer salário médio de 1.750 euros em 2028 ou 2030?

Saúde. Execução do investimento ficou abaixo do previsto nos governos do PS?

Luís Montenegro: “Desde que entrou o governo do PS, em 2016, as taxas de execução do que estava projectado no orçamento foram de 55% em 2016, de 43% em 2017, de 47% em 2018, de 49% em 2019, 61% em 2020, 100% em 2021, 43% em 2022 e 45% em 2023.

Resultado: Praticamente certo

Luís Montenegro referia-se ao investimento previsto em saúde no Orçamento de Estado. É verdade que, apesar de inscrever, todos os anos, centenas de milhões de euros de investimento, as taxas de execução ficaram, na maior parte dos anos, a menos de 50% das metas previstas. Os valores que Luís Montenegro apresentou no debate frente a Pedro Nuno Santos são muito semelhantes aos dados reais. Segundo os dados da Conta Geral do Estado, da Direcção Geral do Orçamento, em 2016 estavam orçamentados 217 milhões de euros para investimento na Saúde mas só foram executados 117 milhões (54% do total); já em 2017, foi gasto ainda menos: apenas 111 dos 229 milhões inscritos no orçamento (isto é, apenas 48% do total).

A partir daqui o valor gasto em investimento iniciou uma trajectória ascendente. Em 2018, foram gastos 140 milhões de euros, 49% dos 284 milhões previstos. Em 2019, o governo liderado por António Costa tinha intenção de investir 325 milhões na saúde, mas, mais uma vez, a execução ficou por metade da meta (159 milhões, 49%). Em 2020, ano de pandemia, o governo executou apenas 53% (o equivalente a 265 milhões de euros) em relação aos 498 milhões executados, um valor até abaixo do referido por Luís Montenegro. Em 2021, foram executados apenas 42% (289 milhões) dos 693 milhões inscritos. Em 2022, registou-se nova quebra do investimento em saúde: 230 milhões euros, apenas 45% dos 509 milhões previstos. Para 2023, ainda não existem dados.

Crédito à habitação. Proposta da AD contorna regra macroprudencial do Banco de Portugal?

Pedro Nuno Santos: “O Banco de Portugal faz uma recomendação de apenas conceder crédito à habitação em 80%. O que é que o PSD diz? Nós vamos garantir os 20% da entrada? Mas quem é que vai dar os restantes 20%? Tem de ser um empréstimo. Se não é o Estado é um banco. Só que isso é contrariar a regra macroprudencial que o Banco de Portugal recomendou a todos os bancos.

Resultado: Enganador

Em jogo está uma proposta da AD para uma garantia do Estado que cubra a diferença entre o financiamento bancário para a totalidade do preço de aquisição da primeira casa. Pedro Nuno Santos defendia-se da acusação do adversário de ter feito uma proposta “irresponsável e aventureira” de uma garantia pública a 100% para a compra de casa. Começando por afirmar que o programa não diz que a garantia é a 100%, o que é verdade, e que a medida tem de ser “modulada”, o líder do PS passa ao ataque. Acusa Montenegro de decidir mal quando propõe cobrir o que falta do financiamento bancário face ao valor total da casa.

“O Banco de Portugal faz uma recomendação de 80%. Vamos garantir os 20% que faltam”, diz Pedro Nuno Santos porque quem empresta o resto são os bancos.

Para Pedro Nuno Santos isso é “contornar a regra macroprudencial que o Banco de Portugal recomendou a todos os bancos. E essa recomendação é de que o crédito à habitação seja de 80% para que fique uma parte para proteger o futuro”.

“São políticas públicas, meu caro. É intervir para dar às pessoas uma acessibilidade que elas não têm. Nem parece socialista”, respondeu Montenegro.

Pedro Nuno Santos insiste na regra prudencial do Banco de Portugal e o líder do PSD explica que esse limite é para empréstimos com as garantias tradicionais, no caso da habitação a hipoteca sobre casa comprada. Esta garantia, defende, é “excepcional” e não existe actualmente. Pedro Nuno Santos questiona esta leitura e diz que também é para haver um esforço da parte de quem pede o dinheiro emprestado que o Banco de Portugal. Montenegro contraria e diz que o objetivo é o de não haver incumprimento.

A recomendação do Banco de Portugal, a original é de 2018 e a versão mais recente é de 2020, estabelece um limite não de 80%, mas de 90% do valor para a concessão de empréstimo para a compra de casa para habitação própria. Se for para uma segunda residência, é que o limite ao crédito é de 80% do valor da casa ou do preço da aquisição. O indicador definido é o LVT, o rácio entre o montante total dos contratos a crédito garantidos por um determinado imóvel e o preço de aquisição ou o valor da avaliação do imóvel dado em garantia para o crédito.

O objectivo desta recomendação, diz o BdP, é reforçar a avaliação da capacidade creditícia dos clientes por parte dos bancosde modo a aumentar a resiliência do sistema financeiro, promovendo a sua capacidade de absorção de potenciais choques adversos”. O Banco de Portugal pretende também assegurar que “as famílias obtêm financiamento sustentável, minimizando o risco de incumprimento. Adicionalmente, com esta medida macroprudencial o Banco de Portugal pretende prevenir que o setor financeiro assuma riscos excessivos nos novos créditos celebrados com consumidores”.

Conclusão: o Banco de Portugal de facto recomenda aos bancos um limite ao crédito para a compra de casa, mas não são 80% (pelo menos para casa própria), mas 90% do valor da casa. Percentagem errada que o líder do PSD também deixou passar. Mas o principal objectivo dessa recomendação é, como diz Montenegro, evitar o incumprimento e assegurar a solidez dos bancos. Se o Estado cobrir a diferença, esse risco não se coloca.

 

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