Scripta
manent, claro. Mas a realidade nem sempre corresponde ou
correspondeu, as divergências de critérios e de opiniões dependem do ponto de
vista partidário e das vaidades pessoais. Um dia se saberá mais objectivamente,
nos escritos dos estudiosos, quando já nada dessas disputas pessoais for
significativo e apenas contarão as
consequências dos actos e as reacções do povo, na sequência da História…
As verdades, mentiras, dúvidas e enganos no duelo
entre Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro
O debate definitivo rumo às
legislativas pôs frente a frente Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro. Saúde,
habitação, salários e educação marcaram o duelo que analisamos em 8 fact
checks.
TEXTO de ANA SUSPIRO, BEATRIZ FERREIRA, MARINA FERREIRA E TIAGO CAEIRO
OBSERVADOR, 20
fev. 2024, 00:594
Índice
Novo
aeroporto. O PSD “salvou” o Governo de uma “trapalhada”?
Portugal foi
a terceira economia a crescer mais em 2022 e a que mais cresceu no último
trimestre?
Saúde.
Execução do investimento ficou abaixo do previsto nos governos do PS?
Crédito à
habitação. Proposta da AD contorna regra macroprudencial do Banco de Portugal?
Um quarto
dos alunos do ensino secundário em Portugal frequenta o ensino privado?
Reformas.
Costa cortou meia pensão?
Afinal, AD
quer salário médio de 1.750 euros em 2028 ou 2030?
Novo aeroporto.
O PSD “salvou” o Governo de uma “trapalhada”?
Luís Montenegro: “Foi com o espírito do
consenso que salvámos o Governo de uma trapalhada no aeroporto.”
Resultado: Esticado
O
líder do PSD estava a referir-se ao acordo feito entre o partido e o executivo
de António Costa para chegar a uma solução consensual para o novo aeroporto,
quando questionado sobre se vai procurar o apoio do maior partido da oposição
para a decisão que vier a tomar se formar Governo.
A pergunta ficou sem resposta, mas
Luís Montenegro aproveitou a deixa para cavalgar um tema que incomoda o rival,
a decisão do então ministro das Infraestruturas de aprovar em 2022 uma decisão
para o aeroporto que “fez tremer o Governo” e que era contrária à do
primeiro-ministro que tinha contactado o líder da oposição para construir uma
metodologia de consenso.
Há
dois momentos no acordo entre António Costa e o PSD sobre o futuro aeroporto. O primeiro acontece ainda com Rui Rio à frente do
partido e resulta do chumbo dado pelo regulador ao projecto do aeroporto
complementar do Montijo depois do parecer negativo dado por duas câmaras
comunistas. Meses antes, o PS tinha tentado mudar a lei que exige esta
condição no Parlamento, mas Rui Rio recusou dar a mão ao Governo minoritário
para alterar uma lei à medida de um caso concreto, apesar de não se opor à
opção Portela mais Montijo.
Este impasse resulta no primeiro
acordo no qual o Governo deixa cair o Montijo para realizar uma avaliação
ambiental estratégica a três opções, incluindo o Campo de Tiro de Alcochete
como substituto do aeroporto da Portela. É
neste contexto que surge um concurso internacional para escolher o consultor
que iria fazer essa avaliação.
O líder do PSD lembra a adjudicação (que nunca foi assinada,
contrapõe logo Pedro Nuno Santos) a uma consultora privada que tinha ligações à
operadora espanhola de aeroportos. E conclui que foi o PSD a dar a saída para o
imbróglio.
A
revogação de António Costa do despacho de Pedro Nuno Santos deu origem ao
segundo acordo já com Luís Montenegro à frente do partido e no qual é definida
a metodologia para chegar à solução, tendo sido acolhida a proposta do PSD de
ouvir os especialistas académicos. Daí saiu a comissão técnica independente
que apresentou um relatório preliminar com o Governo em gestão, deixando o
processo para o próximo Executivo.
Ou seja, o PSD de facto
aceitou negociar por duas vezes um acordo com os socialistas sobre o aeroporto,
e com dois líderes. Mas para Montenegro reivindicar ter salvo o Governo
da “trapalhada do aeroporto” era preciso que este tivesse conseguido tomar a decisão
(com o apoio dos social-democratas). Isso não aconteceu porque o Governo caiu.
Além de que surgiram dentro do PSD dúvidas sobre o relatório preliminar e a
credibilidade da comissão técnica que foi resultado do acordo. E Luís
Montenegro não se compromete agora com uma decisão em consenso com o PS. Já
Pedro Nuno Santos diz que vai procurar o consenso, “mas se ele não existir,
vamos avançar”.
Portugal foi a terceira
economia a crescer mais em 2022 e a que mais cresceu no último trimestre?
Pedro Nuno Santos: “Portugal foi a terceira
economia da UE que cresceu mais em 2022“.
Resultado: Certo
Pedro Nuno Santos: “No
último trimestre foi a primeira economia que mais cresceu na UE”.
Resultado: Errado
Pedro
Nuno disse que, em 2022, Portugal foi a terceira economia da UE que mais
cresceu e os dados compilados pelo Eurostat referentes a esse ano mostram que é verdade: com
um crescimento de 6,8%, foi apenas ultrapassado pela Irlanda (9,4%) e Malta
(8,2%).
Pedro
Nuno Santos poderá, eventualmente, ter-se enganado no ano a que se referia e em
vez de 2022 querer referir-se a 2023, mas nesse caso os dados mais recentes
revelados pelo Eurostat, a 15 de fevereiro, aquando da divulgação das projeções
de inverno, indicam que a conclusão não seria verdade: nesse ano, Portugal
teve, apenas, o quinto maior
crescimento da economia.
Foi ultrapassado por Malta (6,1%), Croácia (2,6%), Espanha (2,5%) e Chipre
(2,4%). Ainda assim, com 2,3%, esteve, como em 2022, acima da média europeia.
Mas como na afirmação Pedro Nuno Santos refere 2022, está correta.
A
segunda parte da afirmação de Pedro Nuno Santos refere-se ao último trimestre —
que será o quarto trimestre de 2023. E aí, os dados do Eurostat mais consolidados, revelados a 14 de fevereiro, já mostram que a informação do líder socialista está
errada. Nos
últimos três meses do ano o PIB português subiu 2,2%, abaixo da Eslovénia
(2,6%) e Chipre (2,3%). Mas ainda há países cujos dados não tinham sido
divulgados na altura (Malta, Luxemburgo, Croácia, Grécia e Dinamarca). De
qualquer das formas, não é verdade que Portugal tenha tido o maior crescimento
no último trimestre do ano.
Pedro
Nuno Santos poderia estar a referir-se a dados provisórios lançados pelo Eurostat no final de janeiro, mas que tinham por base uma
lista mais curta de países — aqueles que, à data, tinham revelado a informação.
Nessa lista, o crescimento de Portugal foi o mais elevado, mas a tabela não é a
final, pelo que os dados definitivos, que incluem todos os países, não apontam
para a mesma conclusão. Desta
forma, é falso que Portugal tenha tido o crescimento mais elevado da UE no
quarto trimestre do ano.
▲ Pedro
Nuno Santos e Luís Montenegro divergiram em praticamente todos os temas.
JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
Índice
Novo aeroporto. O PSD “salvou” o
Governo de uma “trapalhada”?
Portugal foi a terceira economia
a crescer mais em 2022 e a que mais cresceu no último trimestre?
Saúde. Execução do investimento
ficou abaixo do previsto nos governos do PS?
Crédito à habitação. Proposta da
AD contorna regra macroprudencial do Banco de Portugal?
Um quarto dos alunos do ensino
secundário em Portugal frequenta o ensino privado?
Reformas. Costa cortou meia
pensão?
Afinal, AD quer salário médio de
1.750 euros em 2028 ou 2030?
Saúde. Execução do investimento ficou abaixo do previsto nos governos do
PS?
Luís Montenegro: “Desde que entrou o governo do PS, em 2016,
as taxas de execução do que estava projectado no orçamento foram de 55% em
2016, de 43% em 2017, de 47% em 2018, de 49% em 2019, 61% em 2020, 100% em
2021, 43% em 2022 e 45% em 2023.”
Resultado: Praticamente certo
Luís Montenegro
referia-se ao investimento previsto em saúde no Orçamento de Estado. É verdade
que, apesar de inscrever, todos os anos, centenas de milhões de euros de
investimento, as taxas de execução ficaram, na maior parte dos anos, a menos de
50% das metas previstas. Os valores que Luís Montenegro
apresentou no debate frente a Pedro Nuno Santos são muito semelhantes aos dados
reais. Segundo
os dados da Conta Geral do Estado, da Direcção Geral do Orçamento, em 2016
estavam orçamentados 217 milhões de euros para investimento na Saúde mas só
foram executados 117 milhões (54% do total); já em 2017, foi gasto ainda
menos: apenas 111 dos 229 milhões inscritos no orçamento (isto é, apenas 48% do
total).
A partir
daqui o valor gasto em investimento iniciou uma trajectória ascendente. Em 2018, foram gastos 140 milhões de euros, 49% dos 284 milhões
previstos. Em
2019, o governo liderado por António Costa tinha intenção de investir 325
milhões na saúde, mas, mais uma vez, a execução ficou por metade da meta (159
milhões, 49%). Em 2020, ano de pandemia, o governo executou apenas 53% (o
equivalente a 265 milhões de euros) em relação aos 498 milhões executados, um
valor até abaixo do referido por Luís Montenegro. Em 2021, foram executados apenas 42% (289 milhões) dos 693 milhões
inscritos. Em 2022, registou-se nova quebra do investimento em saúde: 230 milhões
euros, apenas 45% dos 509 milhões previstos. Para 2023, ainda não existem dados.
Crédito à habitação. Proposta da AD contorna regra macroprudencial do Banco
de Portugal?
Pedro Nuno
Santos: “O Banco de Portugal faz uma recomendação de apenas conceder crédito à
habitação em 80%. O que é que o PSD diz? Nós vamos garantir os 20% da entrada?
Mas quem é que vai dar os restantes 20%? Tem de ser um empréstimo. Se não é o
Estado é um banco. Só que isso é contrariar a regra macroprudencial que o Banco
de Portugal recomendou a todos os bancos”.
Resultado:
Enganador
Em jogo está uma proposta da AD para uma garantia do
Estado que cubra a diferença entre o financiamento bancário para a totalidade
do preço de aquisição da primeira casa. Pedro Nuno Santos defendia-se da
acusação do adversário de ter feito uma proposta “irresponsável e aventureira”
de uma garantia pública a 100% para a compra de casa. Começando por afirmar que
o programa não diz que a garantia é a 100%, o que é verdade, e que a medida tem
de ser “modulada”, o líder do PS passa ao ataque. Acusa Montenegro de decidir
mal quando propõe cobrir o que falta do financiamento bancário face ao valor
total da casa.
“O Banco de Portugal faz uma recomendação de 80%.
Vamos garantir os 20% que faltam”, diz Pedro Nuno Santos porque quem empresta o
resto são os bancos.
Para Pedro Nuno Santos isso é “contornar a regra
macroprudencial que o Banco de Portugal recomendou a todos os bancos. E essa
recomendação é de que o crédito à habitação seja de 80% para que fique uma
parte para proteger o futuro”.
“São políticas públicas, meu caro. É intervir para dar
às pessoas uma acessibilidade que elas não têm. Nem parece socialista”,
respondeu Montenegro.
Pedro Nuno
Santos insiste na regra prudencial do Banco de Portugal e o líder do PSD
explica que esse limite é para empréstimos com as garantias tradicionais, no
caso da habitação a hipoteca sobre casa comprada. Esta garantia, defende, é
“excepcional” e não existe actualmente. Pedro Nuno Santos questiona esta
leitura e diz que também é para haver um esforço da parte de quem pede o
dinheiro emprestado que o Banco de Portugal. Montenegro contraria e diz que o
objetivo é o de não haver incumprimento.
A recomendação do Banco de Portugal,
a original é de 2018 e a versão
mais recente é de 2020, estabelece um limite não de 80%, mas de 90% do valor
para a concessão de empréstimo para a compra de casa para habitação própria. Se for para uma segunda
residência, é que o limite ao crédito é de 80% do valor da casa ou do preço da
aquisição. O indicador definido é o LVT, o rácio entre o montante total dos
contratos a crédito garantidos por um determinado imóvel e o preço de aquisição
ou o valor da avaliação do imóvel dado em garantia para o crédito.
O objectivo
desta recomendação, diz o BdP, é reforçar a avaliação da capacidade creditícia
dos clientes por parte dos bancos “de modo a aumentar a resiliência do
sistema financeiro, promovendo a sua capacidade de absorção de potenciais
choques adversos”. O Banco de Portugal pretende também assegurar que “as
famílias obtêm financiamento sustentável, minimizando o risco de incumprimento.
Adicionalmente, com esta medida macroprudencial o Banco de Portugal pretende
prevenir que o setor financeiro assuma riscos excessivos nos novos créditos
celebrados com consumidores”.
Conclusão: o Banco de Portugal de facto recomenda aos
bancos um limite ao crédito para a compra de casa, mas não são 80% (pelo menos
para casa própria), mas 90% do valor da casa. Percentagem errada que o líder do PSD
também deixou passar. Mas o
principal objectivo dessa recomendação é, como diz Montenegro, evitar o incumprimento
e assegurar a solidez dos bancos. Se o Estado cobrir a diferença, esse risco
não se coloca.
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