O tacho
Dos feijões, mas não se deve esquecer que nele o João Ratão
morreu por avidez...
Os pupilos de Pedro Nuno
50
anos depois, Pedro Nuno
Santos destruiu
o PS de Mário Soares, na imagem e na memória que tínhamos dele. Agora, é o
tempo dos flibusteiros. Morreu a passada grandeza e foi a enterrar.
JOSÉ
RIBEIRO E CASTRO Advogado e cidadão
OBSERVADOR,
11 fev. 2024, 00:1747
Estava
escrito, desde a noite eleitoral nos Açores, domingo passado. Pedro Nuno
Santos disse e mandou dizer. Vasco Cordeiro acatou: o PS vai votar contra o
governo Bolieiro saído destas últimas eleições regionais. Este voto é sinal
do sentimento que, domingo, era evidente em rostos socialistas: ressabiados.
Quatro dias até à quinta-feira da decisão política não chegaram para o PS
digerir a derrota. Por isso, mobilizou-se para impedir o novo governo regional
de poder sequer começar o mandato.
O
mesmo voto de preconceito e reprovação é sinal da dependência e fidelidade dos
dirigentes socialistas açorianos ao reitor no Largo do Rato, em Lisboa. No seu
anúncio, fugiu a boca para a verdade a Vasco Cordeiro, quando disse que «há
política nacional a mais e Açores a menos na gestão da situação resultante das
eleições de 4 de fevereiro.» Foi tímido, porém, e falso, ao imputar a
“política nacional a mais” à coligação PSD/CDS/PPM. Certamente
pensava na actuação do PS e do Chega: política nacional a mais, Açores a menos.
A unanimidade anunciada é a inconfundível assinatura da obediência – obediência
férrea à reitoria nacional.
O
mesmo voto contra o novo Governo Bolieiro é, ainda, a confirmação pública que
faltava da objectiva concertação estratégica que existe entre PS
e Chega, no país. O Chega
dá jeito ao PS para criar problemas ao centro e à direita, dificultando-lhe a
formação e sustentação de governos e perturbando-lhe o campo de acção. E o PS, na forma por que escolhe governar
e ao deslocar-se para a esquerda radical, também dá jeito ao Chega: facilita a
vida ao populismo.
Esta
aliança objectiva é fenómeno conhecido, analisado desde há muitos anos em
França, com Mitterand no PSF e o Front National de Jean Marie Le Pen. Depois,
viu-se noutros países, após a nova maré dos populismos emergir. Em Portugal, a
dança PS/Chega tem momentos notórios. Não é uma
valsa; mais um tango, com requebros bruscos e, às vezes, aquela sonoridade
dramática. Faz lembrar
um clássico – La Cumparsita –,
soando à relação entre comparsas. Em 22 de Março de 2023, surgiu muito
evidente num debate parlamentar com o primeiro-ministro António Costa, na
interpelação que o deputado André Ventura lhe fez. Neste pequeno vídeo de
dois momentos identificarão por certo o mesmo que eu vi: cumplicidade.
Não está ali a relação de dois políticos que se diabolizam ou rejeitam. Mas
cumplicidade humana, genuína, transparente. O marco que faltava é este,
agora, nos Açores. Pedro Nuno encomendou, Vasco Cordeiro entregou. O Chega logo
inchou, a seguir, para querer chegar onde nunca estivera.
Vasco
Cordeiro mostra continuar infectado pelo erro de leitura (à direita) das
eleições nacionais de 2015 (como várias vezes tenho chamado a atenção) e que
ele também cometeu nas regionais de 2020 – e insiste. É o vírus da confusão
de eleições legislativas com eleições municipais – nestas, ganha o mais votado;
naquelas, não necessariamente.
Disse,
agora, o secretário-geral dos socialistas açorianos: «quando o
PS-Açores vence as eleições, como aconteceu em 2020, o Chega serve ao
PSD-Açores para tomar o poder.» São vários erros de
palmatória: o PS-Açores foi o mais votado em
2020, mas não venceu as eleições. Nessa eleição, formou-se uma maioria
parlamentar à direita, que, em caso algum, permitiria ao PS governar. PSD, CDS
e PPM, nesse contexto, formaram uma coligação de governo, que, por outros
acordos parlamentares, teve o apoio para governar até recentemente.
Isto
é muito comum nos regimes de governo com responsabilidade parlamentar. Em
Portugal, aconteceu em circunstâncias diferentes, a nível nacional e nas
Regiões Autónomas. Foi logo o I Governo Constitucional, de Mário Soares, em
1976/77. Foi o X Governo Constitucional, de Cavaco Silva, em 1985/87, que
governou enquanto dispôs da tolerância do PRD. Foi o XIII Governo
Constitucional, de António Guterres, em 1995/99, que governou toda a
legislatura em minoria, com tolerância de CDS e PSD. E foi o XVIII Governo
Constitucional, de José Sócrates, em 2009/11, que governou em minoria até ao
chumbo parlamentar do chamado “PEC 4”. Na Madeira, há o ainda actual Governo,
viabilizado por um acordo parlamentar. E, nos Açores, foi o Governo Regional,
de Carlos César, que governou em minoria toda a legislatura de 1996/2000,
graças sobretudo ao favorecimento parlamentar do CDS.
Vasco Cordeiro sabe-o muito bem. Só finge que não sabe. Por isso, é
a si mesmo que cabem inteiramente as palavras que disparou contra o PSD: é a posição dos
socialistas que «é não só politicamente ridícula, como intelectualmente
obtusa, desonesta e insultuosa.»
Treslê ainda a realidade, quando
acusa o PSD de «arrogância, ao não querer ceder à chantagem do Chega, mas
considerar que o PS-Açores está obrigado a ceder à chantagem do PSD-Açores.» Não é assim. A “chantagem” apenas fez brilhar os olhos dos
socialistas, azedos com a derrota. Por
isso, foi o PS que decidiu ceder e aderir à chantagem do Chega, procurando dar-lhe a potência política que, sozinha,
não tem. Só o PS podia fazê-lo – e foi isso que escolheu fazer:
dar força ao Chega. As
palavras que Vasco Cordeiro usa não podiam ser mais claras do pensamento que
esconde: o seu compincha e instrumento é o Chega.
Cordeiro
justificou, ainda, que viabilizar o governo AD significaria que «o
principal partido da oposição seria o Chega e o PS seria a muleta da coligação»,
levando à «subversão total e absoluta da vontade dos açorianos». Cordeiro
só pode estar a brincar connosco. Ecoa todas as linhas da cartilha de Pedro
Nuno Santos, que, nem de propósito, as repetiu no debate com Rui Tavares,
anteontem, exibindo de quem é o senhorio da cartilha açoriana.
Viabilizar pela abstenção a investidura de um governo sem maioria
absoluta não significa deixar de ser oposição. Nem
sequer impede quem se absteve de liderar a oposição, se o quiser e sempre que o
quiser. Há mil e um instrumentos para assinalar oposição e liderança da
oposição, sem com isso derrubar o governo. Com a abstenção apenas se protege a
democracia, deixando governar quem ficou em melhor posição. Todos os exemplos
que dei acima de governos com maioria relativa são exemplos disso mesmo.
Vasco
Cordeiro finge ser um menino aprendiz: acrescentou
que viabilizar o governo Bolieiro criaria a «obrigação política de
viabilizar igualmente os orçamentos anuais e os planos de investimento do
governo.» Isto não é mesmo verdade, não há quem o não saiba. A
cada orçamento e plano abre-se nova oportunidade política, novo momento
definidor, em que tudo depende da capacidade negocial do governo e das
circunstâncias políticas gerais. Todos guardam a sua liberdade. Foi sempre
assim. É sempre assim.
O
que é invulgar, Vasco Cordeiro sabe-o bem, é inviabilizar uma legislatura
inteira ou incliná-la para os extremos. Isso
é que corresponde à subversão total e absoluta da vontade dos açorianos.
Ninguém pode levar a sério o líder do PS-Açores, que não tem argumentos. O seu
único argumento não é açoriano; é Pedro Nuno.
Aqueles que querem defender a
democracia do populismo radical ficaram a saber, de uma vez por todas, que não
podem contar com este PS. Este PS só se afasta dos populistas se for ele a
governar; e governa tão mal, tão mal que, afinal, os alimenta.
A posição de Pedro Nuno Santos é o que este movimento “açoriano”
mostra: a deliberada liquidação do Centro político, espaço aberto. O PS, em 2015, derrubara o “muro mental” à
sua esquerda. Agora, o PS faz mais: agarra nesse muro que estava à esquerda e
coloca-o em cima do Centro. O Centro, no nosso sistema político, deixa, assim,
de ser um espaço de relação, de diálogo, de possível concertação; passa a ser
fractura, muro de antagonismo radical, um fosso em que tudo é feito impossível
e se afunda. Foi isso que Pedro Nuno Santos mandou Vasco Cordeiro fazer; e
este, qual cordeiro, fez.
Terá imensas consequências para o
regime. Enquanto assim for, o PS não será mais aquele “partido
da democracia” que concitava ampla simpatia, mesmo fora dos seus partidários. O
PS será apenas o partido dos seus interesses, em que já se vinha transformando.
Diversamente daquele partido na linha da frente contra todos os extremismos,
que marcou o prestígio nacional consolidado em 1975, servir-se-á dos
extremismos sempre que lhe convenha. 50 anos depois, Pedro Nuno Santos destruiu
o PS de Mário Soares, na imagem e na memória que tínhamos dele. Agora, é o tempo
dos flibusteiros. Morreu a passada grandeza e foi a enterrar.
Se
eu estivesse na posição da coligação PSD/CDS/PPM nos Açores, não estaria muito
preocupado. Continuaria na linha que José Manuel Bolieiro anunciou na noite
eleitoral: a AD apresenta-se na Assembleia com um governo e um programa, para
governar durante a nova legislatura em maioria relativa. É esse mandato que
recebeu; é esse mandato que deve cumprir. Se houver partidos da oposição que
queiram sabotar e derrubar logo o governo, terão de assumir essas
responsabilidades. Normalmente, os eleitores não gostam. Punem.
A AD não tem de atacar o PS, nem o
Chega. A AD não tem de atacar ninguém. Tem de seguir o
seu mandato, apresentar suas ideias e executar suas propostas. Só deverá
responder a ataques que lhe façam, mas a sua agenda não é a zaragata. A sua
agenda é o seu programa e o trabalho pelos Açores e com os açorianos. A AD tem
de ser diligente no cumprimento e na solicitude.
Ouvimos
o PS, veremos o seu voto na Assembleia. Do Chega já escutámos de tudo:
que sim, que não, que talvez. Do líder
regional, ouvimos desde «conversas informais» (desmentidas) à
exigência de entrar no governo com simultâneo afastamento dos membros do CDS e
do PPM (sem dúvida, o sinal de “maturidade” e “credibilidade”); e do líder
nacional, a garantia peremptória ao Expresso: «O Chega nunca se juntará ao PS.» Já
sabemos: do Chega só é verdade o que faz. Se, na hora de votar o programa, PS e
Chega, de braço dado, chumbarem o governo, este seguirá em gestão. Vasco
Cordeiro e José Pacheco talvez se abracem, juntos com o BE. Será um momento
marcante para todos vermos: PS/Chega/BE, unidos venceremos.
Quando
chegarem as próximas eleições, agora ou mais tarde, serão os açorianos a
ajustar contas. Desde 2012, o PS-Açores tem vindo sempre a descer: 31
deputados… 30… 25… 23. Talvez venha a ganhar 21 ou, quem sabe, 19. A glória da
parceria com Chega e BE frutificará.
COMENTÁRIOS:
Américo Silva: Não há pior vício do que a
soberba, podem mandar emoldurar, e foi com alguma soberba que o PSD e muitos
festejaram a vitória nos Açores pondo de lado o Chega. Alexandre Barreira: Pois. Até já estou a ver
a......"malguinha". No dia 10 de Março....! Fernando
Prata: Excelente
artigo, que mais uma vez põe a nu a mediocridade, a todos os níveis, dos
principais actores políticos do PS. Ouvir Pedro Nuno Santos (PNS) é mais
doloroso que ouvir Costa (se é que é possível!). Costa dizia tudo e o seu
contrário. PNS não sabe dizer nada. Elizabeth
Coelho: Acho extraordinário como os políticos não se preocupam em governar a sério
em prol da sociedade em vez de defenderem o seu quintal miserável. Gostei do
seu artigo. Obrigado Carlos
Quartel: Os eleitores do Chega são açorianos como os outros. Não é por tentar
ignorá-los que eles desparecem. Mais, o modo de responsabilizar o Chega é tratá-lo
como qualquer outro partido. E não venham com a conserva de anti
democrático. Quem convive com partidos comunistas, não tem moral para chamar
anti democrático a ninguém. João Floriano: A questão açoriana vem provar
inequivocamente o facto de quando o PS não ganha e não consegue governar, mais
ninguém pode. José Ribeiro e Castro anda bem ao analisar este comportamento do
PS tanto nos Açores como na República. Comete contudo o erro de ao «atacar» o
PS querer também matar outro coelho com a mesma cajadada, o CHEGA, que
erradamente coloca como aliado do PS. A estratégia de Miterrand em relação à
extrema-direita francesa deu o resultado que sabemos: demorou mas eles estão
aí. Então não se cometam os mesmos erros. O empoderamento do CHEGA não é obra
do PS, antes pelo contrário. É obra dos portugueses, os mesmos que têm
vindo a perder o interesse no CDS. José Ribeiro Castro não deve ter
certamente um jardim ou um a horta para cuidar. Devemos separar as ervas que
não nos interessam de plantinhas que já estão a crescer e que queremos
que dêem fruto. Eu por exemplo vou ter cuidado e salvar os inúmeros pés de
tomateiros que já estão a nascer no meio da erva. Será uma atitude muito
mais razoável e não direi inteligente porque tenho este senhor por uma boa
cabeça pensante, considerar que o eleitorado não acredita, não compra essa
versão de PS e CHEGA dançando o mesmo tango. Pense que o CHEGA é a força
política que vai tornar possível afastar a esquerda, trazer o PSD de novo para
o governo, retirar o CDS do ventilador e dar-lhe uma nova oportunidade e
permitir que o IL ponha em prática algumas das suas boas ideias liberais. é
isso que o CHEGA representa: a oportunidade de união contra a esquerda e
não de divisão como um artigo destes fomenta. Desta vez José Ribeiro e
Castro comete um erro de apreciação. Cisca
Impllit: Estes socialistas, se mordessem a língua, morriam Carlos Chaves: Caríssimo José Ribeiro e
Castro, acho que este seu artigo é um dos melhores artigos de análise política
que li ultimamente, sobre a nossa política actual! Muito obrigado! “Aqueles que
querem defender a democracia do populismo radical ficaram a saber, de uma vez
por todas, que não podem contar com este PS. Este PS só se afasta dos
populistas se for ele a governar; e governa tão mal, tão mal que, afinal, os
alimenta.” Sugira por favor este seu magistral pensamento, para um ”outdoor” da
AD nas rotundas de Portugal!
Paulo Valente: Excelente artigo!
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