Aproveito esta da
avozinha para recordar o meu pai, que cantava ao som da sua viola:
«Animais
e criaturas Vivem todos com afinco Não é
precisa a fechadura Fica a porta só no trinco…
«Na
minha aldeia Não há ódios mas estimas Tem-se amor pela vida alheia Tudo são primos e primas Sem ambições cada qual seu pão granjeia À noite há serões À luz da candeia»
Outra, que tem a ver com a designação avozinha – o termo
em questão - reporta-se à “MADRINHA DO CARREGAL”, minha avozinha materna, e as
suas afinidades com a citadina LILI CANEÇAS: nunca admitiu que a apelidassem com
essa designação absurda de avó; madrinha com muita honra é como ficou para
todos. A avó da minha prima Celeste ficou para sempre “mãe” , “Mãe Maria”, no
Carregal também havia relutância, tal como em Cascais a respeito desse nome de
velharia. Talvez por ser terra de lindas moçoilas, pelo menos as dos Brazes e
dos Rebelos, “avó” sendo designação definitivamente passadiça, que a vida é
bela, prolonguemo-la sem estereótipos.
Para mais, estamos no Carnaval,
divertamo-nos com o episódio da evocação de JOSÉ DIOGO QUINTELA, que tem a ver
com uma avozinha e a epístola que a tornou famosa na fala da neta, numa de famílias
a que me associo neste Carnaval, lembrando o meu Carregal, sem documentos
importantes à vista.
Sobressalto à vara
A missiva que a avó poderia ter
recebido, é uma formulação política para o argumento adolescente conhecido como
“se a minha avó tivesse rodinhas era uma trotinete”.
JOSÉ DIOGO QUINTELA Colunista do Observador
OBSERVADOR, 13
fev. 2024, 00:207
A literatura epistolar tem uma grande
tradição no nosso país. Desde a Carta de
Pêro Vaz de Caminha a D. Manuel até às Cartas
do Padre António Vieira. Porém, atrevo-me a arriscar que a mais conhecida
obra deste género são as pungentes Cartas
Portuguesas, que soror Mariana
Alcoforado, uma freira portuguesa do séc. XVII, terá enviado ao seu
apaixonado, o Marquês de Chamilly. Quer dizer, a mais conhecida obra deste
género até agora. É que, desde a semana
passada, a correspondência mais famosa da literatura portuguesa passou a ser a
trocada entre a avó de Mariana Mortágua e o seu senhorio sobre o contrato de
arrendamento.
Segundo a autora, trata-se de uma carta hipotética que a sua avó poderia,
eventualmente, se tivessem sido reunidas determinadas condições que à partida
não se punham, ter vindo a receber. Um cenário impossível cuja mera sugestão de
possibilidade em abstracto foi suficiente para sobressaltar a idosa. Ou seja,
na realidade nem se trata de literatura epistolar, mas sim de literatura epistoléria, na medida em que foi
tudo uma grande treta e a tal carta
nunca chegou. Se as cartas de amor são ridículas, as cartas de
senhorios fantasiadas são o quê? Tema de crónica humorística, graças a
Deus.
Em desespero de causa, há políticos
conhecidos por jogarem a carta da família. No debate com Luís Montenegro,
Mariana Mortágua sentiu-se ainda mais acossada e jogou a carta da carta da
família. Não a censuro. Também já usei a minha avó como desculpa,
inventando um aniversário para não ter feito os TPC. Mortágua não se preparou para o debate, teve de recorrer à avó.
Fê-lo alegando a missiva que a avó poderia ter recebido, que é uma formulação
política para o argumento adolescente conhecido como “se a minha avó tivesse rodinhas era uma trotinete”.
Percebo a intenção de Mortágua. Não
estava a referir-se mesmo à sua avó, mas às
avós portuguesas em geral. É como o Doce d’Avó dos restaurantes.
Sabemos que não foi mesmo a avó do proprietário que esteve a triturar a bolacha
Maria para misturar com o leite condensado. Não é preciso. Até porque isso não
altera em nada o facto de a mistela ser demasiado enjoativa.
É um artifício
retórico perfeitamente aceitável. Um arquétipo, como aquela recém-licenciada, engendrada pela IL, que
tem de emigrar para fugir aos impostos. Ou o mandrião de perfeita saúde que arrebanha vários subsídios e não
trabalha, criado pelo Chega. Ou o utente
apontado nos comícios do PS, que tem a felicidade de ter casa barata, apanhar a
urgência sempre aberta, de ter médico de família, o filho numa escola pública
onde não chove e os professores não faltam, que só anda de autocarros que nunca
se atrasam.
Como os outros partidos, o Bloco
imaginou esta personagem. Podia ter corrido melhor, mas foi apanhada. Talvez
tenha exagerado. Fugiu-lhe o pé para o clichênelo. Ainda esperei que Mariana Mortágua se justificasse com “a carta só
não chegou porque a direita privatizou os CTT, que agora estão uma porcaria”,
mas não foi capaz desse golpe de asa. Há a falácia do homem de palha, esta é a
do farto de palha: Mortágua tomou-nos a todos por burros.
Mas não consigo levar-lhe isso a mal.
Também uso o mesmo estratagema. A diferença é que invento personagens e
atribuo-lhes comportamentos ridículos estereotipados, enquanto Mariana Mortágua
inventa comportamentos odiosos estereotipados. É por isso que, enquanto contava
a sua historinha (e nas vezes em que já veio explicar a aldrabice), se fartou
de dizer que era uma lei cruel. Cruel, cruel, cruel.
Ora, uma lei cruel não é uma mera má
lei, é uma lei má. É perfídia legislativa, feita de propósito para aleijar.
Vejamos, quando se usa “cruel” para caracterizar alguma, normalmente é porque
há malvadez associada. Por exemplo, D. Pedro I era “O Cruel”. Recebeu
esse cognome pela forma como se vingou dos assassinos de Inês de Castro
(mandando arrancar-lhes o coração e servindo um banquete ao mesmo tempo), mas
também por outras marotices, que incluíram capar um escudeiro que lhe
desagradou. E Cruella de Vil, que queria esfolar uma ninhada de dálmatas para
fazer um casaco de peles? Já para não falar da personagem da canção “És cruel”,
dos Ena Pá 2000, que meteu a sua filha num bordel e enforcou o seu caniche com
cordel? Cruel não é ápodo que se use
de ânimo leve. É a esta companhia malévola que Mariana Mortágua junta o PSD e o
CDS. D. Pedro e os algozes, Cruella e os cachorrinhos, Manuel João Vieira e o
caniche, Montenegro e os velhos. Todos sinistros torcionários.
Montenegro
e a AD não são adversários, são inimigos. Representam o Mal e o Bloco não está
a disputar eleições com ele, está a combatê-lo para salvar Portugal. O que
levanta a questão: se é esse o caso, não estarão a fazer pouco? Quer dizer,
estamos perante a maldade em estado puro, perante a destruição iminente de tudo
o que é bom e justo e belo, e o que é que o Bloco anda a fazer? A anunciar
medidinhas nos salários? Restrições no alojamento local? Dedicação exclusiva no
SNS? Isso é tudo muito lindo, mas ao pé dos enviados de Satanás são bagatelas.
É como se Luke Skywalker e Han Solo, em vez de se concentrarem em destruir a
Estrela da Morte, andassem entretidos a fazer arruadas em Tatooine ou a
prometer aumentos de 3% nas pensões dos Ewoks. Para combater o mal, basta combater o mal. E evitar dispersar
energia com outras lutinhas. Não se percebe a atitude do BE.
A não ser que, como a carta, a
“crueldade” também seja aldrabice. Confesso que dessa não estava à espera.
COMENTÁRIOS (de
24):
GUSTAVO LOPES Texto assombroso!!! Se havia dúvidas
sobre quem era o número 1 no escárnio a nível Nacional, hoje elas
desapareceram!!! Obrigado, Caro ZDQ!!! Continue com esta sua capacidade
cirúrgica de análise da realidade, para nos fazer sorrir com aquilo que nos
devia fazer bradar aos céus!!! Grande abraço. JOHN MARTINS: Ainda bem que esta humorística
crónica saiu depois da tirada da Mariana. Senão os estragos teriam sido maiores
e com algum requinte. De qualquer modo,
quando a jornalista lhe perguntou de chofre, se estava preocupada por perder o
grupo parlamentar nos Açores...ela andou alí aos papéis até se recompor, até
que encontrou a estorieta da avó...e lá se safou. Ainda
hoje andamos a falar nas avós, mesmo que não tenham recebido carta nenhuma do
senhorio... Fernando
Cascais: Fantástico, uma crónica cruel para Mariana Mortágua. Lembrei-me agora do
Don’t BE Cruel, uma canção do Che Guevara onde suplicava para não tratarem mal
o verdadeiro coração das avós. Mas, avós há muitas, e Mortágua como boa
representante do povo trabalhador deve ter muitas que vão morrendo na medida
que vão sendo utilizadas para justificarem as faltas ao serviço, deixando,
obviamente, o patrão cruel desconfiado e a perguntar: Patrão cruel: - Epá, mas
afinal quantos avós é que você tem? Já vai no sétimo funeral do seu avô nestes
últimos dois anos. Funeralista de avós: - tenho 4 originais e 12 por afinidade
devido aos diversos casamentos que entretanto os meus pais vieram a ter depois
de se divorciarem; a minha mãe um e o meu pai dois, só que, entretanto, os meus
padrastos também se divorciaram e voltaram a casar e eu adoptei os avós dos
cônjuges dos meus padrastos e madrastas totalizando assim 12 avós extra. É por
isso que se diz que avós há muitos e Mortágua não especificou bem o avô e é
importante não esquecer que o seu pai Camilo (para não haver dúvidas) foi
embarcadiço. Além disso com a maior longevidade dos portugueses hoje em dia,
aqui por Cascais já não usamos apenas o termo tia para identificar os pais dos
nossos amigos, usamos também a palavra avô carinhosamente. Se eu for até à Boca
do Inferno beber um chá de limão e gengibre com o filho do Salgado a casa do
pai, vou cumprimentá-lo com um respeitoso avô Ricardo. O mesmo se passa com a
Lili Caneças quando a encontro na Sacolinha a comer um pastel de nata e a
cumprimento simpaticamente: - Olá avó Lili Caneças, como tem passado. Ao que
ela responde: - Aí que horror, não me trate por avó, ainda vão pensar que é verdade…
sinceramente Fernando.
bento guerra: Uma peça digna
de Terça-feira de Carnaval. Que não é o "dos animais" como
o de Saint -Saens, mas das Mortáguas. Até às lágrimas.. Ainda bem que
esta humorística crónica saiu depois da tirada da Mariana. Senão os estragos
teriam sido maiores e com algum requinte. De qualquer modo, quando a jornalista
lhe perguntou de chofre, se estava preocupada por perder o grupo parlamentar
nos Açores...ela andou alí aos papeis até se recompor, até que encontrou a
estorieta da avó...e lá se safou. Ainda hoje andamos a falar nas avós, mesmo
que não tenham recebido carta nehuma do senhorio...
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