terça-feira, 3 de dezembro de 2024

Cinco anos depois

 

E tudo se recompõe, o mundo feliz com a reconstrução da beleza, vinda do passado, os homens honrados do presente a participarem, devidamente, no destaque dessas glórias, pelo presente consciente. Uma dúvida se me põe, a respeito da presença ou não de Putin, no evento, ele que é mais votado à desconstrução.

Trump anuncia viagem a Paris para a reabertura da catedral de Notre-Dame

Donald Trump faz a sua primeira viagem ao estrangeiro após a sua reeleição, e deixa elogios a Macron: "Fez um trabalho notável para garantir que Notre-Dame seja restaurada em toda a sua glória"

AGÊNCIA LUSA: Texto

OBSERVADOR, 03 dez. 2024, 08:

A catedral de Notre-Dame de Paris foi parcialmente devastada por um incêndio em 15 de abril de 2019 - CHRISTOPHE PETIT TESSON / POOL/EPA

O Presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou que vai assistir, no sábado, à reabertura da catedral de Notre-Dame, em Paris, onde são esperados cerca de 50 chefes de Estado e de Governo.

“Tenho a honra de anunciar que vou viajar para Paris, França, no sábado, para assistir à reabertura da magnífica e histórica catedral de Notre-Dame, que foi totalmente restaurada”, escreveu, na segunda-feira, o republicano na sua rede social Truth Social.

Esta será a primeira viagem de Trump ao estrangeiro desde a vitória nas eleições presidenciais de 5 de novembro.

A catedral de Notre-Dame de Paris, obra-prima da arte gótica do século XII, foi parcialmente devastada por um incêndio em 15 de abril de 2019.

O incêndio, cujas causas ainda não foram determinadas, desencadeou um fluxo de donativos para reconstruir o edifício, situado no coração de Paris e um dos monumentos mais visitados da Europa.

“O Presidente [francês] Emmanuel Macron fez um trabalho notável para garantir que Notre-Dame seja restaurada em toda a sua glória e muito mais”, elogiou Trump.

Vários líderes estrangeiros foram convidados para a reabertura, mas a lista oficial dos presentes ainda não foi divulgada.

DONALD TRUMP     ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA     AMÉRICA     MUNDO     PARIS    FRANÇA        EUROPA

COMENTÁRIOS:
Maria Paula Silva: Mais uma notícia mal dada e que não menciona o principal: O Concerto de Reabertura da Catedral de Notre Dame de Paris, a 7/12/2024, vai ser dado às 22h na RTP2.          Liberales Semper Erexitque > Maria Paula Silva: Já ficou na agenda do Liberales, cortesia da Maria Paula! Vamos lá ver é o que entendem eles por "música pop"! O gosto francês era fiável e reputado, mas nos dias de hoje...              Maria Paula Silva > Liberales Semper Erexitque: Ainda bem que lhe foi útil! acho que vai valer pelo espectáculo todo em si. Tb estou curiosa com o tipo de música, não ficaria mais bonito música clássica ou Cânticos Gregorianos? Encontrei agora uma notícia onde se pode ler: "Mistura de canto lírico, de música clássica e de interpretações mais contemporâneas, este concerto reunirá os parisienses em torno do monumento emblemático para várias horas de animação ininterrupta no átrio do monumento.Entre os intérpretes, destaca-se o magistral venezuelano Gustavo Dudamel, que dirige a Orquestra Filarmónica da Rádio França. Haverá também uma série de génios musicais, incluindo o pianista chinês Lang Lang e Benjamin Bernheim. Quanto à parte mais “popular” do cartaz, os rumores de Paul McCartney e Pharrell Williams têm sido muito frequentes, mas o espetáculo contará com Vianney, Garou e Clara Luciani, bem como com Angélique Kidjo, Hiba Tawaji e o DJ francês Michael Canitrot."                Liberales Semper Erexitque > Maria Paula Silva: Parece-me algo como variedades de luxo na catedral, piscar de olho ao "grande público". Mau não será.        Maria Paula Silva > Liberales Semper Erexitque: sim, parece isso. Mas vou ver, deve ser um grande espectáculo.

FUI AMIGA DA AVÓ E DO PAI


E também do avô e do tio, lá em África, fui explicadora da neta KÁTIA - já nessa altura esperta e travessa – cá em Portugal, os seus comentários leio-os com alegria. Como este - Uma linda homenagem espirituosa e meiga da filha ao pai – o JOSÉ JOÂO do tempo dos meus filhos mais velhos, que a vida ceifou, no nosso espanto.


Katia Reis:

«10 h

Todos os meses a família Reis fazia o "rancho"...um evento peculiar que consistia em fazer compras de uma quantidade enorme, no Cascaishopping, seguido de jantar no mesmo local (rezando para que as coisas não descongelassem).

No Continente, após reunir tudo que era preciso num carrinho, cheio até ao cimo, a família Reis ia para a fila de pagamento (notar que não havia filas rápidas, nem de self-service, tendo que esperar a nossa vez e falar com seres humanos).

Numa dança coreografada, umas punham os artigos no tapete, enquanto outras esperavam na outra ponta para empacotar. Enquanto isso, o Reis falava com quem estava na caixa, habitualmente mulher...

"Então...a senhora é do Benfica, claro?!"

"Porquê?!"

"Ora....tem uma camisola vermelha!"

"É a minha farda"

"Ahhh... não diga isso... É obrigatório todas as mulheres serem do Benfica!"

"Ah! Como assim?!"

"Pois claro... dão à luz, não é às antas, nem alvalade"

(Risos nervosos)

"E além disso...deve ser católica...certo?"

"Hmm....sim"

"Então...Jesus reencarnou... não esverdeou nem azulou!"

(Risos mais nervosos)

"Estou a brincar consigo! Obrigada... quanto lhe devo?"

Era isto...

Todos...os...meses. 💕

Happy Birthday Daddy!

 

Janela da constância


Exibicionista, a acrescentar à da indiscrição televisiva habitual, que entra no seu jogo, por impertinência coscuvilheira, talvez, todos nós amantes da janela.

Menino! Já não estás à janela com o teu cabelo à lua

Os republicanos resistiram a tiros, Ventura acagaçou-se ao primeiro “tira!”. Onde estaria agora o nosso país se fosse esta a fibra dos líderes que se mostram à janelas?

JOSÉ DIOGO QUINTELA Colunista do Observador

OBSERVADOR, 03 dez. 2024, 00:165

A janela tem tido uma participação frequente e não despicienda na história de Portugal. Mais até do que a porta, presente em episódios fulcrais como a tomada de Lisboa aos mouros (Martim Moniz entalou-se numa) ou a fuga da família real para o Brasil (D. João VI era burro como uma), a janela é o elemento arquitectónico por excelência da portugalidade. Foi numa janela do Paço Real que, depois de fazer a folha ao Conde Andeiro, o Mestre de Aviz se mostrou ao povo para inflamar os ânimos e incitar o levantamento popular que o iria conduzir ao trono. Duma janela do mesmo edifício, em 1640, os conjurados atiraram o traidor Miguel de Vasconcelos, precipitando o fim do domínio espanhol. Noutra janela da Baixa de Lisboa foi proclamada a República. E, mais recentemente, foi numa polémica marquise que Cavaco Silva apareceu a primeira vez depois de ter sido eleito Presidente.

Portanto, era uma questão de tempo até André Ventura, que ambiciona tornar-se numa das figuras cimeiras da mitologia lusitana, arranjar uma forma de aparecer nas notícias juntamente com uma janela. Conseguiu-o na sexta-feira passada, quando pendurou tarjas em parapeitos do Palácio de São Bento. Ventura aproveitou uma rubrica do orçamento do Estado para fazer uma demonstração de força política. O fim de cortes salariais do tempo da troika seria, para Ventura, o que a independência nacional foi para o Mestre de Avis. O acontecimento que o ia tornar num herói português, a acenar para o povo que o vitoriava lá em baixo.

Desafortunadamente, não basta estar à janela com um pano, como uma velhinha que pendura a sua colcha durante a procissão. É preciso alguma audácia para levar essa intenção avante. Além de se mostrar à janela, o Mestre lutou contra os castelhanos e tornou-se D. João I; os conjurados também pegaram em armas; os republicanos instituíram um regime com canhões; e até Cavaco teve a valentia de resistir a todos quantos gozavam com a saloiice de fechar a varanda com recurso a uma pirosa estrutura de alumínio. A André Ventura faltou essa coragem: mal ordenaram que retirasse os cartazes, o presidente do Chega fez voz grossa mas cedeu e recolheu os posters das balaustradas. Os republicanos resistiram a tiros, Ventura acagaçou-se ao primeiro “tira!”. Onde estaria agora o nosso país se fosse esta a fibra dos líderes que se mostram à janelas? Afinal, as mensagens na fachada eram mensagens de fachada.

Ventura abdicou do combate político à primeira contrariedade. Já não é o lutador aguerrido que, na CMTV, não se calava e repetia “é penalti, sim senhor!” até ao fim do programa. Ventura está irreconhecível, uma sombra daquele comentador atrevido. Em vez disso, deu ontem uma tíbia conferência de imprensa a lamuriar-se por ter sido alvo de denúncias por vandalismo. Que político intrépido é este? É como se os conjurados se viessem queixar por terem sido acusados de deitar lixo para o chão.

Das duas, uma: ou Ventura é o destemido homem providencial que desafia as convenções e mantém os seus cartazes marotos; ou tem miúfa e é um político que obedece à lei. Se quer ser um deputado como os outros, não é por ter chegado há pouco tempo à AR que está dispensado de cumprir as regras, costumes e tradições locais, por mais que choquem com os usos do seu lugar de origem. O parlamentarismo português recebe todos de braços abertos, desde que se integrem e respeitem a sua cultura e valores.

Só que Ventura considera que as críticas são um atentado à sua liberdade de expressão e que está a ser vítima de perseguição política. Julgo que André Ventura está a fazer confusão. Ninguém quer proibir o Chega de afirmar o que quer que seja sobre a reposição dos cortes. Pode dizer o que quiser, só não o pode fazer em cartazes pendurados nas janelas da Assembleia da República. A mensagem é livre, o meio depende. A diferença pode parecer subtil, mas existe. Por exemplo, no uso da minha liberdade de expressão, posso dizer à vontade que André Ventura é um borrinhas porque se acobardou. Coisa diferente, que já não me é permitido, é tatuá-lo na sua testa.

HISTÓRIA     CULTURA     ANDRÉ VENTURA     PARTIDO CHEGA     POLÍTICA     PARLAMENTO

LIBERDADE DE EXPRESSÃO     LIBERDADES     SOCIEDADE

COMENTÁRIOS

JOSÉ MANUEL: Ventura estás à janela, com o teu São Bernardo a acenar a cabeça à rua...     Tomazz Man: O CH anda mais errático do que nunca, de soundbite em soundbite. É pena.      manuel menezes: Compreendo o seu artigo, só que se esqueceu  de contar, por esquecimento ou desconhecimento, o episódio da iluminação da fachada da Assembleia da República com as cores da LGBT.                       JOHN MARTINS: O ventura das janelas com mais este número acabou por dar razão ao senhor PºMinistro Luis Montenegro, que na famosa comunicação das 8, assegurou ao País que Portugal é um País seguro! E evidentemente que é. Depois dos dislates quase diários, de Ventura no Parlamento, acobardando-se à janela mais alta, do 5º andar, sabendo-se que é « perigozinho » e nada acontecer... é preciso o País ser de brandos costumes. Na Rússia não tinha  essa sorte!!!       Joao Cadete: Belo artigo 😂.                     unknown unknown: Tradições e costumes locais como abusar do erário público, compadrio, corrupção ou manobras anti-democráticas? Mais vale ser diferentão! E que eu saiba não só não existiu qualquer crime como também não existiu quebra de regras, dado que elas são omissas neste tipo de caso. E quanto à cagufa, parece que temos saudades do Soares a mandar o GNR passear…em vez de fazer os bombeiros suar pra os 250 aéreos da deslocação, verificou apenas que o material está a funcionar e acabou com a acção mais cedo. Respeitou mais os bombeiros que os deputados e compreendo-o bem! Eu também tenho mais respeito por bombeiros anónimos do que por estes deputados.

NEM NOBRES NEM PLEBEUS

 

Para defender o país, e menos ainda da crise hídrica, do foro mundial:

Apenas um comentário ao COMENTÁRIO de ANTÓNIO JUSTO, sobre a referência do DR: SALLES AO DIA COMEMORATIVO DA RESTAURAÇÃO NACIONAL e que me escapou – há dois dias.

 

1º DE DEZEMBRO DE 1640

Henrique Salles da Fonseca

A BEM DA NAÇÃO, 01.12.24

Faz hoje 384 anos que os nossos antepassados restauraram a Soberania Nacional.

Está na hora de sermos nós a conquistar a independência hídrica nacional

1 COMENTÁRIO

António Justo 02.12.2024 08:43:

Desejo acertado num país já sem nobres que o defendam.

 

Assim seja!


Mas que o mundo está danado, é um facto. Oxalá um texto tão dignificante de três mulheres de hoje, não resulte negativamente para essas, pelos Putins da nossa abastança, de longa data androcêntrica e sem melhoria que preste.

Possam três mulheres triunfar onde tantos falharam

Na verdade não serão três, mas quatro as mulheres que podem mudar alguma coisa na política que temos tido, pois a três europeias junta-se uma americana. Que, vejam lá, até faz parte da equipa de Trump

JOSÉ MANUEL FERNANDES Publisher e colunista do Observador

OBSERVADOR,02 dez. 2024, 00:2260

Não sou um optimista irritante, pelo contrário. Mais depressa me definiria como um pessimista relutante. Contudo, num tempo em que quase só leio textos catastrofistas sobre este mundo que nos rodeia, apetece-me hoje chamar a atenção para três mulheres – porventura mesmo quatro mulheres – que podem fazer a diferença nos próximos tempos.

Eu compreendo que se vejam sobretudo nuvens negras no horizonte. O mundo democrático e liberal que temos vindo a construir nas últimas décadas parece estar a desmoronar-se. Ainda este fim de semana os irlandeses de Dublin estiveram quase, quase, mesmo quase a eleger para o Parlamento o chefe de um gang suspeito de múltiplos crimes. À hora a que escrevo não sei ainda se das eleições romenas não terá saído mais um governante pró-russo. Em França o governo recém-constituído pode não chegar ao Natal se o partido da senhora Le Pen chumbar o orçamento – o que acontecendo pode também criar uma crise europeia. Na Alemanha as eleições foram antecipadas depois de a coligação no poder se ter desentendido e o futuro não se apresenta risonho. Aqui ao lado, em Espanha, multiplicam-se os casos de corrupção em torno de Pedro Sánchez, mas este preferiu orquestrar mais um congresso do seu partido para ser celebrado ao modo de um demagogo sul-americano. E até no Reino Unido, onde o sistema eleitoral permitiu que o Partilho Trabalhista alcançasse uma esmagadora maioria na Câmara dos Comuns, o governo de Starmer vai de tropeção em tropeção. Isto para não falar das notícias muito preocupantes que continuam a chegar das diferentes frentes de batalha na Ucrânia. Do resto do mundo nem falo, está perigoso, mesmo perigoso.

Onde descubro então eu alguma luz no meio de tanta escuridão? Por estranho que pareça em mudanças que estão a acontecer, ou podem vir a acontecer – ainda é cedo para um diagnóstico – na forma como a União Europeia é dirigida. E não, não estou a referir-me a António Costa, estou a falar de Ursula von der Leyen, Kaja Kallas e Giorgia Meloni. Todas elas têm qualidades que as distinguem dos seus predecessores e que convém não menorizar.

Mas vamos por partes, começando por Ursula von der Leyen. Muitos dirão que foi uma presidente acidental, e de certa forma foi, pois ninguém previa que ascendesse a esse posto em 2019, outros acrescentarão que tem uma enorme tendência para centralizar o poder. Tudo isso é verdade, mas neste momento o que me interessa é que parece ter sido dos poucos líderes europeus a perceber a mensagem dos eleitores nas recentes eleições europeias: não é possível continuar a governar a Europa como se tudo tivesse ficado igual quando ocorreu uma viragem clara à direita e em direcção a menos federalismo, não é possível continuar a achar que tudo na Europa se resolve dentro do “bloco central” formado pelos cristãos-democratas, socialistas e liberais. Foi ainda assim que ainda se fez entre chefes de Estado e de Governo no conselho europeu onde Giorgia Meloni votou contra Von der Leyen, mas já não foi assim que se fez na escolha dos pelouros na Comissão, com uma importante vice-presidência a ser entregue a um italiano, como Meloni queria. Ursula von der Leyen tem também tido os instintos certos no que respeita ao apoio à Ucrânia e na forma como se refere ao actual conflito em Israel.

Na história recente da União Europeia só três presidentes cumpriram dois mandatos: Jacques Dellors, Durão Barroso e Von der Leyen. Não é dizer pouco da senhora que vinha de lado nenhum.

Para além disso ela terá a seu lado Kaja Kallas, ex-primeira-ministra da Estónia e agora Alta Representante da União para as Relações Externas, um lugar que nos últimos anos tem sido miseravelmente protagonizado por figuras sem peso político (caso da britânica – e baronesa – Catherine Ashton e da italiana Federica Mogherini) ou claramente fora de prazo, como o espanhol Josep Borrell, alguém que nunca perdia uma oportunidade para se pronunciar contra Israel.

Kallas pode ser diferente, sobretudo se pensarmos que, como primeira-ministra, foi a mais ardorosa defensora da Ucrânia e que o seu país, a Estónia, é aquele que, per-capita, mais ajuda enviou para Kiev, o que até lhe valeu o epíteto de “Dama de Ferro da Europa”. A história da sua família – a sua mãe passou os primeiros dez anos de vida no goulag, juntamente com a sua avó –, a sua oposição de sempre ao Norte Stream 2, tudo isso são indicadores de que percebe bem o tipo de regime que vigora em Moscovo. Aliás ainda ontem, ao visitar Kiev em conjunto com António Costa, terá enviado a mensagem mais acertada para o outro lado do Atlântico: disse que uma vitória russa na Ucrânia “encoraja a China… encoraja a Coreia do Norte e o Irão” — ou seja, encoraja aqueles que Trump vê como maiores ameaças. Acresce ainda que pertence ao grupo europeu dos liberais, ao contrário de todos os seus antecessores, que eram socialistas.

E assim chegamos à terceira mulher por quem pode passar muito do futuro da Europa: a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni.

Numa Europa onde quase todos os países vivem períodos de convulsão interna, Meloni tem conseguido o que costuma ser impossível em Itália – um período de estabilidade e até de previsibilidade. Apesar da forma quase obsessiva como é sempre rotulada como “a líder da extrema-direita”, a verdade é que não só se apresenta como sendo de centro-direita, como as suas políticas na frente externa se têm revelado sólidas e firmemente ao lado da Ucrânia. A nível interno tem conseguido assegurar estabilidade e introduzido algumas reformas, algumas delas assumidamente conservadoras, outras tão pragmáticas que têm levado muitos líderes europeus a procurar aprender com a sua experiênciarefiro-me à forma como está a tentar tratar da separação entre refugiados e migrantes económicos, fazendo essa triagem num campo que a Itália construiu na Albânia, por acordo com o governo de Tirana.

Mas porventura aquilo que mais distinguirá Meloni é a forma como, sem deixar de governar com pragmatismo, é uma política que assume as suas ideias e não se esconde atrás de vacuidades mais ou menos bem-quistas pelo eleitorado (ou pelas elites instaladas, que a odeiam). Para perceber isso recomendo a leitura da sua autobiografia, Io sono Giorgia – Le mie radici le mie idee, um livro de 2021 que decidiu escrever depois da imensa repercussão da forma como se apresentou num comício da campanha de 2019: Eu sou Giórgia. Sou mulher, sou mãe, sou italiana, sou cristã. Ninguém me vai tirar isso.” Aqui ficam algumas passagens, que ajudam a perceber quem ela é.

Sobre ter recusado a viatura oficial na sua passagem por um governo de Berlusconi:
“Não se tratava apenas de ser consistente com a batalha que travamos durante anos contra o desperdício na política, mas acima de tudo uma forma de permanecer eu mesma, de não permitir que este sistema me controle e se torne essencial à minha sobrevivência.”

Sobre a sua formação política nas lutas estudantis, ainda nas décadas de 1980 e 1990: “A educação para a coragem foi um aspecto importante do nosso crescimento, como activistas e como indivíduos. Uma pessoa que foi educada na coragem será mais difícil de corromper quando se encontrar num cargo público ou numa posição de poder, porque já se deparou com a escolha entre o conforto pessoal, por um lado, e os seus princípios de outro lugar.”

Sobre a sua religião e a sua relação com Deus:Graças a Ele acredito que a vida não deve ser encarada olhando para frente, mas olhando para cima. O que importa não é até onde conseguimos avançar, mas até onde conseguimos subir, para nos aproximarmos da nossa perfeição.”

Sobre a Europa e sobre como o federalismo seria um grande erro: “A soberania democrática reside sobretudo nos Estados nacionais governados por governos e por parlamentos eleitos directamente pelos cidadãos, Mas se deixarmos a iniciativa legislativa a burocratas europeus que ninguém elegeu acabamos por prejudicar a democracia.”

Ainda sobre a Europa e os seus valores: “Uma Europa que os nossos irmãos mais velhos imaginaram forte e autónoma (…), capaz de unir os seus povos não com parâmetros abstractos ou com uma moeda, mas com a força da sua antiga civilização.”

Sobre a forma como escolhe as suas equipas:A inteligência das pessoas, sobretudo em papéis de poder, reflecte-se nas escolhas daqueles que as rodeiam. Sempre preferi rodear-me de pessoas que me dizem a verdade, mesmo quando a verdade dói.”

Podia continuar, mas julgo que estas citações ajudam a perceber o essencial: Giorgia Meloni é uma política com referências claras e que sabe o que quer. Isso mesmo se verificou na forma como, no Parlamento Europeu, o seu grupo, o ECR (conservadores e reformistas) preferiu não se fundir com o grupo que estava a ser promovido por Victor Órban (chamado “Os Patriotas”), uma fusão que faria deste bloco o segundo maior do hemiciclo, passando à frente dos socialistas. Preferiu separar águas e essa estratégia está a funcionar, pois já conseguiu quebrar por mais de uma vez o governo conjunto do euro-parlamento pelo velho bloco central, obrigando o PPE, e Ursula von der Leyen, a olharem um pouco mais para a direita apesar dos protestos de socialistas e liberais. Ou seja, criou condições para que em Bruxelas não se ignore o que foi a vontade expressa dos eleitores europeus através da lógica das “linhas vermelhas”.

Os três mosqueteiros afinal eram quatro, e por isso tenho de acrescentar uma americana a este trio: Susie Wiles. Talvez o nome não diga (ainda) nada a boa parte dos leitores, mas será a chefe de gabinete de Donald Trump na Casa Branca, um lugar que já vi ser equiparado ao de primeiro-ministro numa democracia presidencialista, como a americana. Trata-se de alguém que trabalhou sempre na sombra, organizou campanhas políticas e apoiou executivos locais e regionais, trata-se sobretudo de alguém que conseguiu pôr ordem na campanha de Trump, com o sucesso que se viu sobretudo se pensarmos que ele teve muito menos dinheiro para gastar do que Kamala Harris. Muito temida mas pouco conhecida, primeira mulher a ocupar aquele posto na Casa Branca, todos lhe reconhecem uma imensa capacidade de trabalho e de inspirar respeito, dizendo-se que não terão sido poucas as vezes que refreou o presidente eleito.

Na Europa não teremos sucesso se não continuarmos a trabalhar com os Estados Unidos, o que implica trabalhar com a administração Trump, sendo que de todos os nomes que foi indicando (e alguns felizmente desindicando), Susie Wiles é o que me parece mais sólido e mais capaz de influenciar o novo presidente. Será preciso aprender a trabalhar com ela, pois não creio que baste existir uma boa relação entre Elon Musk e Giorgia Meloni para existirem bons canais de comunicação entre os dois lados do Atlântico.

É que, lamento dizê-lo, a Europa não vai reinventar-se de um dia para o outro, como alguns desejam e até prognosticam apenas porque Trump estará os próximos quatro anos na Casa Branca. Tanto assim é que basta ver como, na Europa, todos já perceberam que a haver uma solução rápida, mesmo que não a ideal, para a Ucrânia, ela não passará por Bruxelas (onde estão as sedes da União Europeia mas também da NATO), mas de novo por Washington.

Nos últimos dias li, por motivos diferentes, duas autobiografias de duas mulheres que dirigiram os seus países: Golda Meier(Israel) e Angela Merkel (Alemanha) – a este último dediquei mesmo um contra-corrente na Rádio Observador. São duas histórias muito diferentes e dois livros reveladores do contraste entre alguém que sempre lutou e nunca escondeu as suas ideias, e uma dirigente que nem ao recapitular a sua vida consegue ser diferente da gestão eficiente mas sem grande visão que marcou o seu mandato. Em 1973 o governo de Golda Meier salvou Israel no seu momento de maior crise, mesmo cometendo erros, em 2024 estamos numa Europa aterrorizada com um declínio da Alemanha que Merkel nem sequer parece admitir.

Gostava de acreditar que as três mulheres europeias que aqui evoquei tivessem todas a coragem (e o espírito de sacrifício) de Golda Meier e que a quarta nesta lista, a americana, o pragmatismo eficiente de Merkel. Não sei se não é pedir muito, mas pedir não custa.

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COMENTÁRIOS (de 60)

José Paulo Castro: E, felizmente, estamos a falar de mulheres. Não de 'pessoas que menstruam'.        Miguel Seabra: E a Ana Gomes?                     Lino Oliveira > Miguel Seabra: Gozar não vale.        Maria Cordes: O optimismo pode ser perverso, se não levar a sério a minoria que quer acabar com a nossa civilização, a deturpação da história, a política de portas abertas, especialmente ao islamismo, o enorme fosso entre ricos e pobres, especialmente a Sul, que tende a acabar com a classe média, um dos esteios da nossa civilização. Portugal, cheio de fracturas, cuja responsabilidade deverá ser assacada ao Sr. Costa, agora santificado, país onde há escolas onde 90% dos alunos se abrigam na Acção Social, será que os portugueses têm a noção da desgraça que isto representa, é um país vulnerável, ao wokismo, à esquerda que se quer confundir com a Conferência de S. Vicente de Paulo, para quem os pobrezinhos de Cristo substituíram a classe operária, e que quantos mais bairros problemáticos existam, melhor, podem elevar o nível da gritaria, e, terrível, a impreparação, a todos os níveis, que a escola pública está a proporcionar, deixando que a peçonha do wokismo, com os géneros e cidadanias, procedam às lavagens dos cérebros , política há muito em roda livre, sem que tivéssemos dado por isso. Um cocktail explosivo!                           João Floriano: «É que, lamento dizê-lo, a Europa não vai reinventar-se de um dia para o outro,...........» Vamos esperar que não tenha acordado demasiado tarde para essa reinvenção. O mundo hoje caminha extremamente depressa. Fala-se em paz entre Israel e o Hezbolah e acordamos com a cidade de Aleppo no controle dos Jihadistas e a perspectiva de nova guerra às portas de Israel. Das três mulheres fortes europeias, a minha maior simpatia vai naturalmente para Meloni. Quanto a Kallas, não será preciso esforçar-se muito para ser melhor do que Borrell.                   José Martins de Carvalho: Quero partilhar o optimismo moderado de JMF. Mas é difícil com as cedências da Ursula Von der Leyen ao wokismo, aos excessos de regulação, à distribuição de dinheiro para mal gastar e a medidas como o euro digital

segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

Perenidade

 

No porquê dos ódios, que implica o primeiro texto. No porquê de certos silêncios, que revela o segundo.

I TEXTO: Referências passadistas a que tive acesso, que agradeço, sobretudo por constatar a constância no conceito de Igualdade entre os Homens, nas suas acções e reacções que a todos irmanam, em actualidade perene, quer no caso de ambições frustradas, como motivos das desavenças ou ódios, quer nas reacções de grosseria verbal em situações humilhantes, como se comprova com o primeiro texto, que põe em confronto Humberto Delgado e Salazar, justificando-se o motivo do anti salazarismo daquele por motivos pessoais de ambições frustradas.

Publicações do Feed de Notícias

As verdadeiras razões que levaram alguns personagens a odiar Salazar, neste caso, apenas mais um, o General Coca-Cola!!!

A questão do ódio visceral contra Salazar também foi, por motivações diversas, característica comum a outras figuras previamente conotadas com o regime salazarista, nomeadamente Henrique Galvão e Humberto Delgado. Sobre este último, diz-nos o embaixador Carlos Fernandes que o seu ultra-salazarismo extinguiu-se por questões de ambição pessoal, já que lhe fora sucessivamente recusado o Governo de Angola, a administração dos Caminhos-de-Ferro e o Banco Nacional Ultramarino. Daí ter-se apresentado, em 1958, como candidato a Presidente da República pela oposição, passando então a apregoar-se como democrata por ressentimento ou simples oportunismo político. E quem «diria que, chegado ao Brasil em 1961, Delgado haveria de proclamar o seu visceral anticolonialismo, aliado ao anti-salazarismo!» (op. cit., pp. 202-204).

De resto, as veleidades teatrais de Humberto Delgado foram tantas, que não nos coibimos de transcrever este trecho deveras caricato no âmbito do assalto ao paquete Santa Maria por Henrique Galvão:

«Ao anoitecer, a bordo de um pequeno barco de pesca alugado pelos repórteres das revistas Life e Time, Humberto Delgado consegue encontrar o Santa Maria. “Bem-vindo, meu general”, recebe-o Miguel Urbano Rodrigues. Dezenas de turistas fotografam o momento. Mas quando Humberto Delgado sobe a bordo, o gancho de uma grua do navio solta-se, acerta-lhe nas costas e fica preso ao seu cinto elevando-o um pouco e tirando-lhe os pés do chão. O general, vestido de fato e gravata, agarra-se à escada e ameaça cair ao mar. Mas consegue recuperar o equilíbrio, solta um palavrão e põe as culpas no jornalista que o recebe: “Vou destruí-lo!”» (in Pedro Jorge Castro, O Inimigo n.º 1 de Salazar. Henrique Galvão, o líder do assalto ao Santa Maria e do sequestro de um avião da TAP, A Esfera dos Livros, 2010, pp. 175-176).

 

II Texto: (em Apoiantes de Pedro Passos Coelho):

Sobre as reacções de jornalistas ou governantes em caso de assassínios de diferente proveniência social – o termo “racismo” valorizado em função da pele, num malabarismo anti-racista de bom tom e conveniência receosa, jamais se admitindo tal designativo no caso da inversão colorida dos participantes assassinos.

 

Por VÍTOR RAINHO... "(...)Da mesma forma que adoro os mercados, também gosto muito de frequentar restaurantes ou bares, dos mais caros, excluindo a nouvelle cuisine, aos mais baratos. Gosto de ver o mundo tal como ele é. Vem esta conversa a propósito do que vejo ‘passar’ na comunicação social, seja pela boca de políticos, seja pela de comentadores e jornalistas supostamente isentos. A narrativa, uma palavra que detesto, mas dá jeito nestes momentos, parece saída de alguma república soviética ou de algum discípulo de Enver Hoxha. Vamos a dois casos concretos. Os jornalistas e comentadores, e não são todos, como é óbvio, adoram questionar o primeiro-ministro sobre a razão de ainda não ter ido à Cova da Moura visitar a família de Odair Moniz. Ontem, o forrobodó ainda foi maior, pois o Presidente – após ter ‘perdido’ o funeral do homem que enfrentou a Polícia e que acabou por morrer depois de um agente ter disparado dois tiros fatais – foi, finalmente, visitar o bairro e a família da vítima.

Por coincidência, alguns meios de comunicação social começaram a entrevistar o motorista, que só não morreu por acaso, depois de ter sido atacado por jovens ‘revoltados’ com a morte de Odair Moniz. Não sei se foi à TVI ou à TSF ou a outro meio, mas o motorista disse com todas as letras que o quiseram matar por ser branco. «Aos outros motoristas, que são negros, ninguém atacou». O homem, que ficou com queimaduras graves para sempre, confessou ainda que teve uma arma apontada à cabeça e que os selvagens não o queriam deixar sair, pois desejavam que morresse queimado. Seria de esperar que o SOS Racismo fizesse logo um comunicado, que os colectivos realizassem manifestações contra o racismo, que o Presidente, e todos os partidos, e não estamos a falar do Chega, fizessem declarações emotivas, de apoio ao profissional de transportes públicos.

Não vi se o Chega já disse alguma coisa, mas calculo que sim, pois todos os outros lhe estendem uma passadeira para poder aparecer a exigir justiça para o motorista.

E aqui vai a segunda pergunta: alguém perguntou ao Presidente da República – que já falou com a mãe do profissional da Carris – ao primeiro-ministro e aos líderes parlamentares se já foram visitar o motorista e a sua família? Não me parece. Alguém falou de racismo? Também não me parece. Mas voltemos à morte de Odair Moniz. Os protestos selvagens que se seguiram e que não mereceram a reprovação dos partidos e colectivos de extrema-esquerda, ficaram a dever-se à luta contra o acto racista do agente da PSP. Todos sabemos que a vida tem muitas ironias, mas o que dizer da ‘coincidência’ de o advogado do polícia que matou Odair ser o mesmo da família do agente que morreu à porta de uma discoteca na 24 de Julho, assassinado por três homens: um negro, um cigano e um estrangeiro? Alguém na altura disse que o agente foi morto por questões racistas? Alguém foi visitar a família do agente morto? Não seria de os políticos ganharem juízo e de deixarem-se de populismos? Eu acho que era uma boa ideia…(...)"

 

«No princípio era o verbo»


Já se dizia na Bíblia, repositório de histórias ora menos ora mais rígidas, de modo que poderemos sempre referir as cláusulas da vida, até mesmo em verso popular, como o meu pai costumava cantar, dedilhando na sua viola: «Liberdade, liberdade Quem na tem chame-lhe sua Eu não tenho liberdade Nem de pôr o pé na rua» «São tão bonitas as carvoeiras, são tão catitas as bailadeiras! Oh que belo rancho da mocidade, Canta a rapariga, viva a liberdade!»

Mais tarde li Fernando Pessoa que reivindica o prazer de não ler um livro no seu poema Liberdade de que eu própria fixei umas partes, no prazer que me dava a permissão de não ler, reduzindo convenientemente a nada o estudar. Sem discussão. Nem avisos de mais ou menos rispidez, apenas com uns trocadilhos absurdos pelo meio, mas permitindo a tal experiência desastrosa ou impedindo-a conselheiralmente, como princípio educativo, segundo Miguel Tamen. Mas não tenho a certeza de ter interpretado a sua argumentação como princípio ou como conclusão verbal, sem rispidez embora.

A Interpretação Menos Ríspida

A diferença entre Interpretação Ríspida e Menos Ríspida é como a diferença entre olhar para um aviso ou regra como conclusão de um raciocínio e olhar para eles como princípio de discussão.

MIGUEL TAMEN Colunista do Observador, Professor (e director do Programa em Teoria da Literatura) na Universidade de Lisboa

OBSERVADOR, 01 dez. 2024, 00:161

Avisam-nos de que a loja fecha às sete, de que um soneto tem catorze versos, e de que só posso falar durante quatro minutos. A estes avisos podem aplicar-se a Interpretação Ríspida e a Interpretação Menos Ríspida. Segundo a Interpretação Ríspida, um décimo quinto verso exclui o meu soneto do concurso A Arca de Petrarca; o microfone será desligado ao quarto minuto; e depois das sete darei com o nariz na porta da loja. Alega-se que as consequências são nocivas, e que a Interpretação Ríspida ignora o muito bem que eu poderia fazer se as circunstâncias fossem outras. Nesses apertos parecerá preferível a Interpretação Menos Ríspida.

A Interpretação Menos Ríspida concede perfunctoriamente que convém que as horas de fecho do comércio sejam observadas, que a oratória seja contida em público, e que os sonetos não se prolonguem indefinidamente; mas, ao contrário da Interpretação Ríspida, defende que o melhor modo de conseguir esses resultados é pregar pequenos sustos a quem contemple não agir segundo essas conveniências. Sugere em consequência que todos os avisos devem ser entendidos como sustos que se pregam para benefício posterior dos assustados. Da Interpretação Menos Ríspida segue-se que poderei entrar na loja depois da hora para que aprenda a chegar antes da hora; que o meu soneto de quinze versos será admitido a concurso para que num próximo concurso os meus sonetos tenham catorze; e que me será permitido falar demais para que eu venha a falar menos.

A subministração da clemência é contudo em todos estes casos acompanhada por explicações circunstanciadas. Interpretar avisos segundo as regras da Interpretação Menos Ríspida consiste em reconhecer que qualquer pessoa tem as suas razões, mas também em assustá-la em pormenor com a possibilidade de que qualquer pessoa pode decidir não as ter. A satisfação do pedido exige qualidades extraterrenas, mas apesar disso insiste-se nele. A Interpretação Menos Ríspida é assim um modo louco de entender combinações entre os humanos, nomeadamente os arranjos comerciais, a educação de crianças, o direito penal, a interacção com médicos, o funcionamento dos relógios, e a organização política das comunidades.

A diferença entre a Interpretação Ríspida e a Interpretação Menos Ríspida é como a diferença entre olhar para um aviso, uma lei ou uma regra como a conclusão de um raciocínio e olhar para eles como o princípio de uma discussão. Quando olhamos para um aviso como uma conclusão não esperamos que naquela matéria haja muito a discutir. Se pelo contrário olhamos para um aviso como um barulho preliminar, o aviso dissolve-se nas nossas razões. Para a Interpretação Menos Ríspida, um aviso consiste em tentar assustar o público com barulhos preliminares na esperança de o forçar a chegar à conclusão de que deve esquecer as suas razões; mas o público, percebendo logo que se trata de barulhos Menos Ríspidos, quase nunca chega à conclusão pretendida.

ERRO EXTREMO      OBSERVADOR

COMENTÁRIO

Francisco Almeida:Miguel Tamen, provavelmente sem tal lhe passar pela ideia, definiu paradigmaticamente os povos alemão e português.

domingo, 1 de dezembro de 2024

Os combates são outros


Impregnados de receios pelas reacções dos doutrinadores –da nossa marginalidade didáctica - que reduziram a glória dessas proezas dos antepassados às chufas centradas sobre escravos e escravaturas e escravizadores, única lição que lhes convém propalar aos quatro ventos da sua facúndia virtuosa e fraudulenta. Um desses, por sinal, prémio Nobel da literatura nacional, até forjou extensa obra impregnada de zombaria aos reis construtores de enorme convento em Mafra, símbolo da dimensão acarretada de tais escravidões e escravaturas, prolongada nos obreiros desse convento de tão extenso memorial, que só a exploração produziu, jamais a intrepidez - ambiciosa, é certo, mas também corajosamente aventureira, dos exploradores. Por isso, qualquer tentativa de erguer um museu por cá que fosse glorificante desse povo minúsculo e gigante que deu início a uma epopeia ímpar, só poderia provocar, por cá, não já chufas literárias mas o ataque e a destruição, favorecidos pelos actuais dinamizadores dos bons sentimentos mártires, digo, sobre os mártires povos-alvo desses descobrimentos, tornados progressivamente ditadores, no seu alastramento mundial, docemente defendidos pelos actuais doutrinadores da farsa histórica universal.

Desaparecido em combate

Já lá vão dez anos em que pessoas de boa vontade andam a tentar impulsionar uma estrutura que evoque, mostre e explique o que foram os Descobrimentos dos portugueses nos séculos XV e XVI.

JOÃO PEDRO MARQUES Historiador e romancista

OBSERVADOR, 01 dez. 2024, 00:202

O assunto terá caído no esquecimento, poucos se lembrarão dele, mas houve um tempo, mais precisamente o biénio de 2017-18, em que um candidato à presidência da Câmara Municipal de Lisboa, e, depois, seu efectivo presidente, teve como um dos seus objectivos prioritários a criação um Museu das Descobertas. Falo, claro está, de Fernando Medina que enunciou explicitamente, e por estas palavras, o objectivo de pôr de pé uma “estrutura polinucleada na cidade (de Lisboa) que inclua alguns espaços/museus já existentes e outros a criar de novo, e que promova a reflexão sobre aquele período histórico (dos Descobrimentos) nas suas múltiplas abordagens, de natureza económica, científica, cultural, nos seus aspectos mais e menos positivos, incluindo um núcleo dedicado à temática da escravatura”.

Contra este projecto levantaram-se, em 2018, sob a forma de carta aberta publicada no Expresso, as vozes de 114 académicos, quase todos de esquerda e vários dos quais estrangeiros, e, em artigo de opinião no Público, as de uma centena de afrodescendentes. Essa recolha de 200 assinaturas — ou nem isso pois algumas pessoas assinaram ambos os textos — foi o suficiente para Fernando Medina se encolher e deitar às urtigas o seu projecto que, recordemo-lo, era “prioritário”. É para mim incompreensível como pessoas que têm — ou diz-se que têm — altas aspirações políticas se retraem perante pequenos obstáculos no caminho e minudências políticas como estas. Que aconteceria se um dia estivessem à frente de um governo e tivessem de enfrentar uma contestação a sério? Mas deixemos essa pergunta sem resposta, porque isso são contas de outro rosário, e voltemos ao Museu das Descobertas.

Defendi em devido tempo a criação desse museu, fi-lo, aliás, por diversas vezes, e continuo a fazê-lo e a considerar que deverá designar-se por Museu dos Descobrimentos. Como é óbvio, não subescrevi a já referida carta aberta dos 114 académicos que o contestavam, ainda que tivesse sido convidado a fazê-lo. A razão que me leva a, neste momento, recordar tudo isso relaciona-se com uma recente conferência na qual o historiador Santiago Macias, actual director do Panteão Nacional e que foi a pessoa indigitada para dirigir, na sua fase inicial, o projectado Museu das Descobertas, apontou as vicissitudes desse projecto e deixou várias sugestões a seu respeito. Santiago Macias também lembrou que, ainda antes do abortado projecto de Fernando Medina, houve, em 2015, a ideia de fazer um centro interpretativo sobre os Descobrimentos que funcionaria numa réplica (a construir) de um navio quinhentista e que poderia ser visitado na Ribeira das Naus. Logo nessa altura se levantaram várias objecções mais ou menos ociosas — uma vocação ou deformação muito portuguesa — e essa excelente ideia nunca passou do papel.

Isto quer dizer — e é o que mais importa sublinhar — que já lá vão dez anos sucessivos em que pessoas de boa vontade andam a tentar, sem sucesso, impulsionar uma estrutura que evoque, mostre e explique o que foram os Descobrimentos dos portugueses nos séculos XV e XVI. Como disse Santiago Macias na sua recente conferência, o projecto do Museu das Descobertas continua a fazer todo o sentido, independentemente da vereação que esteja à frente da Câmara Municipal de Lisboa, e mesmo que não disponha de uma colecção permanente, mas tão só colecções itinerantes que permitam ir mostrando diversos objectos museológicos em combinação/associação com outros museus. Não seria um museu no sentido clássico da palavra, mas um centro de interpretação alargado e aberto a visitantes nacionais e estrangeiros e, sobretudo, às escolas.

Ou seja, trata-se de um projecto de interesse não apenas da cidade, mas verdadeiramente nacional, que se prende com a construção, preservação e transmissão da memória que Portugal deve ter de importantes momentos da sua História e, num plano mais amplo, do passado de toda a humanidade. Que eu saiba — e corrijam-me se estiver errado — o actual presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, nunca se pronunciou sobre isto. Não desejará fazê-lo? Terá vontade política e sentir-se-á capaz de assumir este encargo e esta meta nos termos, acertados ou adequados, em que Fernando Medina a pensou, isto é, pôr de pé um museu que nos traga os Descobrimentos nos “seus aspectos mais e menos positivos, incluindo um núcleo dedicado à temática da escravatura”? Não quererá constituir uma equipa que integre pessoas que dominem o tema e que tenha a dirigi-la alguém capaz de decidir e de avançar, sem receio dos escolhos que certamente surgirão, para repor este projecto em marcha? Na expressão “repor este projecto em marcha” incluo pensar como concretizá-lo, com que programa, com que custos ou financiamentos e em que localização ou localizações. Já várias se sugeriram, incluindo o edifício do antigo Banco Nacional Ultramarino, na Rua Augusta, onde agora está o MUDE (Museu do Design). Eu, seguindo a opinião do meu colega Santiago Macias, preferiria o Palácio dos Condes da Calheta, no topo do Jardim Botânico Tropical, que teria, entre outras vantagens, a de ser relativamente próximo de outros núcleos ou monumentos relacionados com a época em causa, desde os Jerónimos à Torre de Belém ou ao Padrão dos Descobrimentos. Não quererá Carlos Moedas salvar e reanimar um projecto aparentemente desaparecido em combate?

DESCOBRIMENTOS     HISTÓRIA     CULTURA     MUSEUS

COMENTÁRIOS

Manuel Martins: Portugal deverá ser dos poucos países europeus que, tendo sido um império e tido um papel na história mundial, e que não possui um grande museu na sua capital: veja-se Madrid, reflectir a história, como são enormes fontes de turismo e receitas. É verdade que temos em Lisboa alguns museus temáticos que são muito visitados (Coches, Arte Antiga, Marinha), mas nenhum que faça alguém vir especificamente vê-lo.                   Licínio Bingre do Amaral: Efectivamente faz falta um museu dos Descobrimentos que concentre a história desse período de grande inovação e liderança para Portugal. Espero que se venha a concretizar num futuro próximo.                    João Floriano: Lembro-me perfeitamente deste projecto do Museu dos Descobrimentos e associo-o com outra discussão que surgiu mais ao menos ao mesmo tempo e que tinha a ver com o Memorial da Escravatura. No entanto posso estar a confundir os factos. Este Memorial da Escravatura era suposto ficar junto ao Museu das Descobertas. Acabou por ser encaminhado para o Campo das Cebolas próximo à Casa dos Bicos e neste momento não sei em que fase se encontra o projecto. É evidente que um Museu das Descobertas só poderia provocar um imenso alarido na comunidade woke. E também é inegável que seria de enorme valor académico e cultural porque cobre um período impar da História de Portugal, da Europa e do Mundo. Espero que embora momentaneamente desaparecido em combate, seja resgatado em breve.