Do Dr. Salles
da Fonseca, naturalmente amante do seu país e aspirando por uma
continuidade histórica não tão vexatória como a que a leviandade de certas
actuações políticas - de permissividade e indiferença pelo passado cultural - parece
querer atingir, segundo as reformas praticadas no pós-abril 74, num país, é
certo, sempre destratado, em décalage cultural e social de uma imprevidência
aterradora constante, mas respeitando, ao menos os valores da prestação
histórica e intelectual de um espaço proporcionador de natural orgulho por
feitos passados - reduzido embora, modernamente, pelas contingências das
ideologias rebuscadas, tantas vezes ditadas pelo pedantismo oco dos falsos
humanismos de parcialidade e atropelo simplesmente irrisórios, como se tem
visto, num mundo em fuga, tantas vezes acintosamente escorraçado, pelos anteriormente
seráficos abridores das portas...
HENRIQUE SALLES DA
FONSECA
A BEM DA NAÇÃO,
12.12.24
«A
ultrapassagem do metafísico pelo positivo só se sustentou enquanto este último
viveu da herança dos estádios anteriores (teológico e metafísico). Porém,
o sucessivo afastamento e descuido em relação àquelas fontes deixou-o
animicamente esvaído e eticamente desamparado».
Este raciocínio de D. Manuel Clemente a págs.40 e seg. do seu livro “PORQUÊ E PARA
QUÊ – Pensar com esperança o Portugal de hoje” assenta como uma luva à
geração pós-moderna actual.
Contudo, a ética cristã de solidariedade
e benevolência para com o próximo, de honradez e de trabalho, tem uma versão laica que
pergunta, com enorme simplicidade, «o
que é que eu posso fazer por ti sem o prejudicar a ele, esse terceiro que nem
sequer conheço?». E esta atitude não carece de fundamento teológico.
No início do século XX, a sociedade
portuguesa vivia numa quase hierocracia e foi contra esse domínio que a
laicização da ética tentou abrir
caminho. Mas não
terá conseguido vingar no ambiente de iliteracia que então reinava e hoje, passado
um século, continuamos a padecer das consequências desse desencontro.
Uma
população tutelada pela ameaça da ira divina, não teve arcaboiço para se
harmonizar eticamente sem tutela num espaço que se pretendia republicano,
responsável. Aos portugueses, iletrados e habituados a uma
estrutura social muito parametrizada, foi então pedido que assumissem uma plena
cidadania. Mas, na
verdade, nada lhes foi pedido: foi-lhes consumado o facto e, desenquadrados,
deixados entregues a si próprios.
E como as elites republicanas se
limitaram a copiar as homólogas monárquicas que as tinham antecedido
digladiando-se em lutas renhidas pelo Poder, o vulgo continuou ignaro, não opôs
resistência quando o mandaram morrer na Flandres e não fez «cara feia» quando
apareceu alguém disposto a pôr ordem onde se instalara a desavença constante, o
«tira-te tu para me pôr eu», a falência.
Seguiu-se
nova parametrização social, rigor financeiro, resfriamento das vontades que se
apresentavam aquecidas.
Essa parametrização durou 40 anos.
Praticamente tantos como agora levamos de militância pós-moderna.
Teremos
conseguido fundamentar a liberdade de que queremos usufruir empreendendo uma
síntese do que aprendemos entretanto para nos retomarmos como humanidade? Tenho
esta como a questão portuguesa historicamente mais pertinente.
Ou será que não aprendemos nada? E
andará por aí alguém com poder de síntese?
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