sábado, 14 de dezembro de 2024

Justas preocupações

 

Do Dr. Salles da Fonseca, naturalmente amante do seu país e aspirando por uma continuidade histórica não tão vexatória como a que a leviandade de certas actuações políticas - de permissividade e indiferença pelo passado cultural - parece querer atingir, segundo as reformas praticadas no pós-abril 74, num país, é certo, sempre destratado, em décalage cultural e social de uma imprevidência aterradora constante, mas respeitando, ao menos os valores da prestação histórica e intelectual de um espaço proporcionador de natural orgulho por feitos passados - reduzido embora, modernamente, pelas contingências das ideologias rebuscadas, tantas vezes ditadas pelo pedantismo oco dos falsos humanismos de parcialidade e atropelo simplesmente irrisórios, como se tem visto, num mundo em fuga, tantas vezes acintosamente escorraçado, pelos anteriormente seráficos abridores das portas...

PARAMETRIZAÇÃO SOCIAL

HENRIQUE SALLES DA FONSECA

A BEM DA NAÇÃO, 12.12.24

«A ultrapassagem do metafísico pelo positivo só se sustentou enquanto este último viveu da herança dos estádios anteriores (teológico e metafísico). Porém, o sucessivo afastamento e descuido em relação àquelas fontes deixou-o animicamente esvaído e eticamente desamparado».

Este raciocínio de D. Manuel Clemente a págs.40 e seg. do seu livro “PORQUÊ E PARA QUÊ – Pensar com esperança o Portugal de hoje” assenta como uma luva à geração pós-moderna actual.

Contudo, a ética cristã de solidariedade e benevolência para com o próximo, de honradez e de trabalho, tem uma versão laica que pergunta, com enorme simplicidade, «o que é que eu posso fazer por ti sem o prejudicar a ele, esse terceiro que nem sequer conheço?». E esta atitude não carece de fundamento teológico.
No início do século XX, a sociedade portuguesa vivia numa quase hierocracia e foi contra esse domínio que a
laicização da ética tentou abrir caminho. Mas não terá conseguido vingar no ambiente de iliteracia que então reinava e hoje, passado um século, continuamos a padecer das consequências desse desencontro.

Uma população tutelada pela ameaça da ira divina, não teve arcaboiço para se harmonizar eticamente sem tutela num espaço que se pretendia republicano, responsável. Aos portugueses, iletrados e habituados a uma estrutura social muito parametrizada, foi então pedido que assumissem uma plena cidadania. Mas, na verdade, nada lhes foi pedido: foi-lhes consumado o facto e, desenquadrados, deixados entregues a si próprios.

E como as elites republicanas se limitaram a copiar as homólogas monárquicas que as tinham antecedido digladiando-se em lutas renhidas pelo Poder, o vulgo continuou ignaro, não opôs resistência quando o mandaram morrer na Flandres e não fez «cara feia» quando apareceu alguém disposto a pôr ordem onde se instalara a desavença constante, o «tira-te tu para me pôr eu», a falência.

Seguiu-se nova parametrização social, rigor financeiro, resfriamento das vontades que se apresentavam aquecidas.

Essa parametrização durou 40 anos. Praticamente tantos como agora levamos de militância pós-moderna.

Teremos conseguido fundamentar a liberdade de que queremos usufruir empreendendo uma síntese do que aprendemos entretanto para nos retomarmos como humanidade? Tenho esta como a questão portuguesa historicamente mais pertinente.

Ou será que não aprendemos nada? E andará por aí alguém com poder de síntese?

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