Dos artigos de opinião. A avidez com que iniciamos a leitura dos
jornais pelos autores que se nos impõem pelo seu pensamento e elegância de
exposição, criam um prazer que nos ajuda a sobreviver num mundo vário e
mutável, como se disse também da mulher. Disse-o Virgílio, ao que parece, mas
não é necessário seguirmos tal opinião clássica. Chapéus há muitos, também o
disse o nosso Vasquinho, mais provincianamente, de quem podemos sempre
discordar, apoiados nas cabeças actuais, vazias de lenços ou de chapéus que
passaram de moda, pelo menos nas bandas de cá, calcorreadas pelo Vasquinho das afectuosas
tias. A saturação depende da fartura, e a dos artigos de opinião igualmente. Mas
os que lêem têm sempre o direito de escolha, tal como os compradores nas lojas.
Os vendedores não levam a mal, ainda que muitas vezes defraudados nas suas expectativas
pecuniárias. Bem assim os que escrevem, felizes por poder fazê-lo. A felicidade
é um direito, embora grande parte das vezes sofismado.
A saturação dos artigos de opinião
Dá-se cada vez mais valor a uma boa conversa civilizada, em
contraste com os debates nos quais as pessoas estão constantemente a
interromper-se com uma agressividade irracional.
Pedro Afonso Médico Psiquiatra
OBSERVADOR, 30 dez. 2025, 00:151
Há alguns anos os artigos de opinião dos
jornais estavam reservados para “os colunistas”. Esta elite de “fazedores de opinião” estava praticamente
cristalizada. Para além das cartas dos leitores — muito
limitadas em número de caracteres — era
quase impossível para um cidadão comum conseguir que um texto escrito por si
fosse publicado num jornal nacional.
Com o surgimento da internet, nomeadamente com a grande difusão dos
blogs, principalmente a partir de 2000, percebeu-se que havia uma parte da sociedade que desejava ser
escutada. Diversas pessoas tiveram a oportunidade de formular opinião
sobre vários assuntos. Algumas delas
começaram a ter uma enorme influência, designadamente através do comentário
político. Os meios de comunicação tradicionais não ficaram indiferentes, e com
frequência acompanhavam e citavam a opinião expressa nalguns blogs.
Percebeu-se que havia muitas pessoas,
para além da casta habitual dos colunistas, que escreviam bem e tinham um
pensamento político que valia a pena acompanhar. Podiam-se ler textos com
conteúdo interessante e assistir a reacções/discussões acesas dos leitores na
caixa de comentários. Para muitos, tornou-se um hábito diário acompanhar as
publicações de vários de blogs, individuais e colectivos, com grande qualidade.
A decadência dos blogs aconteceu
gradualmente durante a década de 2010, quando
redes sociais como Facebook, Twitter e Instagram se tornaram os canais
principais de comunicação. As redes sociais facilitaram o
compartilhamento rápido e instantâneo de informação, reduzindo a necessidade de
manter um blog constantemente com novos conteúdos. A evolução do marketing digital, o algoritmo das redes sociais que
influencia a forma como consumimos conteúdos, com destaque para o conteúdo
visual e as interações rápidas, contribuíram para o declínio do formato de blog
tradicional.
Mas, os jornais não ficaram indiferentes
ao fenómeno de tornar mais acessível a participação da sociedade através de
artigos de opinião. A
transição da publicação em papel para o jornal online facilitou a publicação de
mais artigos de opinião e sem grandes limitações de extensão de caracteres. O Observador foi um dos primeiros jornais online a perceber que
ganharia em dar voz aos seus leitores. Com efeito, têm sido publicados vários
artigos de opinião, excelentes na forma e no conteúdo, escritos por pessoas
quase desconhecidas.
Entretanto, o número de artigos de
opinião não pára de crescer. Inevitavelmente com o aumento da quantidade
perde-se qualidade e, com o tempo, surge o fenómeno da saturação. Do meu
ponto de vista, as pessoas têm cada
vez menos paciência para textos longos, cujo conteúdo se limita a interesses
específicos e que frequentemente não oferece uma visão nova e substancial sobre
o tema. Com a maior
pluralidade de visões corre-se o risco de termos opiniões mais superficiais e
polarizadas. Em síntese, a palavra escrita nos artigos de opinião
está a perder valor e impacto.
Em contraste, os podcasts com uma
duração cada vez maior, muitas vezes sob a forma de entrevista, estão a ter um
enorme sucesso na internet. E porquê? As pessoas estão cansadas pela enorme
velocidade e quantidade em que é apresentada a informação e a opinião nas
formas tradicionais. Dá-se cada vez mais
valor a uma boa conversa civilizada, em contraste com os debates nos quais as
pessoas estão constantemente a interromper-se com uma agressividade irracional. A
empatia que se sente, entre os participantes, em muitos podcasts exerce um
poder quase ansiolítico, permitindo-nos reflectir com mais calma nos conteúdos. O
estilo de conversa mais intimista cria a sensação de a opinião ter um carácter
mais genuíno e verdadeiro. No final, mesmo após mais de uma hora de escuta,
ficamos com a impressão de que valeu a pena o tempo dedicado a
ouvir.
Julgo que estamos a assistir a uma
nova mudança na forma de fazer opinião. Há um desejo de desacelerar a agitação
do dia-a-dia, de sentir que se tem tempo para reflectir. O diálogo empático entre duas ou mais pessoas que se respeitam e sabem
ouvir-se mutuamente tem um poder comunicacional imenso.
A cançãoVideo Killed the Radio Star lançada pela banda britânica The
Buggles teve um enorme sucesso nos anos 80, coincidindo com o aparecimento da
MTV. Essa profecia não se concretizou, pois os videoclipes não
mataram a rádio. Da
mesma forma, acredito que os artigos de opinião não vão sucumbir às novas
formas de exprimir opinião, mas penso que estão a perder cada vez mais a sua
influência e relevância.
COMUNICAÇÃO
SOCIAL…..MEDIA……SOCIEDADE
COMENTÁRIOS
Glorioso SLB: Os
podcasts são só para convidados, naturalmente escolhidos/seleccionados. Os
artigos do Observador, não. Para já. Hoje em dia apenas leio o Expresso para
ler os artigos de opinião. Artigos de fundo ñ há. E para notícias, já temos a
televisão durante 24h.
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