segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

O direito à escolha

 

Dos artigos de opinião. A avidez com que iniciamos a leitura dos jornais pelos autores que se nos impõem pelo seu pensamento e elegância de exposição, criam um prazer que nos ajuda a sobreviver num mundo vário e mutável, como se disse também da mulher. Disse-o Virgílio, ao que parece, mas não é necessário seguirmos tal opinião clássica. Chapéus há muitos, também o disse o nosso Vasquinho, mais provincianamente, de quem podemos sempre discordar, apoiados nas cabeças actuais, vazias de lenços ou de chapéus que passaram de moda, pelo menos nas bandas de cá, calcorreadas pelo Vasquinho das afectuosas tias. A saturação depende da fartura, e a dos artigos de opinião igualmente. Mas os que lêem têm sempre o direito de escolha, tal como os compradores nas lojas. Os vendedores não levam a mal, ainda que muitas vezes defraudados nas suas expectativas pecuniárias. Bem assim os que escrevem, felizes por poder fazê-lo. A felicidade é um direito, embora grande parte das vezes sofismado.

A saturação dos artigos de opinião

Dá-se cada vez mais valor a uma boa conversa civilizada, em contraste com os debates nos quais as pessoas estão constantemente a interromper-se com uma agressividade irracional.

Pedro Afonso Médico Psiquiatra

OBSERVADOR, 30 dez. 2025, 00:151

Há alguns anos os artigos de opinião dos jornais estavam reservados para “os colunistas”. Esta elite de “fazedores de opinião” estava praticamente cristalizada. Para além das cartas dos leitores — muito limitadas em número de caracteres — era quase impossível para um cidadão comum conseguir que um texto escrito por si fosse publicado num jornal nacional.

Com o surgimento da internet, nomeadamente com a grande difusão dos blogs, principalmente a partir de 2000, percebeu-se que havia uma parte da sociedade que desejava ser escutada. Diversas pessoas tiveram a oportunidade de formular opinião sobre vários assuntos. Algumas delas começaram a ter uma enorme influência, designadamente através do comentário político. Os meios de comunicação tradicionais não ficaram indiferentes, e com frequência acompanhavam e citavam a opinião expressa nalguns blogs.

Percebeu-se que havia muitas pessoas, para além da casta habitual dos colunistas, que escreviam bem e tinham um pensamento político que valia a pena acompanhar. Podiam-se ler textos com conteúdo interessante e assistir a reacções/discussões acesas dos leitores na caixa de comentários. Para muitos, tornou-se um hábito diário acompanhar as publicações de vários de blogs, individuais e colectivos, com grande qualidade.

A decadência dos blogs aconteceu gradualmente durante a década de 2010, quando redes sociais como Facebook, Twitter e Instagram se tornaram os canais principais de comunicação. As redes sociais facilitaram o compartilhamento rápido e instantâneo de informação, reduzindo a necessidade de manter um blog constantemente com novos conteúdos. A evolução do marketing digital, o algoritmo das redes sociais que influencia a forma como consumimos conteúdos, com destaque para o conteúdo visual e as interações rápidas, contribuíram para o declínio do formato de blog tradicional.

Mas, os jornais não ficaram indiferentes ao fenómeno de tornar mais acessível a participação da sociedade através de artigos de opinião. A transição da publicação em papel para o jornal online facilitou a publicação de mais artigos de opinião e sem grandes limitações de extensão de caracteres. O Observador foi um dos primeiros jornais online a perceber que ganharia em dar voz aos seus leitores. Com efeito, têm sido publicados vários artigos de opinião, excelentes na forma e no conteúdo, escritos por pessoas quase desconhecidas.

Entretanto, o número de artigos de opinião não pára de crescer. Inevitavelmente com o aumento da quantidade perde-se qualidade e, com o tempo, surge o fenómeno da saturação. Do meu ponto de vista, as pessoas têm cada vez menos paciência para textos longos, cujo conteúdo se limita a interesses específicos e que frequentemente não oferece uma visão nova e substancial sobre o tema. Com a maior pluralidade de visões corre-se o risco de termos opiniões mais superficiais e polarizadas. Em síntese, a palavra escrita nos artigos de opinião está a perder valor e impacto.

Em contraste, os podcasts com uma duração cada vez maior, muitas vezes sob a forma de entrevista, estão a ter um enorme sucesso na internet. E porquê? As pessoas estão cansadas pela enorme velocidade e quantidade em que é apresentada a informação e a opinião nas formas tradicionais. Dá-se cada vez mais valor a uma boa conversa civilizada, em contraste com os debates nos quais as pessoas estão constantemente a interromper-se com uma agressividade irracional. A empatia que se sente, entre os participantes, em muitos podcasts exerce um poder quase ansiolítico, permitindo-nos reflectir com mais calma nos conteúdos. O estilo de conversa mais intimista cria a sensação de a opinião ter um carácter mais genuíno e verdadeiro. No final, mesmo após mais de uma hora de escuta, ficamos com a impressão de que valeu a pena o tempo dedicado a ouvir.

Julgo que estamos a assistir a uma nova mudança na forma de fazer opinião. Há um desejo de desacelerar a agitação do dia-a-dia, de sentir que se tem tempo para reflectir. O diálogo empático entre duas ou mais pessoas que se respeitam e sabem ouvir-se mutuamente tem um poder comunicacional imenso.

A cançãoVideo Killed the Radio Star lançada pela banda britânica The Buggles teve um enorme sucesso nos anos 80, coincidindo com o aparecimento da MTV. Essa profecia não se concretizou, pois os videoclipes não mataram a rádio. Da mesma forma, acredito que os artigos de opinião não vão sucumbir às novas formas de exprimir opinião, mas penso que estão a perder cada vez mais a sua influência e relevância.

COMUNICAÇÃO SOCIAL…..MEDIA……SOCIEDADE

COMENTÁRIOS

Glorioso SLB: Os podcasts são só para convidados, naturalmente escolhidos/seleccionados. Os artigos do Observador, não. Para já. Hoje em dia apenas leio o Expresso para ler os artigos de opinião. Artigos de fundo ñ há. E para notícias, já temos a televisão durante 24h.

 

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