E sabor. Reconfortante
sempre, e mais ainda em tempo de dissabor.
2025, Ano Jubilar: a esperança que não engana
Abre-se novamente, de par em par, a Porta Santa, para
oferecer a experiência viva do amor de Deus, que desperta no coração a
esperança segura da salvação em Cristo
P. GONÇALO PORTOCARRERO DE ALMADA, Colunista
OBSERVADOR, 28
dez. 2024, 00:164
Quando São Paulo escreveu aos cristãos
de Roma que “a esperança não engana” (Rm 5, 5), não estava a fazer uma
observação óbvia, mas a negar, em nome
da fé cristã, o que parecia ser uma evidência inexorável. Com efeito,
os fiéis que viviam na capital do império romano sabiam que, em qualquer
momento, se podia abater sobre eles uma impiedosa perseguição. Assim
aconteceu quando Nero mandou
crucificar muitos cristãos, responsabilizando-os pelo incêndio da urbe que ele
próprio provocara. Muitos dos primeiros fiéis foram também pasto
das feras, ante uma multidão ululante que fazia do seu máximo sacrifício motivo
de ímpio e cruel divertimento.
Ao
declarar 2025 um Ano Santo Jubilar,
o Papa Francisco quis cumprir com uma antiga tradição eclesial,
como expressamente reconheceu na Bula Spes
non confundit, pela qual
procedeu à sua proclamação: “segundo uma antiga tradição, o Papa proclama, de
vinte e cinco em vinte e cinco anos”, um Jubileu. Na sua multisecular história,
os Jubileus oferecem ao povo de Deus uma extraordinária ocasião de graça,
sobretudo pela remissão dos pecados.
A este propósito, o Papa
Francisco, na referida Bula, recordou: “Apraz-me
pensar que um percurso de graça, animado pela espiritualidade popular, tenha
antecedido a proclamação do primeiro Jubileu, em 1300. Com efeito, não podemos
esquecer as diversas formas através das quais se derramou com abundância a
graça do perdão sobre o santo Povo fiel de Deus. Recordemos, por exemplo, o
grande ‘perdão’ que São Celestino V quis conceder a quantos iam à Basílica de
Santa Maria de Collemaggio, em Áquila, nos dias 28 e 29 de Agosto de 1294, seis
anos antes de o Papa
Bonifácio VIII instituir o Ano Santo. Por isso, a Igreja já tinha a
experiência da graça jubilar da misericórdia. E antes ainda, em 1216, o Papa Honório III acolhera a súplica de São Francisco, que
pedia a indulgência para quantos tivessem visitado a Porciúncula nos dois
primeiros dias de Agosto. O mesmo se pode dizer da peregrinação a Santiago de Compostela: de facto, o Papa Calisto II,
em 1122, concedeu que se celebrasse o Jubileu naquele Santuário sempre que a
festa do apóstolo Tiago calhasse num domingo. É bom que
continue esta modalidade ‘generalizada’ de celebrações jubilares, de modo que a
força do perdão de Deus sustente e acompanhe o caminho das comunidades e das
pessoas.”
O último Jubileu ordinário ocorreu durante o pontificado de São João
Paulo II, no ano 2000, mas o último Ano Santo Jubilar já foi decretado pelo
Papa Francisco e insere-se num conjunto de outras importantes efemérides
cristãs. Com efeito, “o Ano Santo de 2025 está em continuidade com os
anteriores eventos de graça. No
último Jubileu ordinário, atravessou-se o limiar dos dois mil anos do
nascimento de Jesus Cristo. Em seguida, no dia 13 de Março de 2015,
proclamei um Jubileu extraordinário com o objectivo de manifestar e permitir
encontrar o ‘Rosto da misericórdia’ de Deus, anúncio central do Evangelho para
toda a pessoa e em cada época. Agora
chegou o momento dum novo Jubileu, em que se abre novamente, de par em par, a
Porta Santa, para oferecer a experiência viva do amor de Deus, que desperta no
coração a esperança segura da salvação em Cristo. Ao
mesmo tempo, este Ano Santo orientará o caminho rumo a outra data fundamental
para todos os cristãos: de facto, em 2033, celebrar-se-ão os dois mil anos da
Redenção, realizada por meio da paixão, morte e ressurreição do Senhor Jesus. Abre-se, assim, diante de nós um percurso
marcado por grandes etapas, nas quais a graça de Deus precede e acompanha o
povo que caminha zeloso na fé, diligente na caridade e perseverante na
esperança(cf. 1T 1, 3).”
Como recorda o Santo Padre, “todos
esperam. No coração de cada pessoa, encerra-se a esperança como desejo e
expectativa do bem, apesar de não saber o que trará consigo o amanhã. Porém,
esta imprevisibilidade do futuro faz surgir sentimentos por vezes contrapostos:
desde a confiança ao medo, da serenidade ao desânimo, da certeza à dúvida. Muitas vezes encontramos pessoas
desanimadas que olham, com cepticismo e pessimismo, para o futuro como se nada
lhes pudesse proporcionar felicidade.”
É muito portuguesa a crença no destino,
ou fado, entendido como o inexorável fluir da vida segundo forças que não só
não dominamos como tememos que sejam adversas. Por isso, o Papa Francisco expressa um voto universal, que tem especial pertinência
em relação à alma lusa: “Que o Jubileu seja, para todos,
ocasião de reanimar a esperança! A Palavra de Deus ajuda-nos a encontrar as
razões para isso”.
Com efeito, São Paulo, na sua
carta aos cristãos de Roma, faz um impressionante panegírico do invencível
optimismo cristão: “Quem poderá separar-nos do amor de Cristo? A
tribulação, a angústia, a perseguição, a fome, a nudez, o perigo, a espada? (…)
Mas em tudo isso saímos mais do que vencedores, graças Àquele que nos amou.
Estou convencido de que nem a morte nem a vida, nem os anjos nem os
principados, nem o presente nem o futuro, nem as potestades, nem a altura nem o
abismo, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que
está em Cristo Jesus, Senhor nosso» (Rm 8, 35.37-39).
Se
o fado é um vago determinismo que nada tem de cristão, a esperança cristã é, na
sua essência, consciência viva de uma predestinação, que Paulo de Tarso refere,
com insistência, na introdução da sua epístola aos efésios (Ef 1, 4-5.11). Esse
desígnio divino, sem retirar autonomia e liberdade ao ser humano, nem impedir,
portanto, a radical possibilidade da sua eterna condenação, dá razão ao fundado
optimismo cristão.
A esperança cristã não nasce da vontade
humana, mas do querer de Deus, quando opera no coração do crente a graça da
salvação. Como virtude teologal, juntamente com a fé e a caridade, a esperança não é uma virtude que se
possa adquirir pela repetição de actos, mas uma graça de Deus que opera e
antecipa a salvação. Neste sentido, o seu objecto é o próprio Deus,
enquanto autor da redenção: não se pede ao fiel cristão que se santifique, mas
que se deixe santificar pela acção de Deus na sua alma em graça.
Como esclarece o Papa Francisco, “na verdade é o Espírito Santo, com a sua
presença perene no caminho da Igreja, que irradia nos crentes a luz da
esperança: mantém-na acesa como uma tocha que nunca se apaga, para dar apoio e
vigor à nossa vida. Com efeito a esperança cristã não engana nem desilude,
porque está fundada na certeza de que nada e ninguém poderá jamais separar-nos
do amor divino.”
Muito feliz Ano Santo Jubilar!
PAPA FRANCISCO IGREJA
CATÓLICA RELIGIÃO
SOCIEDADE
COMENTÁRIOS (de 44):
Meio Vazio: Num Português impecável. Coisa
rara. (Mais não seja por isso, o Rev.mo de Almada deveria ser
condecorado.) Maria
Emília Ranhada Santos: Uma graça muito grande! É essencial que abramos também os nossos corações à
misericórdia de Deus! A esperança não engana porque o Amor foi derramado nos
nossos corações! (Rom. 5, 1-6) Cisca
Impllit: Que Deus nos perdoe. A esperança que não se engana. João
Paulo Reis: O Jubileu de 2025 é uma
oportunidade única para renovarmos a nossa esperança e testemunhá-la ao mundo.
Ao celebrarmos este Ano Santo, somos convidados a ser peregrinos da esperança,
levando a boa nova de Jesus Cristo a todos os cantos da terra. A esperança
cristã não é apenas uma expectativa passiva, mas uma força activa que
transforma o presente, impulsionando os fiéis a caminhar juntos em busca de uma
vida mais plena, sustentada pelo amor de Deus e pela comunhão fraterna.
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