Como este, de querer ver simbolismos em
tudo. Na realidade, o reabrir a Catedral, já reconstruída, a 8 de Dezembro
parece justo e definitivo, ponto final. Para quê pretender projectar tal data
de reabertura, que afinal é só dela, da Imaculada Conceição, para uma outra
qualquer data simbólica, que desfaça, talvez, enguiços ou busquem simbologias
de grande efeito, talvez miraculoso, talvez demonstrativo dos íntimos receios
de um novo possível desastre neste tal mundo desastrado. Ou será que me escapou algum dado de
percepção nesta faixa etária minha que, sim, egoisticamente aproveita para
pedir protecção para si e os seus, e, vá lá, atenta ao brouhaha do mundo,
também para este mundo em decomposição acelerada. Que NOTRE DAME DE PARIS não
venha mais a sofrer desgastes como os recentes, ou que haja sempre artistas no
percurso dos tempos, para refazer tais glórias passadas, em caso de ruína, é o
que pedimos, afinal, para que não façamos nunca parte daquelas ruínas com que
os sábios e os técnicos vão topando, nas suas buscas de engenho e desconforto.
O que significa Notre Dame?
Muitos europeus, e não só, sentem uma
perda de controlo sobre as suas prioridades. Para muitos a integração europeia,
a liberdade de costumes e a imigração foram longe de mais.
P. JOÃO BASTO Sacerdote, membro da equipa formadora do Seminário
Diocesano de Viana do Castelo
OBSERVADOR, 06 dez. 2024, 00:1716
A catedral de Notre Dame vai reabrir este fim-de-semana. A data
escolhida: 8 de Dezembro, o dia em que os católicos celebram a Imaculada
Conceição. Poderia ter
sido escolhido o 14 de Julho, altura em que se assinala a ”tomada da Bastilha”, mas tal não ocorreu. Da mesma
maneira que Notre Dame poderia reabrir após um restauro que
modificasse o seu traço original, mas tal também não foi opção. O projecto desenvolvido foi no sentido de colocar,
criteriosamente, tudo no mesmo lugar, sem grandes alterações. Tudo isto
tem um significado. O próprio Donald Trump já anunciou que irá à capital
francesa “para assistir à reabertura” da Catedral que, nas suas palavras, foi “restaurada
em toda a sua glória”. E também isto tem significado. Mas qual?
Estamos
a lidar com uma reorientação da bússola do conceito tempo e das prioridades
políticas. E a presença de Trump em França é sinal disso mesmo. Há,
inclusivamente, algo de napoleónico neste gesto. O neogótico americano é
uma imitação e, à luz de uma certa sensibilidade, a arquitectura dos Estados
Unidos é feita de cartão e esferovite.
Paralelamente, a lógica geopolítica começa, cada vez mais, a ser
imperial e o tempo milenar. Líderes como Putin, Xi Jinping ou Erdoğan não
pensam em ciclos de curto prazo, mas em horizontes históricos extremamente
largos que moldam as suas identidades nacionais e estratégias globais. E, neste prisma, a Economia é secundária.
Na verdade, no final do século passado nada faria prever que a reabertura de
uma Catedral fosse tão significativa. E esse tempo – o final do séc. XX – é,
possivelmente, o pináculo do processo histórico que nos trouxe até aqui.
Para
muitos, Notre Dame significa aquilo que restou na sua aldeia. Desapareceu a
escola. Desapareceu o pequeno talho local. O café foi substituído por uma
máquina de venda automática. A igreja e o cemitério permaneceram, mesmo que
abandonados. Durante os séculos mais recentes, o Cristianismo entrou em crise.
As grandes ideologias deram os seus primeiros passos tomando para si conceitos
dele originados, como consciência, liberdade ou solidariedade. Mas, hoje, são elas próprias que estão em
crise. Muitos europeus, e não só, sentem uma perda de controlo sobre as suas
prioridades. Para muitos a integração europeia, a liberdade de costumes e a
imigração foram longe de mais. E é possível que estejamos a entrar numa nova
época romântica, também ela filha de um período marcado por grandes mudanças
sociais e políticas, como a Revolução Francesa, a Revolução Industrial e o
início dos movimentos nacionalistas.
As nossas redes sociais estão cheias de
fascínio infantil e quase idolatria pelos destinos paradisíacos e pelas
gigantes tecnológicas. Existe, aliás, quase uma nova regra nas viagens de toda
uma geração: monumentos e museus por fora, shoppings por dentro. Do outro
lado, todo um mundo vive fascinado com o restauro de um edifício do séc. XII. Por cá,
aprendemos que acerca de Notre Dame devíamos sentir vergonha, correr em actos
de expiação e gritar urgentemente palavras de ordem contra a opressão.
Para outros, Notre Dame é o microcosmo que adoptou a escravatura, mas terminou
com ela, que consentiu a ascensão do comunismo e do fascismo, mas, também, os
venceu, que moveu a caça às bruxas, mas desenvolveu a liberdade de expressão.
Resta saber: quem será capaz de herdar este legado?
IGREJA
CATÓLICA RELIGIÃO SOCIEDADE EUROPA MUNDO
COMENTÁRIOS (de 16)
José
Bento:Independentemente das questões
religiosas, a catedral de Notre Dame simboliza a incansável luta pela
sobrevivência da civilização europeia, hoje tão atacada e denegrida pelos que
querem acabar com ela. Não sei se é por isso que o Trump quer estar presente,
mas eu se pudesse estaria certamente. Maria
Nunes Notre Dame significa a Gloria de Deus.
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