sábado, 7 de dezembro de 2024

Rebuscamentos


Como este, de querer ver simbolismos em tudo. Na realidade, o reabrir a Catedral, já reconstruída, a 8 de Dezembro parece justo e definitivo, ponto final. Para quê pretender projectar tal data de reabertura, que afinal é só dela, da Imaculada Conceição, para uma outra qualquer data simbólica, que desfaça, talvez, enguiços ou busquem simbologias de grande efeito, talvez miraculoso, talvez demonstrativo dos íntimos receios de um novo possível desastre neste tal mundo desastrado. Ou será que me escapou algum dado de percepção nesta faixa etária minha que, sim, egoisticamente aproveita para pedir protecção para si e os seus, e, vá lá, atenta ao brouhaha do mundo, também para este mundo em decomposição acelerada. Que NOTRE DAME DE PARIS não venha mais a sofrer desgastes como os recentes, ou que haja sempre artistas no percurso dos tempos, para refazer tais glórias passadas, em caso de ruína, é o que pedimos, afinal, para que não façamos nunca parte daquelas ruínas com que os sábios e os técnicos vão topando, nas suas buscas de engenho e desconforto.

O que significa Notre Dame?

Muitos europeus, e não só, sentem uma perda de controlo sobre as suas prioridades. Para muitos a integração europeia, a liberdade de costumes e a imigração foram longe de mais.

P. JOÃO BASTO Sacerdote, membro da equipa formadora do Seminário Diocesano de Viana do Castelo

OBSERVADOR, 06 dez. 2024, 00:1716

A catedral de Notre Dame vai reabrir este fim-de-semana. A data escolhida: 8 de Dezembro, o dia em que os católicos celebram a Imaculada Conceição. Poderia ter sido escolhido o 14 de Julho, altura em que se assinala a ”tomada da Bastilha”, mas tal não ocorreu. Da mesma maneira que Notre Dame poderia reabrir após um restauro que modificasse o seu traço original, mas tal também não foi opção. O projecto desenvolvido foi no sentido de colocar, criteriosamente, tudo no mesmo lugar, sem grandes alterações. Tudo isto tem um significado. O próprio Donald Trump já anunciou que irá à capital francesa “para assistir à reabertura” da Catedral que, nas suas palavras, foi “restaurada em toda a sua glória”. E também isto tem significado. Mas qual?

Estamos a lidar com uma reorientação da bússola do conceito tempo e das prioridades políticas. E a presença de Trump em França é sinal disso mesmo. Há, inclusivamente, algo de napoleónico neste gesto. O neogótico americano é uma imitação e, à luz de uma certa sensibilidade, a arquitectura dos Estados Unidos é feita de cartão e esferovite.

Paralelamente, a lógica geopolítica começa, cada vez mais, a ser imperial e o tempo milenar. Líderes como Putin, Xi Jinping ou Erdoğan não pensam em ciclos de curto prazo, mas em horizontes históricos extremamente largos que moldam as suas identidades nacionais e estratégias globais. E, neste prisma, a Economia é secundária. Na verdade, no final do século passado nada faria prever que a reabertura de uma Catedral fosse tão significativa. E esse tempo – o final do séc. XX – é, possivelmente, o pináculo do processo histórico que nos trouxe até aqui.

Para muitos, Notre Dame significa aquilo que restou na sua aldeia. Desapareceu a escola. Desapareceu o pequeno talho local. O café foi substituído por uma máquina de venda automática. A igreja e o cemitério permaneceram, mesmo que abandonados. Durante os séculos mais recentes, o Cristianismo entrou em crise. As grandes ideologias deram os seus primeiros passos tomando para si conceitos dele originados, como consciência, liberdade ou solidariedade. Mas, hoje, são elas próprias que estão em crise. Muitos europeus, e não só, sentem uma perda de controlo sobre as suas prioridades. Para muitos a integração europeia, a liberdade de costumes e a imigração foram longe de mais. E é possível que estejamos a entrar numa nova época romântica, também ela filha de um período marcado por grandes mudanças sociais e políticas, como a Revolução Francesa, a Revolução Industrial e o início dos movimentos nacionalistas.

As nossas redes sociais estão cheias de fascínio infantil e quase idolatria pelos destinos paradisíacos e pelas gigantes tecnológicas. Existe, aliás, quase uma nova regra nas viagens de toda uma geração: monumentos e museus por fora, shoppings por dentro. Do outro lado, todo um mundo vive fascinado com o restauro de um edifício do séc. XII. Por cá, aprendemos que acerca de Notre Dame devíamos sentir vergonha, correr em actos de expiação e gritar urgentemente palavras de ordem contra a opressão. Para outros, Notre Dame é o microcosmo que adoptou a escravatura, mas terminou com ela, que consentiu a ascensão do comunismo e do fascismo, mas, também, os venceu, que moveu a caça às bruxas, mas desenvolveu a liberdade de expressão. Resta saber: quem será capaz de herdar este legado?

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COMENTÁRIOS (de 16)

José Bento:Independentemente das questões religiosas, a catedral de Notre Dame simboliza a incansável luta pela sobrevivência da civilização europeia, hoje tão atacada e denegrida pelos que querem acabar com ela. Não sei se é por isso que o Trump quer estar presente, mas eu se pudesse estaria certamente.                            Maria Nunes Notre Dame significa a Gloria de Deus.

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