Fortes,
fiéis, façanhudos, fraudulentos, festivaleiros … uma cabazada
de adjectivos além destes, em f, se quisermos precisar, mas poderiam iniciar-se
por muitas outras consoantes e mesmo vogais a calhar: frívolos, furiosos, facetos,
fantásticos, falvez famintos,
fictícios nunca, nem furtivos, que
connosco aprenderam a fabricar falsas facécias do seu mundo não febril mas para alguns, feliz ou airoso, funesto para a maioria – a da fatalidade. Ou puramente
desafortunado, pois que os familiares da governação sabem como agir no próprio
proveito, fingindo, como por cá, respeitar a tal vontade popular que lhes deu o
poder, o qual, todavia, também pode ter sido usurpado - serenamente manipulado pelos
que o receberam dos devotos e dos ceguinhos do seu evangelho. Como, de resto,
sucede em tantas partes da famigerada esfera mundana, não nos façamos tão
inocentes nisso que se tem passado por lá, por aí...
Moçambique e o Parlamento Europeu
Voltando mentalmente a 1975, não consigo que me saia da cabeça o
grito que nos mobilizou até ao 25 de Novembro: “É preciso respeitar a vontade popular! É preciso respeitar a vontade
popular!”
JOSÉ RIBEIRO E CASTRO Presidente
da Sociedade Histórica da Independência de Portugal
OBSERVADOR, 16 dez. 2024, 00:1720
E por que estava já o ambiente a
ferver? Porque
a crónica das eleições em Moçambique é de fraude eleitoral e esta percepção pública tornou-se crescente
de eleição para eleição. Porque,
há um ano, as eleições locais de 2023 reavivaram essa percepção de fraude. E
porque, em 18 de Outubro, o assassinato a tiro de Elvino Dias e Paulo Guambe,
colaboradores próximos do candidato Venâncio Mondlane, do PODEMOS, tingiu de
sangue a indignação geral. Que poder é este que mata e manda matar?
Estes dois assassinatos
cruéis foram a nota mais terrível, soando como aviso intimidatório à
contestação. Foram a continuidade do histórico de violência e assassinatos selectivos
por “esquadrões da morte” em Moçambique, nos últimos 10 anos, que a imprensa
recordou: Gilles
Cistac, Jeremias Pondeca, Anastácio Matavele, Jaime Macuane (sobreviveu),
Ercínio de Salema (sobreviveu) e, agora, Elvino Dias, Paulo Guambe, Wilker Dias
(sobreviveu) e Gamito dos Santos (sob ameaça). O que é isto? Porquê? Para
quê? Democracia é isto, é?
Desde 1994,
quando, após os acordos de Paz de 1992, a democracia multipartidária se
estreou, este é o sétimo ciclo eleitoral moçambicano. Nenhum foi bom. Este é o pior de todos,
até agora. Os resultados anunciados mostraram a extrema arrogância da FRELIMO,
reclamando a totalidade da vitória para si e por números extravagantes: Chapo eleito Presidente, com 70%; maioria na
Assembleia da República, com mais 11 deputados do que em 2019; eleição de todos
os governadores provinciais, com maiorias esmagadoras. Diante da benignidade
internacional e da impunidade nacional, a FRELIMO não se conteve: usurpou a
totalidade da eleição, concentrou ainda mais o poder, esmagou com desprezo a
RENAMO, aproveitando a maré baixa do colaboracionismo, parou em 20% o emergente
PODEMOS e pôs o MDM nos mínimos. Segundo testemunhos e opiniões
conhecedoras, uma fraude eleitoral gigantesca, que incluiu enchimento de urnas
em várias assembleias. A
Missão de Observação Eleitoral da União Europeia tomou distâncias quanto às
eleições observadas e adoptou linguagem crítica, embora em tom contido e
moderado face à crescente e brutal deterioração da situação.
Os protestos populares explodiram um pouco por todo o país, surgindo nas
diferentes capitais, em dias consecutivos, desde há cerca de um mês. Nuns
casos, respondem à palavra de ordem do líder da oposição, Venâncio Mondlane,
noutros espontaneamente. Não se pode estranhar. Estranheza seria se
não houvesse reacção.
Um académico moçambicano,
Roberto Tibana, diz tratar-se de uma “revolta popular”, diagnosticando que o governo já perdeu o
controlo da situação e apelando ao diálogo urgente para evitar o “caos total”.
O governo respondeu com grande brutalidade policial e militar sobre os
cidadãos. Circulam pelas redes sociais vídeos difíceis de descrever pela sua
extrema violência. Em número de vítimas, as mortes já vão em 110, segundo a Associated
Press, e os feridos andam nas centenas. A Amnistia
Internacional apelou ao governo para parar com a violência. A Human Rights Watch denunciou
vários casos de uso excessivo da força e a morte de 10 crianças. Os diplomatas
em Maputo sabem o mesmo e ainda mais que nós, ou seja, os seus governos estão
bem informados da verdade.
A cultura de falta de transparência
democrática em Moçambique é tão profunda que não podemos consultar, com rigor e
em pormenor, os resultados de quaisquer eleições realizadas no passado, desde
1994. Não são
só as de hoje, as do passado também. A única excepção é a Wikipédia e os seus
dados são escassos, incompletos e insusceptíveis de permitir aferir da sua
verdade: seriam verdadeiros, se fossem verdadeiras as suas bases; mas
nunca as vimos, nem as podemos ver. Ou seja, não sabemos, nem podemos saber. É
esse o problema, agora também.
A maior prova da gigantesca fraude eleitoral em curso está em que
não nos deixam ver as fontes dos resultados a partir das respectivas unidades
de contagem. Não mostram os editais,
além de que os que sobrevivam a dois meses de “administração” poderão, com
forte probabilidade, ter sido viciados. Só nos dão resultados de
cima para baixo e não de baixo para cima, tal como são apurados e contados.
Um dos instrumentos da manipulação dos resultados, querendo fazer acreditar o
que não é crível, é a única fonte pública acessível: uma página Facebook“CNE
& STAE Moçambique”, onde as tabelas publicadas tresandam a manipulação.
Estamos diante de um sistema de batota organizada.
Que devemos fazer? Portugal tem estrita
obrigação de agir em solidariedade com o povo moçambicano e em linha com os
valores que afirma. Pelos laços especiais com os moçambicanos, somos até o país
europeu que mais tem essa obrigação, para apelar ao diálogo, pôr fim à violência
e garantir o respeito dos direitos humanos e das liberdades fundamentais. O que
só pode ser feito, se falarmos a verdade e estivermos do lado da verdade. E a
União Europeia deve fazer o mesmo.
Para isso, Portugal deve pressionar a União Europeia, no seu
conjunto, e cada Estado-membro, individualmente e de forma concertada, a agir
sobre as autoridades moçambicanas e as forças da oposição para uma transição
política pacífica. Esta transição
poderia tomar como base os resultados de 9 de Outubro, se forem ainda
verificáveis e aceites por todos, ou apontar para novas eleições a realizar no
prazo de um ano, com organização isenta e imparcial, aceite por todos os
principais concorrentes. Neste
último caso, formar-se-ia um governo de transição multipartidário, com todos os
partidos com assento parlamentar, em que nenhum teria a maioria sozinho, com
mandato de um ano e um programa focado na estabilidade financeira e monetária,
em três outros temas prioritários da agenda do país e na reconciliação nacional. A União Europeia, junto com os seus
Estados-membros, deveria, por seu turno, fazer esforços diplomáticos para levar
outros Estados da comunidade internacional a adoptar semelhante posição nas
suas relações bilaterais e multilaterais com Moçambique. Em resumo,
colocar na agenda internacional a democracia em Moçambique.
Sempre defendi que Portugal deve agir,
na cena mundial, para apoiar diplomaticamente as necessidades e os projectos
dos demais países de língua portuguesa. Por exemplo, quando fui deputado ao Parlamento
Europeu, candidatei e apoiei, em 2001, um angolano ao Prémio Sakharov, que
ganhou: Zacarias Kamuenho.
Este movimento fazia parte da agenda da Paz, quando a guerra civil ainda matava em
Angola. Agora, em Moçambique, a necessidade é
semelhante: a Democracia, que está a ser defraudada, e a Paz, que está a ser
traída. Não é altura de candidatar um
moçambicano ao Prémio Sakharov, mas é certamente altura para pôr em evidência
como o Prémio Sakharov 2024 atribuído a dois venezuelanos, tem exatamente a mesma
agenda que o drama presente em Moçambique: uma eleição roubada, um poder
tirânico ilegítimo, a violenta repressão.
Há uma enorme pressão sobre Venâncio
Mondlane, que uma contagem paralela do PODEMOS anunciou como vencedor efectivo
da eleição presidencial, com 53% dos votos. Continua a dirigir a oposição,
usando as redes sociais. Mas está escondido, provavelmente fora do país, para
fugir da perseguição do poder da FRELIMO, que, naquela contagem, teria perdido
a maioria na Assembleia.
Em 18 de Outubro, mataram dois
colaboradores seus, muito próximos. Há poucos dias, terá escapado a uma cilada,
que poderia ter-lhe custado a vida. O Estado abriu um processo contra ele,
reclamando indemnização de 1,5 milhões de euros por causa das acções de
protesto. Se isto não é tentativa de intimidação, o que é que é tentativa de
intimidação? A Internacional Socialista não se desmarca deste tipo de actos do
seu partido-membro FRELIMO? O Parlamento Europeu não se solidariza com o povo
moçambicano, nem se atravessa em defesa da segurança e da vida de um candidato
presidencial que disputa a vitória?
Esta semana pode decisiva no Parlamento
Europeu. Sendo a semana do Prémio Sakharov, é a semana adequada para chamar a
atenção da Europa e do mundo para que há uma outra história igual à da
Venezuela, ali no sul da África Oriental, em Moçambique.
A indiferença militante perante a crise
em Moçambique vem frequentemente embrulhada em argumentos de não-ingerência,
acompanhados do comentário de ser “uma coisa lá entre eles”. É comentário de
génese racista, que não pode ser usado nem em surdina. Hoje, não tem vigência
possível, nem às claras, nem escondido. E, voltando mentalmente a 1975, não
consigo que me saia da cabeça o grito que nos mobilizou até ao 25 de Novembro: “É
preciso respeitar a vontade popular! É preciso respeitar a vontade
popular! É preciso respeitar a vontade popular!” É demasiada pouca
sorte que a efectividade deste grito nem 50 anos depois tenha chegado a
Moçambique. Pior sorte ainda, se esse facto for indiferente e desprezível para
aqueles que, oficialmente, nos dirigem e nos representam.
Se alguma coisa acontecer a Venâncio
Mondlane, não teremos perdão. É que temos imenso para fazer – um imenso que, na
verdade, não custa muito. Temos de fazer mais, porque podemos fazer muito mais.
Os moçambicanos é que já estão para além do limite.
COMENTÁRIOS (de 20):
Fernando ce: Ainda não vi a esquerda nem a extrema esquerda
preocuparem-se com isso. Carlos
Chaves: Realmente é
muito estranho todo este quase silêncio… Se o regime em Moçambique fosse de
direita a comunicação social Portuguesa não se calaria nem fecharia os olhos,
como é de esquerda (e da mais abjecta), chuta para canto… É estranho também o
silêncio do governo (da oposição nem fala), e da Presidência da República… Pertinaz: Aguardo a posição de Mia Couto sobre o que se está a passar… Coxinho >Ruço Cascais: Tenho o máximo respeito pelos seus abalizados
comentários mas... "não escrevi palavras proibidas a não ser preto"
feriu-me os tímpanos. Sabemos que a esquerdalha nos quer impor um figurino de
comunicação esquerdóide que alberga várias restrições vocabulares. Mas não
aceito esse tipo de imposições. Aliás sempre fui alérgico a qualquer tipo de
imposição. Bom dia!, sempre a considerá-lo
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