Seguimos o clássico ”In medio
stat virtus”. É, de facto, este que se manifesta no julgamento dos que, por
razões inerentes, se distinguem por qualquer extremismo menos sóbrio para a
virtude desse meio, essencialmente tímido este, mas não em julgamento fofoqueiro,
o que melhor nos quadra na nossa dimensão de avaliadores nos caminhos do espírito
alheio, como prestimosamente observa NUNO GONÇALO POÇAS, no seu espirituoso
texto.
O meio
A mais leve insinuação de que reina por cá um mecanismo de
compadrios, lobbies e cunhas é ferozmente atacada pelo meio. E o meio é,
naturalmente, amplo.
NUNO GONÇALO POÇAS Colunista do Observador. Advogado, autor de
"Presos Por Um Fio – Portugal e as FP-25 de Abril"
OBSERVADOR, 17 dez. 2024, 00:1720
A ministra da Cultura, Dalila
Rodrigues, anunciou, incautamente, a propósito da administração do Centro
Cultural de Belém, que se «acabaram os compadrios, os lobbies e as cunhas». Surpreendeu, por um lado, porque, como
salientou João Miguel Tavares, no Público,
é difícil cumprir uma promessa daquela grandeza. Por outro lado, não surpreendeu assim tanto a chuvada de ataques à
ministra. A cultura,
como quase tudo em Portugal, resume-se à expressão «meio cultural», mais do que
à cultura em si mesma. O
meio, entre nós, é tudo – e é quase religioso, porque o meio está mesmo no meio
de nós.
A mais leve insinuação de que reina
por cá um mecanismo de compadrios, obbies e cunhas é ferozmente atacada pelo
meio. E
o meio é, naturalmente, amplo. Brota por
todos os cantos, transpira por todos os poros, mais mediáticos ou mais
desconhecidos. O
meio é um circuito: onde se almoça, onde se janta, onde se contrata, onde se
adjudica, onde se nomeia, onde se paga, onde se recebe, onde se dão jeitos, onde
cabe sempre mais um se esse mais um for, ele próprio, também do meio, por laço
de sangue, de alcova, de gratidão ou de pura sabujice.
A ministra não resistirá, com grande
probabilidade, ao seu anúncio. Numa terra onde o meio é tudo e tudo começa e acaba no meio, uma
promessa daquelas tem tudo para cair estrondosamente. À
primeira falha, o meio não lhe perdoará. Os mesmos que agora, por louvável lealdade e inteligência caninas,
saíram em defesa dos membros do meio segregados pela ministra, cá estarão para
lhe acertar o passo no tempo devido. Assim é, assim será, de ministro em
ministro, de meio em meio: do meio cultural ao meio sindical, do meio da
educação ao meio da saúde.
O meio não perdoa.
Quem já provou dessa evidência foi, também, um
dos agora putativos candidatos a pré-candidatos à pré-candidatura à presidência
da República, António José Seguro. Numa altura em que as presidenciais agitam a potente minoria, onde
me incluo, de portugueses que se interessam pelas vicissitudes democráticas e
pelo lado romanesco da política portuguesa, o facto de um ex-líder do Partido
Socialista se ter mostrado disponível para ocupar o palácio de Belém e de, ao
mesmo tempo, não ter tido do seu partido o apoio que seria natural e
expectável, diz igualmente muito do meio.
Há dez anos, quando Seguro
tentava recuperar um Partido Socialista pejado de socratismo, António
Costa passou-lhe a perna despudoradamente. Na campanha interna, Seguro, talvez adivinhando o fim próximo, não
deixou nada por dizer. Afirmou,
então, que existia «um partido invisível na sociedade portuguesa, que tem
secções em várias áreas do regime», e que havia uma «parte do PS mais associada
aos negócios e aos interesses» que seria apoiante de António Costa à liderança
do partido. Também na época o meio não gostou e reagiu
caninamente.
Dez anos depois, é
sintomático que o PS hesite no apoio ao seu ex-líder que, de resto, tem deixado
nervoso o meio. O
meio, evidentemente, prefere um dos seus, ou um ventríloquo. Afinal,
isto ainda é o Portugalinho de sempre, querido, fofo, ternurento, sentimental,
onde as amizades são tudo.
P.S.: O PCP reuniu em congresso e posicionou-se para o futuro, segundo consta
do que me foi possível ler. O futuro é, porventura, o que sobra ao PCP. Como
ouvi dizer a alguém em tempos, não houve mais visionário que Estaline. É que
hoje paga-se para ir à neve.
MINISTÉRIO DA CULTURA POLÍTICA
COMENTÁRIOS (De 20)
Fernando Matos: Este artigo vale a assinatura
anual do observador. E mais não digo. Carlos Chaves: Na muche! Nunca votei nem
nunca votarei num socialista, mas tem razão no que escreve sobre António José
Seguro, o pulha político que lhe espetou a “faca” nas costas, está agora
sentado no Berlaymont em Bruxelas, com o “meio” a apoiar! Eu Mesmo: Uma forma muito simpática para
dizer algo que noutras latitudes se diria, de forma mais crua e sem floreados,
que se trata de uma população sem espinha. GateKeeper: Assim como esteve minado pelos
"ultras" entre 1930 e 1972, o "meio", desde 1973, está
minado pela esquerdalha "all together now!" e um certo liberalis-wokismo
que mora ali entre o largo deles e a b. aires. É uma bolha purulenta que
aumentou de volume e conteúdo, uma bolha "institucional" e alavancada
pela cobardia do, também institucionalizado "arquinho centrão do poder
". Como exemplo extremo podem ver e abalizar as "temáticas" dos
famigerados "separadores inomináveis" na rtp3, em quantidades
absurdas, diariamente. Nem abordo as "kulturas avençadas" dos outros
canais ditos d'informação ( só vejo e oiço canais estrangeiros de informação
séria e independente e a rtp3 [por obrigação para perceber "como param as
modas nos tais arquinhos] e, confesso, já nem me lembro quando foi a última vez
que acedi a qualquer canal generalista da nossa "praça kitsch" tuga.
Livrarias, sites, teatros, música, etc., estão 100% "cobertos" por
uma manta suja e infecta que oprime toda e qualquer alternativa cultural, vom
um sinal "político-social" diferente da actual "modorra"
lamacenta. O meu caro FMatos tem alguma razão. Esta crónica vale por dezenas
de "encomendas " tecladas aqui, no Obs. Top 5. Francisco Almeida:
Artigo corajoso,
embora eu tivesse preferido uma referência mais explícita a aventais. O caso da cultura é para mim o
mais grave a seguir ao do ensino. E vem de muito longe. Mais exactamente desde
que António Ferro foi para Berna. Curiosamente o Centro Cultural de Belém,
orçamentado em pouco mais de 16 milhões custou à volta de 30. E foi no tempo de
Cavaco. Pior, em percentagem só o Hospital Militar de Belém. Será sina nossa
que em Belém só aconteça porcaria? Paulo Nunes Do Rosário > Fernando Matos: Concordo plenamente, e é
preciso coragem para o escrever. José B
Dias: Não há ninguém minimamente atento que não se tenha apercebido dos
"meios" ... até foi possível tirar as pessoas do corporativismo, mas
é de todo impossível tirar o corporativismo de algumas pessoas!
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