Já se dizia na Bíblia, repositório de
histórias ora menos ora mais rígidas, de modo que poderemos sempre referir as
cláusulas da vida, até mesmo em verso popular, como o meu pai costumava cantar,
dedilhando na sua viola: «Liberdade, liberdade
Quem na tem chame-lhe sua Eu não tenho liberdade Nem de pôr o pé na rua» «São tão bonitas as carvoeiras, são tão
catitas as bailadeiras! Oh que belo rancho da mocidade, Canta a rapariga, viva
a liberdade!»
Mais tarde li Fernando Pessoa que reivindica o prazer de não ler um livro no seu poema Liberdade de que eu própria fixei umas partes, no prazer que me dava a permissão de não ler, reduzindo convenientemente a nada o estudar. Sem discussão. Nem avisos de mais ou menos rispidez, apenas com uns trocadilhos absurdos pelo meio, mas permitindo a tal experiência desastrosa ou impedindo-a conselheiralmente, como princípio educativo, segundo Miguel Tamen. Mas não tenho a certeza de ter interpretado a sua argumentação como princípio ou como conclusão verbal, sem rispidez embora.
A Interpretação Menos Ríspida
A diferença entre Interpretação Ríspida e Menos Ríspida é como a
diferença entre olhar para um aviso ou regra como conclusão de um raciocínio e
olhar para eles como princípio de discussão.
MIGUEL TAMEN Colunista
do Observador, Professor (e director do Programa em Teoria da Literatura) na
Universidade de Lisboa
OBSERVADOR, 01 dez. 2024, 00:161
Avisam-nos de que a loja fecha às sete, de que um soneto tem catorze
versos, e de que só posso falar durante quatro minutos. A estes
avisos podem aplicar-se a Interpretação Ríspida e a Interpretação Menos Ríspida. Segundo a Interpretação Ríspida, um
décimo quinto verso exclui o meu soneto do concurso A Arca de Petrarca; o
microfone será desligado ao quarto minuto; e depois das sete darei com o nariz
na porta da loja. Alega-se que as consequências são nocivas, e que a
Interpretação Ríspida ignora o muito bem que eu poderia fazer se as
circunstâncias fossem outras. Nesses
apertos parecerá preferível a Interpretação Menos Ríspida.
A Interpretação Menos Ríspida concede perfunctoriamente que convém que
as horas de fecho do comércio sejam observadas, que a oratória seja contida em
público, e que os sonetos não se prolonguem indefinidamente; mas, ao
contrário da Interpretação Ríspida, defende que o melhor modo de conseguir
esses resultados é pregar pequenos sustos a quem contemple não agir segundo
essas conveniências. Sugere em consequência que todos os avisos devem ser
entendidos como sustos que se pregam para benefício posterior dos assustados. Da Interpretação Menos Ríspida segue-se
que poderei entrar na loja depois da hora para que aprenda a chegar antes da
hora; que o meu soneto de quinze versos será admitido a concurso para que num
próximo concurso os meus sonetos tenham catorze; e que me será permitido falar
demais para que eu venha a falar menos.
A subministração da clemência é contudo
em todos estes casos acompanhada por explicações circunstanciadas. Interpretar avisos segundo as regras da
Interpretação Menos Ríspida consiste em reconhecer que qualquer pessoa tem as
suas razões, mas também em assustá-la em pormenor com a possibilidade de que
qualquer pessoa pode decidir não as ter. A satisfação do
pedido exige qualidades extraterrenas, mas apesar disso insiste-se nele. A Interpretação Menos Ríspida é assim um modo louco de entender
combinações entre os humanos, nomeadamente os arranjos comerciais, a educação
de crianças, o direito penal, a interacção com médicos, o funcionamento dos
relógios, e a organização política das comunidades.
A diferença entre a Interpretação
Ríspida e a Interpretação Menos Ríspida é como a diferença entre olhar para
um aviso, uma lei ou uma regra como a conclusão de um raciocínio e
olhar para eles como o princípio de uma discussão. Quando olhamos para
um aviso como uma conclusão não esperamos que naquela matéria haja muito a
discutir. Se pelo contrário olhamos para um aviso como um barulho preliminar, o
aviso dissolve-se nas nossas razões. Para
a Interpretação Menos Ríspida, um aviso consiste em tentar assustar o público
com barulhos preliminares na esperança de o forçar a chegar à conclusão de que
deve esquecer as suas razões; mas o público, percebendo logo que se trata de
barulhos Menos Ríspidos, quase nunca chega à conclusão pretendida.
COMENTÁRIO
Francisco
Almeida:Miguel Tamen, provavelmente sem tal lhe passar pela ideia, definiu
paradigmaticamente os povos alemão e português.
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