domingo, 15 de dezembro de 2024

Facécias


De uma História que nasceu, cresceu e estreitou, num país que também - estreiteza que cabe, entre outros motivos, (que destroem definitivamente os epítetos laudatórios contidos na letra do Hino Nacional, hoje perfeitamente irrisórios) - às tácticas e estratégias dos dois últimos políticos citados, o primeiro dos quais, contudo, único a ser festejado, pela sua actuação bonacheironamente oportunista – definitivamente desembaraçador de responsabilidades e de respeito pátrio.

Salazar, Soares, Cunhal: os três políticos do século XX português

Salazar, Soares e Cunhal representam, em Portugal, as alternativas do século XX: o nacionalismo autoritário, o comunismo totalitário e a democracia liberal.

JAIME NOGUEIRA PINTO Colunista do Observador

OBSERVADOR, 14 dez. 2024, 00:1725

A passagem do centésimo aniversário do nascimento do Dr. Mário Soares deu lugar a grandes comemorações, como é natural, tratando-se de uma personalidade decisiva da classe política deste regime. E como é também natural, a grande maioria das intervenções foi laudatória, com excepção da de André Ventura, na Assembleia da República, que teve o mérito de sublinhar o papel crucial do então ministro dos Negócios Estrangeiros do governo provisório de Vasco Gonçalves na descolonização. Um governo provisório que, sob a pressão de um colectivo militar, tomou as decisões mais definitivas da História de Portugal depois da Restauração de 1640 e da Guerra Civil de 1828-1834.

De resto, Mário Soares fazia-o coerentemente, já que tinha sido a primeira personalidade da oposição democrática a tomar uma posição “anti-colonialista”, quebrando o republicanismo histórico patriótico que levara a resistência não-comunista ao regime a apoiar a política de Salazar de defesa do Ultramar em 1961, no início da guerra de Angola.

Salazar, o nacionalista

Salazar é, sem dúvida, a figura política central da história de Portugal do século XX. Primeiro, porque foi dominante entre Abril de 1928, quando chegou ao governo da Ditadura Militar como Ministro das Finanças, e Setembro de 1968, quando deixou o poder; depois, porque os seus inimigos políticos, de Mário Soares a Álvaro Cunhal, dos militares do MFA às novas esquerdas, continuaram a tê-lo como referência para dizer e fazer exactamente o contrário do que faria.

É, também, natural. Salazar era um nacionalista conservador autoritário, um homem que punha o interesse nacional português e a sua razão de Estado acima de qualquer ideologia de esquerda, centro ou direita, comunista, liberal ou fascista. Considerava-se um depositário de uma herança que vinha do rei-fundador, passava por Nun’Álvares e Aljubarrota, pelo Infante das Descobertas, pelos conquistadores das Índias e povoadores do Brasil. Revia-se nos insurgentes da Restauração, no patriotismo orgulhoso de Pombal, na resistência popular aos franceses nas invasões; e nos “Africanos”, de António Enes a Mouzinho de Albuquerque e a Caldas Xavier, que tinham entendido e salvado o Império depois da partilha africana de Berlim.

Fora esse o legado que recebera e que considerava um dever conservar, até porque estava convencido que, sem Ultramar, sem Império, Portugal acabaria por perder a independência, ficando um país periférico numa Península e numa Europa mais poderosas.

Soares, o democrata

O Dr. Soares tinha outros valores; como foi realçado por vários dos seus correligionários e admiradores, era um democrata e um europeísta a quem pouco diziam grandezas históricas e presenças imperiais que pudessem pôr em causa ou suspender a democracia partidária e os seus valores individuais de liberdade de expressão e organização.

Desses valores, Salazar tinha, não só a referência crítica negativa, por razões doutrinárias, da “democracia cristã” dos Papas Sociais e do racionalismo maurasiano, como a experiência da Primeira República. Mário Soares, também porque pertencia, por família, à aristocracia dessa Primeira República, que com o 28 de Maio e o Estado Novo seria afastada do poder por meio século, tinha convicções opostas. Não podia gostar de Salazar.

E não gostava. Embora, para o fim, num momento de mal contida fúria contra os modernos governantes, viesse fazer, a seu modo, um reconhecimento da probidade pessoal e da isenção de Salazar.

Porque Mário Soares era assim. Tinha sentido político e sabia que era o Inimigo que fazia o Amigo ou o Aliado, e que, por isso, contra o Inimigo principal do dia, não hesitava em aliar-se com os inimigos, mesmo os principais, da véspera.

Estivera no Partido Comunista, mas o golpe de Praga e o destino dos então “colaboracionistas” com os comunistas – o suicídio por defenestração de Jan Masaryk impressionou-o muito – afastaram-no do Partido. Ainda colaborou no frentismo de 1949, à volta da candidatura presidencial do republicano e “colonial” general Norton de Matos, que iria também cortar com os comunistas, e acabar os seus dias protegido contra eles.

Inteligente, rápido, com sentido da manobra, Mário Soares não podia deixar de aparecer no radar das organizações que, no tempo da Guerra Fria, tinham por tarefa estar atentas, em países como Portugal, a alternativas oposicionistas não-comunistas. Organizações que, na área militar, tinham já identificado um unificador da oposição – Humberto Delgado – e que entre os civis, desde o caso do “Ballet Rose” e da sua denúncia mediática no exterior, tinham apoiado discretamente o futuro líder socialista. Para eles e os seus interesses, alguém equidistante do Estado Novo e do comunismo soviético – o inimigo número 1 – era importante.

Cunhal, o comunista

Este inimigo, o PCP, era chefiado em Portugal pelo terceiro político deste terceto, depois de Salazar e de Soares – Álvaro Cunhal. Em 1945, a seguir à Guerra, as veleidades da oposição democrática de conseguir apoio em Washington e Londres para derrubar Salazar tinham caído perante os despachos das respectivas embaixadas de que, não havendo nenhuma liderança e capacidade alternativa na oposição democrática, o fim do Estado Novo significaria o risco da tomada do poder pelos comunistas. Em 1974, como documentou Tiago Moreira de Sá, não só a embaixada americana estava a leste da conspiração corporativa dos capitães, cansados da guerra de África, como estes deram ao PREC um movimento próprio em que o PCP tinha trunfos, ao ser a única organização política sobrevivente além do “partido único” dissolvido, UN-ANP. E os comunistas tinham também o prestígio, com alguma razão, de ter sido o “inimigo principal” do Regime e o grande destinatário da repressão policial. E assim Cunhal, homem determinado, inteligente, fidelíssimo a Moscovo, nostálgico do estalinismo, interveio com o seu Partido no PREC. Essencialmente para garantir que a descolonização tivesse um sentido favorável à URSS, mas também para, no 28 de Setembro e no 11 de Março, mobilizar a sua gente na “luta antifascista”, saneando, perseguindo e prendendo reaccionários, latifundiários, capitalistas e seus agentes reais ou imaginários. Pôr a reacção na cadeia era coisa de que tinha, a partir da Rússia e da Europa Oriental, um vasto know-how. Aqui não foi muito mau porque durou pouco.

O Dr. Soares esteve na frente comum anticolonial; no 28 de Setembro continuou no governo de Vasco Gonçalves e não pareceu muito incomodado com as centenas de presos sem culpa formada, então nas prisões da jovem democracia. Também aprovou as nacionalizações do 11 de Março e alinhou no discurso antifascista, até que, ao ver chegar-lhe à porta a procissão, se deve ter lembrado de Kerensky na revolução russa e de Jan Masaryk em Praga, em 1948. A ele não o defenestrariam.

Nessa ocasião, já o quadro geopolítico estava traçado, com a irreversibilidade da descolonização, que possibilitava a viragem nas Forças Armadas sem risco de voltar à guerra; e também estava garantida a aceitação por Moscovo das regras da partilha de Ialta. Tudo isto seria regulado no 25 de Novembro, que instituiu o Centrão e permitiu salvar o PCP e o Dr. Cunhal do perigo da contra-revolução.

A SEXTA COLUNA     HISTÓRIA     CULTURA     DEMOCRACIA     SOCIEDADE     POLÍTICA     MÁRIO SOARES      PAÍS     SALAZAR     ÁLVARO CUNHAL     PCP

COMENTÁRIOS (de 25)

Maria Augusta Martins: A Democracia do Dr Soares só se aplicava quando ele tinha o mando e o Erário à disposição. Caso não estivesse no poleiro toda e qualquer atitude do governo era brindado com os epítetos do costume. Eu exemplifico: A 4 de Dezembro de 1980, até às 22 horas o dr Sá Carneiro era um fascista, adúltero e um saudoso do Estado Novo. Às 23,30 já com a morte do homem confirmada, o dr Sá Carneiro passou a ser um grande democrata e anti-fascista do melhorio. Enfim para mim isto diz tudo sobre a pessoa. Olhem o Barreirinhas do Cunhal não mudou o discurso com o acidente, honra lhe seja!                    Maria Emília Ranhada Santos: Salazar foi um estadista honesto e íntegro! Morreu bem pobre e nunca usou um cêntimo do Estado para seu proveito próprio! Construiu escolas, centros de saúde, pontes, etc. Nunca fez dívidas ao Estado! O seu grande "defeito" era preocupar-se demasiado com as ex-colónias e esquecer um pouco o continente! Soares era um socialista que tinha as suas qualidades, mas o facto de ser socialista já afastou muito o país da democracia, pois para ele, o partido estava sempre primeiro e continua hoje a acontecer nos seus seguidores! Cunhal também se destacou e deixou a sua memória acesa, por ter sido um acérrimo lutador naquilo em que acreditava! Infelizmente acreditava num grande erro, mas era assim que ele acreditava com convicção! Infelizmente, com tanta "liberdade" uns "pidescos" do novo regime, acabaram com a vida de outros grandes estadistas como Sá Carneiro, para que não lhes fizesse sombra e eles pudessem conduzir o novo regime, não para uma verdadeira democracia, mas para um socialismo que nos trouxe ao local em que estamos! O 25 de abril, que devia ser para implantar uma democracia, não foi porque Sá Carneiro foi assassinado pelos antidemocratas esquerdistas! Não podemos ignorar nem esquecer este triste e relevante acontecimento, porque ele marcou totalmente o destino do nosso país! E foi de tal modo marcante, que hoje, depois de tantos anos de esquerda no poder, esta convenceu-se de que já se tinham tornado os donos absolutos disto tudo! Agora, cada vez que alguma direita de verdade se aproxima do Parlamento, o ódio cresce até ferver nas cabeças e corações daqueles que julgavam que com a morte de Sá Carneiro tudo tinha sido concretizado! Infelizmente, a estes políticos de esquerda, juntou-se a comunicação social, dos poderosos, que querem o poder para dominarem, não para construírem uma democracia! Foi deste modo, com estes governos de esquerda que chegamos à cauda da Europa! Também nos EUA os políticos e a comunicação social, com a infinidade de jornalistas e comentadores apoiaram a esquerda e tudo inventaram para destruir a direita, mas o povo, marimbou-se para as mentiras da CS e votou em quem achou que devia votar, para vergonha e desastre desses "profissionais" que ficaram totalmente desacreditados! Portugal nunca esteve tanto em baixo! Há um desejo louco da esquerda de entregar o nosso país às perversas elites globalistas, para que ele deixe de existir e passemos a ser uns sem identidade, sem bandeira, sem História, sem fé, sem Deus, sem Pátria, enfim, sem sentido para a vida! Eles querem, a esquerda, quer! Mas a direita e os portugueses não queremos! Queremos continuar com os nossos valores e a nossa identidade pessoal e nacional! Queremos alguém que restaure a nossa democracia, aquela que Sá Carneiro desejava e foi impedido de realizar por ter sido assassinado por gente da esquerda!                  Novo Assinante: Fascistas como JNP ou André Ventura deviam lavar a boca antes de falarem sobre o dr. Mário Soares a quem devemos a primeira e até então única democracia da História de Portugal.             MCMCA A: Mário Soares foi um homem sem memória que por isso, dizia uma coisa e o seu contrário sem corar e sentir remorsos. Guiou-se pelo poder e pelo poder traiu amigos e companheiros de partido. No fim da vida, voltou a ser o esquerdista militante dos seus verdes anos porque não precisava do discurso socialista moderado para nada porque não tinha esperança de alcançar mais o poder. Foi sempre oportunista, algo que Salazar e Cunhal nunca foram.                  António Moreira > Ilidio Dantas: Não se esqueceu. Por mais que se gostasse de Sá Carneiro - e havia algumas razões para gostar, não discuto isso - a sua passagem foi demasiado efémera e sua actuação demasiado condicionada para deixar uma marca real nos destinos do país, que é do que trata a crónica.                       Sérgio Cruz: Mais uma aula de História que tenho o privilégio de ler e de aprender todos os Sábados. Obrigado, JNP.                          Tim do A: Soares, o idiota útil ao serviço dos impérios americano e soviético.                     Pertinaz: Salazar era e é uma ameaça para a escumalha congregada na maçonaria para assaltar o erário público…                     A D: Em suma, o golpe de estado de 25 de abril serviu sobretudo para entregar o império aos soviéticos e dinheiro sem risco aos oficiais das forças armadas, que assim renegaram para sempre os valores com que se construiu Portugal: valentia, coragem, fé cristã, de Afonso Henriques ao Infante Dom Henrique ou a D. João II, Vasco da Gama a Mouzinho de Albuquerque… e de entre as muitas estrelas e galões militares sobressai um bonacheirão incapaz de somar dois com dois, segundo o próprio, que acima de tudo erigiu o ódio a Salazar como leit-motiv para a sua vida.                 Ilidio Dantas: Esqueceu-se de um polo importante nesse século que apesar de ter pouco tempo de vida no desenrolar de uma nova democracia. Francisco Sá Carneiro, foi uma personagem que marcou a política e a vida portuguesa

 

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