Esse humor que investe tão disformemente
sobre os ridículos humanos de forma tão directamente provocatória, parece
destituído, de facto, do sentimento de Deus, pese embora a arte histriónica com
que o faz, ele próprio julgando-se, talvez, um Deus Todo Poderoso castigador
dos gestos humanos, sem a salvaguarda da piedade e do respeito alheio, perante
uma população definitivamente destituída de educação e de dignidade, afeita ao
humor de achincalhamento bacoco das figuras do destaque social, de realce vingativo e de mais directa
e fácil percepção pública, mas definitivamente conducente a um desvairamento
social de permissividade deseducativa que há muito se faz sentir no nosso país.
Não, não creio que Ricardo Araújo Pereira se entretenha alguma vez com essa questão
do castigo eterno, indiferente que é ao exemplo bíblico das pedradas sobre os
pecadores ou a pecadora que Jesus protegeu, no apelo a uma ponderação necessária a cada ser humano que pretende armar-se em castigador sem prévia introspecção.
A falta de fé do Ricardo Araújo Pereira
Crente que é crente sabe que o melhor
ateu que conhece é ele mesmo, porque não há fé que não seja testada pela dúvida
e as dúvidas mais sinceras que um crente conhece não são as dos outros mas as
suas
TIAGO DE OLIVEIRA CAVACO
Pastor Baptista, colunista do Observador
OBSERVADOR, 15 dez. 2024, 00:162
Foi-me dado esta semana o privilégio de me juntar ao João Francisco Gomes e ao
Ricardo Araújo Pereira no lançamento do livro que publicaram, a
partir de conversas acerca de religião. Chama-se “O que é que eu estou aqui a fazer?” É uma bela
pergunta que encaixa numa história
memorável em que o humorista, num gesto de sinceridade, obteve talvez as
primeiras gargalhadas colectivas da sua vida ao apresentar a dúvida a um dos
padres da sua escola, quando era miúdo. Uma das vantagens que
o Ricardo tem sobre a geração anterior de cómicos portugueses é a sua abertura ao assunto de Deus. Ainda que
eu e a minha geração devamos muito ao Herman, o seu genuíno desinteresse
público pela religião sempre foi desinspirador.
Para que a conversa fluísse entre nós os
três no lançamento, o João sugeriu
algumas perguntas. A primeira foi se tinha resposta para a
pergunta do título do livro. Sei que hoje as pessoas tidas por inteligentes dizem
só querer fazer perguntas e não cometer a
arrogância de oferecer respostas (escrevi um texto sobre o assunto aqui no
Observador chamado “Por que não acredito assim tanto em perguntadores”),
mas, sinceramente, acho que sim, que tenho uma resposta para a pergunta
“o que é que estou aqui a fazer?” Porque tenho fé em Jesus, acredito que integro um
circuito cósmico de glória que é dada a Deus, o criador disto tudo. Nada nesta glória é fácil, mas o que nela
é custoso não anula a sua existência.
Outra pergunta era se Jesus também tinha alguma prática de humorista
e se havia mecanismos de comédia no evangelho. Sim,
creio que há humor em Jesus. Basta lembrar uma passagem do Sermão do Monte que sempre me fez rir,
quando o Senhor pergunta “qual dentre vós é o homem que, se porventura o filho
lhe pedir pão, lhe dará pedra? Ou, se lhe pedir um peixe, lhe dará uma cobra?
Ora, se vós, que sois maus, sabeis dar boas dádivas aos vossos filhos, quanto
mais vosso Pai, que está nos céus, dará boas coisas aos que lhe pedirem?” Diria que é um humor
com espaço para o absurdo, típico da velha pedagogia rabínica. Ainda
assim, receio que parte do interesse que temos em encontrar
humor na Bíblia se deva hoje a qualidades que já canonizámos em nós e que, num
suposto gesto de simpatia, estendemos condescendentemente aos outros. Qualquer época o faz. Para mim que sou crente, melhor
do que a Bíblia ser boa porque lhe acho humor, é a Bíblia ser boa
independentemente do humor que lhe acho.
O João questionou também se é
possível construir um quadro de valores sólido fora da religião. É uma boa pergunta que, sinceramente, não
me parece respondida de um modo satisfatório fora dos contornos da ficção.
Todas as propostas de valores não-subjectivos além do reconhecimento da existência de Deus como a base de uma moral
transcendente continuam a parecer-me insuficientes, intelectual e
empiricamente. Não acho que
as pessoas que não crêem em Deus não podem viver existências moralmente
superiores às dos crentes e conheço até muitos casos assim. Mas essa capacidade
existe por conta do Deus em quem não crêem e contra a falta de fé que nele
declaram.
O João perguntou ainda se faz bem aos
crentes ouvir mais os ateus. Crente que é
crente sabe que o melhor ateu que conhece é ele mesmo, porque não há fé que não
seja testada pela dúvida e as dúvidas mais sinceras que um crente conhece não
são as dos outros mas as suas. Esta é a ironia: quando ouço o cepticismo do Ricardo
Araújo Pereira sinto que o meu é mais autêntico. Talvez seja por isso que vou
afirmando que preciso mais de fé do que ele.
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COMENTÁRIOS
(de 11)
unknown unknown: O sr Araújo não acredita em Deus mas acredita no
comunismo. Portanto fé não lhe falta. Faria melhor ao mundo se acreditasse em
Deus. Mas como é ser de esquerda que lhe dá dinheiro, escolhe o bolso, como
qualquer capitalista anti-capitalista. Mas a real pergunta que se coloca é: qual
é o deslumbramento de se sentar à mesma mesa que o sr. Araújo?
mais um: RAP acredita do dinheiro, de preferência muito, mas
para si, como bom comunista.
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