Ele sabe
Não, isto não é uma lenga-lenga, é simplesmente, num resumo
abreviadíssimo, fazer a parte das coisas. Não quero que a nossa amizade, a
minha e de Marcelo se despenhe nos socalcos da passagem por Belém
MARIA JOÃO
AVILLEZ, Jornalista, colunista do Observador
OBSERVADOR, 11
dez. 2024, 00:2239
1Ele sabe. Sabe até mesmo desde o seu
primeiro mandato presidencial. Sabe como entre a perplexidade e a veemência
discordei de muitos andamentos da sua década não prodigiosa. Mas também sabe o
que fizemos, um e outro – acho eu… – para que a nossa amizade tão antiga, não
se despenhasse nos socalcos dessa passagem por Belém. (Tão antiga amizade de
facto, que recordo a nossa diária convivência no Expresso, sempre aliás muito
mais que profissional, como algo que tivesse ocorrido no período paleolítico e
aí sim, aí é que éramos felizes .(Que ideia Marcelo essa de uma “felicidade
“repartida com António Costa, como se fosse preciso erguer um biombo entre uma
adolescêntica nostalgia sobre felicidades improdutivas e o que vigora hoje no
país, que talvez te confunda ou não…sei).
2O certo é que tendo obviamente apreciado
alguns passos, tomando nota de certos gestos, e retendo meia dúzia de discursos
do actual Presidente, eu discordava, mais que outra coisa. E a diferença é que,
desde o princípio, nunca o escondi. Antecipando dúvidas, sinalizei-as até num
texto publicado
aqui mesmo no Observador, oito dias antes da sua tomada de posse, um
escrito que já acarretava com ele o peso de alguma reticência. O texto caiu o
pior possível, fui interpelada directamente – “mas como é que eu ousava, será
que preferia a eleição de Sampaio da Nóvoa” ou de mais não sei quem?
Desde amigos a intelectuais de esquerda
e ex-intelectuais de esquerda, passando pelos “dîners en ville” onde Marcelo
Rebelo de Sousa era o enaltecido e mimado Presidente e eu a desastrosa
desmancha-prazeres naquele gáudio de virtude, houve de tudo. Um gáudio onde
todos, elites, país, povo, se embebiam.
Sucede porém que não é de todo isso que
me traz. É o contrário.
3Acho que seria incapaz de me ter zangado
com Marcelo Rebelo de Sousa, ou de preferir deixar de o ver ou sequer de
escolher distanciar-me dele. Conheço-o bem de mais para isso, vivi algumas
coisas – das que marcam – com ele ou junto dele, colaboramos ambos lado a lado
em iniciativas da Igreja; são absolutamente incontáveis as vezes que estivemos,
jantámos, almoçámos, discutimos, rimos, os dois ou com amigos comuns, quase
sempre os mesmos, que é como deve ser. E sabe Deus o que isto conta em épocas
de balanço ou fora delas, conta sempre. Sei de cor a sua imensa generosidade e
de como ele se interessa de facto por quem lhe bate à porta, está só, ou em
sofrimento, ou morre. Testemunhei de perto o seu sentido de família e a
importância que ela tinha para ele, o pai que foi, o avô que é. Defendi-o
publicamente quanto pude no caso das duas crianças brasileiras doentes. E nunca
esquecerei que lhe devo comovidamente uma intervenção – tão brilhante quanto
atenta ao que tenho andado a fazer no jornalismo há mais de meio século – feita
no lançamento de um dos meus livros, “As Sete Estações da Democracia”. Foi no
dia 24 de Novembro de 2021, num dos palcos da Gulbenkian, vivia-se a pandemia
mas ele esteve lá. Guardo as suas palavras como um cúmulo de generosidade que a
minha discordância não chegou a contaminar. Notável generosidade.
Não, isto não é uma lenga-lenga, é
simplesmente, num resumo abreviadíssimo, fazer a parte das coisas.
Sei o que Marcelo é capaz de fazer e o
que ele não é – foi – capaz de fazer e não confundo os planos. Ou não me
permito confundi-los. Ou não quero. A vida continua.
4Espanta-me agora que tantos e tantas dos
que há oito anos me invectivavam e me asseguravam que “não era bem assim e que
eu exagerava”, exagerem eles agora.
Saindo a terreiro com virulência após
anos de inútil condescendência, distribuída gratuitamente a torto e a direito.
Sem audível discordância quando algumas coisas exigiam pública discordância. E
nem ao menos salvaguardando a dignidade do cargo como merece a Presidência da
República.
Lembro de que me arengavam quando
sublinhava o que me parecia ser o excesso de cumplicidade com as governações de
António Costa; ou me indignava que o centro- direita fosse uma espécie de sem
abrigo sem sombra de representação no verbo ou no gesto presidencial; me
surpreendia com a mudez de Belém face a alguns crassos erros socialistas; ou
quando a autoridade do mais alto magistrado da nação parecia ausente de alguns
propósito e algumas intenção. Por exemplo.
Espanto-me hoje e não é pouco. Há oito
anos, quando o Presidente da República infantilizava a plateia do país com o
tique das selfies; há sete, quando continuava a menorizar o país pelo qual
velava com o seu entendimento de “proximidade”; há seis, quando em vez de
mobilizar os portugueses para o destino de Portugal, lhes dizia que eles eram
os melhores (?), teriam talvez, quem sabe, valido a pena chamadas de atenção da
parte de elites responsáveis. Avisos sérios – graves e circunspectos – e não à
sobremesa de um jantar íntimo em Belém.
Agora quando subitamente e já quase fora
de horas o coro dos desiludidos (desiquê?) aumenta de voz no “não-aplauso”, eu
que aplaudi bem menos que eles, lembro o Marcelo brilhante intelectual,
académico de excepção, inspirado director de jornais, cidadão interessante,
interessado, culto, curioso. Vertiginoso na inteligência, poderoso na memória,
perigoso na intriga, delicioso no humor. Curioso no contar das histórias que
nos diz saber e ter vivido, mesmo que não saiba tudo e só tenha vivido em
parte.
Eu sei que falta tempo, mas era-me
preciso fazer hoje a parte das coisas. Destas. Posso ter perdido um presidente,
não perdi um amigo.
5Ocorreu-me tudo isto mais de uma vez,
desta feita há dias, a ouvir Marcelo a falar de cima de um palco. Foi na
apresentação do novo livro de Eduardo Marçal Grilo – ex-ministro da Educação. O
nome da obra é comprido – “Educação e Liberdade – A primavera de Veiga Simão,
os desmandos do PREC e a renovação de Sotto Mayor Cardia” (Clube do Autor) –, o
livro é obrigatório. O autor volta aqui a revisitar a Educação noutras eras e
épocas através de alguns protagonistas da área educativa (já o fizera num
volume anterior, igualmente muito interessante, “Salazar e a Educação no Estado
Novo”, olhando e discorrendo sobre alguns ministros da Educação do anterior
regime).
Desta feita entra por 1974 e não
encontro aliás melhor definição deste segundo volume do que a escolhida por
Jaime Gama, autor do prefácio: o livro “é uma fusão entre diário, memória,
história e reflexão que não deixará indiferentes os leitores motivados”. É
exactamente isso mas era preciso saber fazê-lo e Eduardo Marçal Grilo soube.
Prenderá até os porventura menos “motivados”.
Motivadíssimo estava Marcelo Rebelo de
Sousa quando subiu ao palco, após a apresentação do livro (feita por Guilherme
Oliveira Martins, particularmente inspirado, e por David Justino) e voltemos a
Marcelo. E ao brilho da sua própria desenvoltura assente na memória e no
conhecimento da História e das histórias; a argúcia da observação dos
personagens que mobilam o livro, o fulgor de uma invulgar inteligência. Em
certo sentido o seu “modo” oratório talvez seja de facto insuperável quando
olha para a nossa a História, mais recente ou mais recuada e nos leva pela mão
nessa viagem. Voltou a acontecer.
E eu, diante daquela performance (não há
outro termo), voltei a pensar que devia, de uma vez por todas, fazer a parte
das coisas. Ficou feita acima.
PS.Tenho um particular gosto em dar esta
boa notícia: vai ser finalmente aprovado o novo estatuto da carreira
diplomática após vinte e oito anos regidos pela anterior legislação. Eu
conhecia esta velha e persistente aspiração da nossa diplomacia em poder vir a
contar com um estatuto mais actualizado e mais conforme ao seu papel no mundo
de hoje. Viajei muito em trabalho por vários continentes e em todos fui sempre
amparada pelo acolhimento, o saber, o profissionalismo, a delicadeza dos
embaixadores portugueses nos lugares – alguns tão longínquos como Buenos Aires,
ou Moscovo, ou Maputo, ou Nova Dheli, por exemplo – onde trabalhei. A história
do quase imutável estatuto vinha por vezes à tona das conversas ao serão. Não
virá mais, ao fim de três décadas há um novo estatuto. O ministro dos Negócios
Estrangeiros deve estar feliz, e eu daqui envio os meus parabéns ao Ministério
e a quem na “casa” levou esta água ao moinho.
MARCELO
REBELO DE SOUSA PRESIDENTE DA
REPÚBLICA POLÍTICA
COMENTÁRIOS (de 39)
Glorioso SLB: Tanto
texto apenas para dizer q esteve um incompetente (para o cargo) em Belém e
assim perdemos 10 anos de presidência. Miguel
Seabra: O Passos
Coelho não precisou de tantas palavras para definir com clareza: não precisamos
dum presidente cata-vento! João
Floriano: Tantas
qualidades, tantas capacidades, tantas competências sociais que aqui são
inumeradas a propósito do Presidente da República! E os portugueses apenas
quiseram um bom presidente, coisa que não tiveram, porque Marcelo foi mais um
factor de divisão no país, dando colinho ao PS e indirectamente aos seus proxis
de extrema-esquerda e mantendo o centro direita numa orfandade e até
desatenção, como se uns fossem os filhos e outros os enteados. Ele sabe o mal
que fez a Portugal e aos portugueses que contam os dias para o ver pelas
costas, os dias para deixar Belém e levar todas as suas competências inúteis
para bem longe.
Tim do A: Amizade
com Marcelo? Andou com más companhias! Marcelo não é amigo de ninguém. Só dele
mesmo! JOHN
MARTINS: Grande perplexidade vai neste artigo de
Maria João. Dei-me ao cuidado de ler o publicado em 17 de jan de 2016.E li: «Marcelo
com o mesmo brilho e a mesma velocidade era capaz de dizer tudo e o seu contrário,
ser tudo e o seu oposto sem nunca estar inteiramente comprometido com nada».Ora
esta revelação do caráter de Marcelo que Maria João conhece há mais de 50 anos,
é de pessoa que não se recomenda para amigo. Porque teima em tê-lo como amigo?
E é isto providencial? Não. Foi apenas, vendido pela TELEVISÃO!!! Paulo
Cardoso: MJA, nesta
profunda confissão de estado de alma, revela-se uma fiel, desinteressada e
verdadeira amiga. Só estes têm a coragem de reconhecerem os defeitos dos
outros, deles abertamente falarem, mantendo no entanto a amizade, mesmo apesar
daqueles. Interrogo-me se MRS é merecedor de tal amizade. Agradeço a MJA,
ter disponibilizado o acesso ao artigo de 2016, permitindo assim a leitura do
mesmo. Nele revejo todo o meu processo de decisão do voto de então, que
culminou na opção por Henrique Neto. MRS, nos oito anos que conta de mandatos,
confirma todos os defeitos apontados por MJA. E alguns mais. MRS, aliado ao
habilidoso AC, proporcionaram uma década perdida a Portugal. Pior ainda. Pelo
que se vislumbra no horizonte, inauguraram uma nova forma de fazer política e
de dirigir o país que terá continuidade. Quem me dera estar profundamente
enganado… Alexandre
Areias: Um bom
retrato da "bolha" narcisista, parola e pequenina que funciona em
circuito fechado e se vê como superior ao resto do país, de quem julgam ser
donos como se se tratasse da sua coutada privada joaquim
Pocinho: Não foi um
bom presidente.
João Angolano: Um
país não é um teatro ou uma plateia que assiste a uma encenação para divertir e
sobretudo para permitir a um engraçadinho muito inteligente se divertir. A
Maria João tem uma fraqueza: deslumbra-se demasiado com as inteligências e as
performances públicas Fernando
ce: Marcelo teve
aspectos positivos na sua Presidência, mas não gostei da necessidade que tem em
ser popular, das desnecessárias muitas viagens ao Brasil, do excesso de apoio a
Costa por facilidade sua e para ser popular, da anulação da oposição de direita
quando dava cobertura ao governo do PS, enfim considero ter sido um sofrivel
Presidente. Melhor fora que não fizesse nada positivo, agora dar entrevistas
em calção de banho, em comer gelados e falar para a imprensa em comentar o
decote de uma emigrante, o certo é que o país piorou muito com os Governos
do Costa e ele nada fez de relevante. Faltou-lhe gravitas. E tem a seu
“crédito” a subida vertiginosa da direita radical durante a sua presidência,
alimentada pela desgovernação do Costa. Maria
Cordes: O seu amigo,
esvaziou de qualquer dignidade a Presidência da República. Não tem perdão. Novo
Assinante: Este panfleto
serve para quê? Para a tia de Cascais dizer que é amiga pessoal do senhor
Presidente da República?
Francisco Almeida: Comentários
publicados e com vários "likes" cobrem quase tudo o que poderia
dizer. Fica apenas o "académico de excepção". Os seus alunos gostavam
dele e riam-se das suas pilhérias, ponto final parágrafo. Mas onde está a escola de pensamento académico que
deixou? Onde estão os livros sujeitos à crítica dos pares? Onde está a
excepção? F.
Mendes: MJA lança as mãos à cabeça, depois de
quase nove (!) anos de canalhices desta aventesma, que arruinou moralmente o
país e quase liquidou uma Nação. Quanto
à suposta inteligência dele, desafio MJA a apresentar um contributo intelectual
valioso, ao longo de toda a vida. Pode ter sido um tipo divertido a animar os
chás-canasta das tias de Cascais, mas não passa disso. GateKeeper:
Bla, bla, bla... ... tá-rá... tátá. MJA
está reduzida e "trans-morfada" no parágrafo acima. Lamenta-se, mas,
era previsível este lento "arrastar d'asa" a um passado que já foi.
MJA acomodou-se. Sem mais. Nem menos. Carlos
Chaves: A única coisa
boa é que brevemente nos veremos livres deste “traste”, a não ser que queira
copiar o outro “traste”, que a Maria João Avillez tanto elogia, candidatando-se
a um terceiro mandato daqui a seis anos, e o povo o eleja com saudades das
“selfies”! Jorge
Espinha: Como é
possível ser amigo de alguém como Marcelo? António
Lamas: Tanto
parlapié para elogiar o parlapié de, talvez, o pior PR da democracia. Será que "Ele sabe" que vai sair de Belém
pela porta pequena?
Duvido.
Vai voltar para Cascais, passeando o seu equipamento de tenista, com a raquete
debaixo do braço, como tantas vez vi, tentando esquecer 10 anos de futilidade e
inutilidade. Nós não merecíamos.
Paula Barbosa: Marcelo
foi um total desencanto..... Tenho pena....Estava farta de trombudos e patetas
em Belém! Dignidade e postura de Estado precisa-se !!!!
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