Impregnados de receios pelas reacções
dos doutrinadores –da nossa marginalidade didáctica - que reduziram a glória
dessas proezas dos antepassados às chufas centradas sobre escravos e
escravaturas e escravizadores, única lição que lhes convém propalar aos quatro
ventos da sua facúndia virtuosa e fraudulenta. Um desses, por sinal, prémio
Nobel da literatura nacional, até forjou extensa obra impregnada de zombaria
aos reis construtores de enorme convento em Mafra, símbolo da dimensão
acarretada de tais escravidões e escravaturas, prolongada nos obreiros desse
convento de tão extenso memorial, que só a exploração produziu, jamais a
intrepidez - ambiciosa, é certo, mas também corajosamente aventureira, dos
exploradores. Por isso, qualquer tentativa de erguer um museu por cá que fosse
glorificante desse povo minúsculo e gigante que deu início a uma epopeia ímpar,
só poderia provocar, por cá, não já chufas literárias mas o ataque e a
destruição, favorecidos pelos actuais dinamizadores dos bons sentimentos
mártires, digo, sobre os mártires povos-alvo desses descobrimentos, tornados progressivamente
ditadores, no seu alastramento mundial, docemente defendidos pelos actuais
doutrinadores da farsa histórica universal.
Desaparecido em combate
Já lá vão dez anos em que pessoas de
boa vontade andam a tentar impulsionar uma estrutura que evoque, mostre e
explique o que foram os Descobrimentos dos portugueses nos séculos XV e XVI.
JOÃO PEDRO MARQUES Historiador e
romancista
OBSERVADOR, 01 dez. 2024, 00:202
O assunto terá caído no esquecimento,
poucos se lembrarão dele, mas houve um
tempo, mais precisamente o
biénio de 2017-18, em que
um candidato à presidência da Câmara Municipal de Lisboa, e, depois, seu
efectivo presidente, teve como um dos seus objectivos prioritários a criação um
Museu das Descobertas. Falo,
claro está, de Fernando Medina que enunciou explicitamente, e por
estas palavras, o objectivo de pôr de pé uma “estrutura polinucleada na cidade (de Lisboa) que inclua alguns
espaços/museus já existentes e outros a criar de novo, e que promova a reflexão
sobre aquele período histórico (dos Descobrimentos) nas suas múltiplas
abordagens, de natureza económica, científica, cultural, nos seus aspectos mais
e menos positivos, incluindo um núcleo dedicado à temática da escravatura”.
Contra este projecto levantaram-se, em 2018, sob a forma de carta aberta
publicada no Expresso, as vozes de 114 académicos, quase todos de esquerda e
vários dos quais estrangeiros, e, em artigo de opinião no Público,
as de uma centena de afrodescendentes. Essa recolha de 200 assinaturas — ou nem
isso pois algumas pessoas assinaram ambos os textos — foi o suficiente para
Fernando Medina se encolher e deitar às urtigas o seu projecto que,
recordemo-lo, era “prioritário”. É
para mim incompreensível como pessoas que têm — ou diz-se que têm — altas
aspirações políticas se retraem perante pequenos obstáculos no caminho e
minudências políticas como estas. Que aconteceria se um dia estivessem à frente de um
governo e tivessem de enfrentar uma contestação a sério? Mas deixemos essa
pergunta sem resposta, porque isso são contas de outro rosário, e voltemos ao Museu das
Descobertas.
Defendi em devido tempo a criação desse museu, fi-lo, aliás,
por diversas vezes, e continuo a fazê-lo e a considerar que deverá
designar-se por Museu dos Descobrimentos. Como é
óbvio, não subescrevi a já referida
carta aberta dos 114 académicos que o contestavam, ainda que tivesse sido
convidado a fazê-lo. A razão que me leva a, neste momento, recordar tudo isso
relaciona-se com uma recente conferência na qual o historiador Santiago Macias,
actual director do Panteão Nacional e que foi a pessoa indigitada para dirigir,
na sua fase inicial, o projectado Museu das Descobertas, apontou as
vicissitudes desse projecto e deixou várias sugestões a seu respeito. Santiago Macias também lembrou que, ainda
antes do abortado projecto de Fernando Medina, houve, em 2015, a ideia de fazer
um centro interpretativo sobre os Descobrimentos que funcionaria numa réplica
(a construir) de um navio quinhentista e que poderia ser visitado na Ribeira
das Naus. Logo nessa altura se levantaram várias objecções mais ou menos
ociosas — uma vocação ou deformação muito portuguesa — e essa excelente ideia
nunca passou do papel.
Isto quer dizer — e é o que mais importa
sublinhar — que já lá vão dez anos sucessivos em que pessoas de boa vontade
andam a tentar, sem sucesso, impulsionar uma estrutura que evoque, mostre e
explique o que foram os Descobrimentos dos portugueses nos séculos XV e XVI. Como
disse Santiago Macias na sua recente conferência, o projecto do Museu das
Descobertas continua a fazer todo o sentido, independentemente da vereação que
esteja à frente da Câmara Municipal de Lisboa, e mesmo que não disponha de uma
colecção permanente, mas tão só colecções itinerantes que permitam ir mostrando
diversos objectos museológicos em combinação/associação com outros museus. Não
seria um museu no sentido clássico da palavra, mas um centro de interpretação
alargado e aberto a visitantes nacionais e estrangeiros e, sobretudo, às
escolas.
Ou seja, trata-se de um projecto de
interesse não apenas da cidade, mas verdadeiramente nacional, que se prende com
a construção, preservação e
transmissão da memória que Portugal deve ter de importantes momentos da sua
História e, num plano mais amplo, do passado de toda a humanidade. Que eu
saiba — e corrijam-me se estiver errado — o actual presidente da Câmara
Municipal de Lisboa, Carlos
Moedas, nunca se pronunciou sobre isto. Não desejará fazê-lo? Terá vontade política e sentir-se-á capaz de
assumir este encargo e esta meta nos termos, acertados ou adequados, em que
Fernando Medina a pensou, isto é, pôr de pé um museu que nos traga os
Descobrimentos nos “seus aspectos mais e menos positivos, incluindo um núcleo
dedicado à temática da escravatura”? Não quererá constituir uma
equipa que integre pessoas que dominem o tema e que tenha a dirigi-la alguém
capaz de decidir e de avançar, sem receio dos escolhos que certamente surgirão,
para repor este projecto em marcha? Na expressão “repor
este projecto em marcha” incluo pensar
como concretizá-lo, com que programa, com que custos ou financiamentos e em que
localização ou localizações. Já várias se sugeriram, incluindo o
edifício do antigo Banco Nacional Ultramarino, na Rua Augusta, onde agora está o
MUDE (Museu do Design). Eu, seguindo a opinião do meu colega Santiago
Macias, preferiria o Palácio dos Condes da Calheta, no topo do Jardim Botânico Tropical, que
teria, entre outras vantagens, a de ser relativamente próximo de outros núcleos
ou monumentos relacionados com a época em causa, desde os Jerónimos à Torre de
Belém ou ao Padrão dos Descobrimentos. Não quererá Carlos Moedas salvar e
reanimar um projecto aparentemente desaparecido em combate?
DESCOBRIMENTOS HISTÓRIA CULTURA MUSEUS
COMENTÁRIOS
Manuel Martins: Portugal deverá ser dos poucos países europeus que,
tendo sido um império e tido um papel na história mundial, e que não possui um
grande museu na sua capital: veja-se Madrid, reflectir a história, como são
enormes fontes de turismo e receitas. É verdade que temos em Lisboa alguns
museus temáticos que são muito visitados (Coches, Arte Antiga, Marinha), mas nenhum que faça alguém vir especificamente vê-lo. Licínio
Bingre do Amaral: Efectivamente
faz falta um museu dos Descobrimentos que concentre a história desse período de
grande inovação e liderança para Portugal. Espero
que se venha a concretizar num futuro próximo. João
Floriano: Lembro-me
perfeitamente deste projecto do Museu dos Descobrimentos e associo-o com outra
discussão que surgiu mais ao menos ao mesmo tempo e que tinha a ver com o
Memorial da Escravatura. No entanto posso estar a confundir os factos. Este
Memorial da Escravatura era suposto ficar junto ao Museu das Descobertas.
Acabou por ser encaminhado para o Campo das Cebolas próximo à Casa dos Bicos e
neste momento não sei em que fase se encontra o projecto. É evidente que um
Museu das Descobertas só poderia provocar um imenso alarido na comunidade
woke. E também é inegável que seria de enorme valor académico e cultural
porque cobre um período impar da História de Portugal, da Europa e do Mundo.
Espero que embora momentaneamente desaparecido em combate, seja resgatado em
breve.
Nenhum comentário:
Postar um comentário