sábado, 21 de dezembro de 2024

Esta gente

 

Um presente sem esperança, em termos da sequência da História pátria. Felizmente, os outros vão amparando. Há sempre outros que conseguem suster a derrocada. A Fé é boa auxiliar, no desespero.

A Juventude Socialista é o futuro

A avaliar pelos meninos e meninas da JS, as qualificações dos jovens estão perfeita e meticulosamente adaptadas à economia caseira. E vice-versa.

ALBERTO GONÇALVES Colunista do Observador

OBSERVADOR; 21 dez. 2024, 00:206

Na campanha para a liderança da Juventude Socialista, havia dois candidatos. De um lado, Sofia Pereira, que se diz “ecologista e feminista”, foi derrotada em eleições para a Assembleia da República e para o Parlamento Europeu, quer alargar o prazo para o aborto e reclama que se façam 600 mil casas em dez anos com os impostos do jogo online. Do outro lado, Bruno Gonçalves, que é o mais jovem eurodeputado português, que afirma ter uma “visão ampla do mundo”, que tem (e usa) um cachecol palestiniano, que já tirou uma fotografia junto a Pedro Sanchéz e que conta com “um longo currículo na área da política internacional”, embora na opinião da Sic Notícias.

Durante a campanha, os candidatos confrontaram-se em pelo menos um debate. Vi o pedacinho em que discutiam, força de expressão, a proposta habitacional da Sofia. Eis a transcrição exacta.

Bruno: “A Sofia propõe-se construir 600 mil casas com os impostos do jogo online. A Sofia sabe quantas casas foram construídas na última década em Portugal?”

Sofia: (Não responde e diz vagamente que sim com a cabeça)

Bruno: “Quantas?”

Sofia: (Não responde nem mexe a cabeça)

Bruno: “Foram construídas 12 mil casas”. [Foram construídos uns 111.000 fogos na última década em Portugal, jura o INE. O Bruno falhou por pouco: quase 100 mil casas.]

Sofia: “É a falta de ambição, as meias medidas…”

Bruno: “Deixe-me terminar, por favor, Sofia. Sabe qual é o custo médio de uma casa em Portugal?”

Sofia: (Não responde e faz um gesto com a mão, como quando se sacode uma mosca ou se empurram as migalhas da mesa)

Bruno: “Vou-lhe dar um número de 120 mil euros para construir uma casa. Para 600 mil casas a Sofia precisava de 5% do PIB.”[O PIB nacional é, reza a Pordata, de 267,3 mil milhões. 120 mil a multiplicar por 600 mil são 72 mil milhões, que não correspondem a 5% do PIB e sim a 26,9%. Ou o Bruno não sabe o valor do PIB, ou não sabe multiplicar, ou não sabe calcular percentagens, ou não sabe nenhuma das coisas acima.] “E a Sofia diz que os milhares de milhões necessários serão resolvidos com receitas dos jogos. Sabe quanto foi a receita dos jogos online no último ano?”

Sofia: (Não responde e aproveita para beber água)

Bruno: “268 milhões.”[Isto parece que é verdade.]“A Sofia já resolveu o problema para 0,05% do PIB… Onde é que vai arranjar dinheiro para os outros 4,95%?” [Os impostos do jogo online equivalem a cerca de 0,1% do PIB, o dobro de 0,05%. 0,05% de 267 mil milhões são 133,5 milhões, cerca de metade dos impostos do jogo online. O Bruno, alegado mestre em engenharia mecânica, embrenha-se nos números e arrisca a desaparecer sem rasto.]E é por isso – termina Bruno, contentíssimo consigo mesmo e a jeito de estocada final – que quando debatemos política temos de debater com ambição e realidade”.

Ambição há para ali imensa, a realidade é que escasseia. Se a proposta da Sofia vingasse, ou se construiriam duas mil e duzentas casas, quantidade ligeiramente abaixo das desejadas 600 mil, ou o custo de cada uma das 600 mil teria de ficar abaixo dos 500 euros, montante que não paga um abrigo de jardim no Leroy Merlin. Já as intrincadas contas do Bruno levavam-no num instante a tribunal, com processos metidos pelos empreiteiros e pela sua professora da primária. E só estamos a falar da habitação. Agora extrapolem para o resto. A Sofia não percebe nada de nada, o Bruno finge, assaz mal, perceber tudo de tudo. Dividida entre estas tendências epistemológicas, a JS preferiu a ignorância assumida ao domínio postiço de dossiers aldrabados e elegeu a Sofia para chefe. Nenhum deles destoaria dos antecessores.

A propósito de antigos secretários-gerais, o cessante, um Miguel Não Sei Quantos, foi ao congresso dos pequenitos afirmar que a JS é necessária na rua. Um secretário-geral remoto, um Pedro Nuno Santos, garantiu que a JS é necessária nas escolas. Por mim, julgo que as escolas é que são necessárias na JS, e que a rua é o destino natural dos meninos e das meninas socialistas que, por descuido momentâneo deles e dos empregadores, arranjem um emprego fora da política.

Mas o carismático Pedro Nuno disse mais frases no congresso da JS. Disse, por exemplo, que “temos um desencontro entre as qualificações dos jovens e o tipo de economia que temos em Portugal”. Hesito em concordar: a avaliar pelos meninos e meninas da JS, as qualificações dos jovens estão perfeita e meticulosamente adaptadas à economia caseira. E vice-versa.

O problema é que nem todos os jovens votam à esquerda. Alguns, por birra e maldade, inclinam-se para a – o Diabo seja cego, surdo e mudo – “direita”. E a “direita”, acrescentou Pedro Nuno, “não tem soluções nem estratégia.”, pelo que não se lhe pode entregar assuntos sérios. “A direita desconhece como funciona uma empresa e a economia”, sentenciou o calejado neto do mítico sapateiro. Aqui concordo de coração aberto. São incontáveis, no sentido exacto do termo, os sucessos económicos da esquerda em geral e, nos casos particulares da habitação e dos transportes, os sucessos do PS e de Pedro Nuno. As Sofias e os Brunos desta vida, e deste PS, recebem uma herança pesada: os contribuintes que o digam.

Claro que esta gente é intrinsecamente ridícula e desastradamente aldrabona. Claro que esta gente passeia uma retórica e um “pensamento” tão pobres que custa acreditar na existência de público para tamanha fancaria. Claro que as celebrações socialistas deixaram de se distinguir de um bom espectáculo de “stand-up comedy”. Porém, antes que desatem a rir, lembro que é esta gente que um dia mandará em nós. Pior: é esta gente uma parte da população vai escolher para mandar em nós. Pior ainda: é esta gente que, com um ou duas breves interrupções, manda em nós há décadas.

 

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