Exibicionista, a acrescentar à da
indiscrição televisiva habitual, que entra no seu jogo, por impertinência
coscuvilheira, talvez, todos nós amantes da janela.
Menino! Já não estás à janela com o teu cabelo à lua
Os republicanos resistiram a tiros, Ventura acagaçou-se ao primeiro
“tira!”. Onde estaria agora o nosso país se fosse esta a fibra dos líderes que
se mostram à janelas?
JOSÉ DIOGO QUINTELA Colunista do
Observador
OBSERVADOR, 03 dez. 2024, 00:165
A janela tem tido uma participação
frequente e não despicienda na história de Portugal. Mais até do que a porta, presente em
episódios fulcrais como a tomada
de Lisboa aos mouros (Martim Moniz entalou-se numa) ou a fuga da família real para o Brasil (D.
João VI era burro como uma), a janela é o elemento arquitectónico por excelência da
portugalidade. Foi
numa janela do Paço Real que, depois de fazer a folha ao Conde Andeiro, o
Mestre de Aviz se mostrou ao povo para inflamar os ânimos e incitar o
levantamento popular que o iria conduzir ao trono. Duma janela do mesmo edifício, em 1640,
os conjurados atiraram o traidor Miguel de Vasconcelos, precipitando o fim do
domínio espanhol. Noutra
janela da Baixa de Lisboa foi proclamada a República. E, mais recentemente, foi numa polémica marquise
que Cavaco Silva apareceu a primeira vez depois de ter sido eleito Presidente.
Portanto, era uma questão de tempo até
André Ventura, que ambiciona tornar-se numa das figuras cimeiras da mitologia
lusitana, arranjar uma forma de aparecer nas notícias juntamente com uma janela. Conseguiu-o na sexta-feira passada,
quando pendurou tarjas em parapeitos do Palácio de São Bento. Ventura
aproveitou uma rubrica do orçamento do Estado para fazer uma demonstração de
força política. O fim de cortes salariais do tempo da troika seria,
para Ventura, o que a independência nacional foi para o Mestre de Avis. O
acontecimento que o ia tornar num herói português, a acenar para o povo que o
vitoriava lá em baixo.
Desafortunadamente, não basta estar à
janela com um pano, como uma velhinha que pendura a sua colcha durante a
procissão. É preciso alguma audácia para levar essa intenção avante. Além de se mostrar à janela, o Mestre
lutou contra os castelhanos e tornou-se D. João I; os conjurados também pegaram
em armas; os republicanos instituíram um regime com canhões; e até Cavaco teve
a valentia de resistir a todos quantos gozavam com a saloiice de fechar a
varanda com recurso a uma pirosa estrutura de alumínio. A André
Ventura faltou essa coragem: mal ordenaram que retirasse os cartazes, o
presidente do Chega fez voz grossa mas cedeu e recolheu os posters das
balaustradas. Os
republicanos resistiram a tiros, Ventura acagaçou-se ao primeiro “tira!”. Onde
estaria agora o nosso país se fosse esta a fibra dos líderes que se mostram à
janelas? Afinal, as mensagens na fachada eram mensagens de fachada.
Ventura
abdicou do combate político à primeira contrariedade. Já não é o lutador
aguerrido que, na CMTV, não se calava e repetia “é penalti, sim senhor!” até ao
fim do programa. Ventura está irreconhecível, uma sombra daquele comentador
atrevido. Em vez disso, deu ontem uma tíbia conferência de imprensa a
lamuriar-se por ter sido alvo de denúncias por vandalismo. Que político intrépido
é este? É como se os conjurados se viessem queixar por terem sido acusados de
deitar lixo para o chão.
Das duas, uma: ou Ventura é o
destemido homem providencial que desafia as convenções e mantém os seus
cartazes marotos; ou tem miúfa e é um político que obedece à lei. Se quer ser
um deputado como os outros, não é por ter chegado há pouco tempo à AR que está
dispensado de cumprir as regras, costumes e tradições locais, por mais que
choquem com os usos do seu lugar de origem. O parlamentarismo português recebe
todos de braços abertos, desde que se integrem e respeitem a sua cultura e
valores.
Só
que Ventura considera que as críticas são um atentado à sua liberdade de
expressão e que está a ser vítima de perseguição política. Julgo que André
Ventura está a fazer confusão. Ninguém quer proibir o Chega de afirmar o que
quer que seja sobre a reposição dos cortes. Pode dizer o que quiser, só não o
pode fazer em cartazes pendurados nas janelas da Assembleia da República. A
mensagem é livre, o meio depende. A diferença pode parecer subtil, mas
existe. Por exemplo, no uso da minha liberdade de expressão, posso dizer
à vontade que André Ventura é um borrinhas porque se acobardou. Coisa
diferente, que já não me é permitido, é tatuá-lo na sua testa.
HISTÓRIA CULTURA ANDRÉ VENTURA PARTIDO CHEGA POLÍTICA PARLAMENTO
LIBERDADE DE
EXPRESSÃO LIBERDADES SOCIEDADE
COMENTÁRIOS
JOSÉ MANUEL: Ventura estás à janela, com o teu São Bernardo a acenar a cabeça à rua...
Tomazz Man: O CH anda mais errático do que nunca, de soundbite em
soundbite. É pena. manuel menezes: Compreendo o seu artigo, só
que se esqueceu de contar, por esquecimento ou desconhecimento, o
episódio da iluminação da fachada da Assembleia da República com as cores da
LGBT.
JOHN MARTINS: O ventura das janelas com mais este número acabou por dar razão ao senhor
PºMinistro Luis Montenegro, que na famosa comunicação das 8, assegurou ao País
que Portugal é um País seguro! E evidentemente que é. Depois dos dislates quase
diários, de Ventura no Parlamento, acobardando-se à janela mais alta, do 5º
andar, sabendo-se que é « perigozinho » e nada acontecer... é preciso o País ser de
brandos costumes. Na Rússia não tinha essa sorte!!! Joao Cadete:
Belo artigo 😂.
unknown unknown: Tradições e costumes locais
como abusar do erário público, compadrio, corrupção ou manobras
anti-democráticas? Mais vale ser diferentão! E que eu saiba não só não existiu
qualquer crime como também não existiu quebra de regras, dado que elas são
omissas neste tipo de caso. E quanto à cagufa, parece que temos saudades do
Soares a mandar o GNR passear…em vez de fazer os bombeiros suar pra os 250
aéreos da deslocação, verificou apenas que o material está a funcionar e acabou
com a acção mais cedo. Respeitou mais os bombeiros que os deputados e
compreendo-o bem! Eu também tenho mais respeito por bombeiros anónimos do que
por estes deputados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário