Lhe chamei um dia “gigante”, em tempo
de impaciência, perante a falta de lisura pedante e mesquinha dos que talvez se
considerassem superiores, talvez por nascidos em berço mais poderoso ou talvez protegidos
por saberes mais em voga numa época de muita gritaria, que a sensatez do “gigante”
veio em parte acalmar, no seu esforço de trabalho menos gritado e mais decisivo.
O livro, de 1999, chamou-se “Anuário. O texto foi intitulado “Figuras de papelão”, único do capítulo - «1995 – LILIPUT» - que aqui reponho na íntegra, velha homenagem a alguém em cuja hombridade acreditei, num país de mazelas físicas e espirituais, mas que se ama e deseja que não se extinga como nação de um povo estreito, talvez, que no mundo semeou, afinal, uma História de esforço amplo, embora facilmente ignorado na avidez inteligente de outros mais poderosos.
Bem fez CAVACO SILVA em ter escrito o seu Memorial de uma obra visível.
O texto de ANUÁRIO”:
«FIGURAS
DE PAPELÃO»
«Três
protagonistas. Uma entrevista pouco cívica. Um cenário macabro, de figuras de
cartão evolvendo-os circularmente, símbolos hílares e grotescos de sardónicas
intenções desfeiteadoras.
Um
gigante enfrentando dois anões: bem-falantes, escudados nos seus textos, o rosto
severo tentando afanosamente denunciar irregularidades de um comportamento
aparentemente ambíguo. Truque de uma sagacidade antiga, bem presente nas velhas
fábulas clássicas: o leão escouceado à beira da morte pelo próprio burro, o
leão impotente ante o mosquito astuto, a rã inchando a rivalizar com o boi…
Um
gigante. Defendendo-se sem impaciência das críticas perversas e estouvadas,
imagem de segurança e honestidade, cônscio do seu papel de vários anos de um
trabalho empenhado, de irrefutável intenção patriótica: erguer o país do
atoleiro, criar estruturas para uma continuidade possível, fazer obra
necessária, embora sempre atropelado pelos defensores das ideologias fáceis,
quando manipulados na sombra de oposições palreiras e velhacamente destrutivas.
Um
gigante. Num país de muitos anões, protagonizados no cerco das figuras de
cartão de um cenário agressivo, enxovalhante e lorpa e nos entrevistadores
soturnos, de ataque pouco educado e ingrato, às reais qualidades do
entrevistado preferindo sobrepor o sensacionalismo das acusações ligeiras, em
propósito exibicionista de pseudo-agudeza crítica.
Sem
efeito, contudo.
Porque
breve se impunha o magnetismo do gigante, na sua personalidade sóbria,
consciente do seu valor e do trabalho feito.
Um
gigante: Cavaco Silva.»
Memórias de um governo “cansado” e “arrogante”
(Parte I)
Cavaco Silva escreve, com ironia, sobre a dimensão da
obra realizada nos últimos dois anos da sua década de primeiro-ministro, quando
comparada com a dos oito anos do actual poder socialista.
OBSERVADOR, 16 jan. 2024, 21:31154
“A ironia é uma brincadeira, é uma dança de
inteligências, e o prazer de dizer o que não se deve, só para divertir e
escandalizar.” (Miguel Esteves Cardoso, Público, 4 de dezembro de 2023)
Começo por lembrar aos leitores que
nasceram depois de 1995 e aos que nasceram antes mas que, na década de
1985-1995, não acompanharam ou não guardaram memória da vida política nacional
nesse período, que, na sequência das vitórias do PSD nas eleições legislativas
de outubro de 1985 (29,8 %), de julho de 1987 (50,2%) e de outubro de 1991
(50,6%), exerci as funções de primeiro-ministro entre 6 de novembro de 1985 e
28 de outubro de 1995.
Com a falta de humildade e a vaidade que
me são atribuídas digo que estou absolutamente convencido de que, nessa década,
por ação dos meus governos, o desenvolvimento de Portugal, em todas as suas
dimensões, deu um salto em frente que muito surpreendeu a União Europeia e que,
depois, em nenhuma outra década foi alcançado resultado semelhante.
Afamados analistas e cronistas políticos
da nossa praça têm afirmado que, nos
meus últimos anos de primeiro-ministro, o governo estava cansado e arrogante.
Como notei que tal afirmação tem sido interpretada por muitos em sentido
pejorativo, ao contrário do que era certamente a intenção dos afamados
analistas, entendi que devia trazer à memória alguns factos da actividade
governativa nos dois últimos anos daquela década para que a verdade atire para
o caixote do lixo os mal entendidos que ainda possam reinar nalgumas mentes.
Com
a expressão “governo cansado”, os afamados analistas e cronistas queriam
certamente exprimir a ideia de que tinha sido de tal dimensão a obra realizada
nesse período final que era natural que os membros do meu governo sentissem
alguma fadiga física. É compreensível que pensem assim.
Começo por lembrar o programa de erradicação
das barracas das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, o maior
no domínio da habitação alguma vez levado à prática em Portugal. A sua
execução, nos últimos dois anos do meu último governo, entre 1993 e 1995,
exigiu um tal esforço da parte do ministro das Obras Públicas, Transportes e
Comunicações, do secretário de Estado da Habitação e de mim próprio para
acompanhar a execução do programa, que me trouxe à memória o estado em que me
sentia quando, em jovem, como atleta do CDUL, terminava a prova de 400 metros
barreiras.
Negociar
com 27 câmaras municipais os contratos para a inventariação e demolição de
cerca de 42.000 barracas e para o realojamento de 48.000 famílias foi, de
facto, uma tarefa mental e fisicamente muito exigente.
Recordo com satisfação a cerimónia, em
que estive presente, de assinatura pelo presidente da Câmara Municipal de
Lisboa, dr. Jorge Sampaio, do acordo para
a erradicação de cerca de 10.000 barracas, habitadas
por 37.300 pessoas,
existentes no concelho.
Igual satisfação me dá recordar como, já
depois de deixar o governo, os municípios executaram o programa de acordo com o
que haviam negociado. Um
verdadeiro trabalho de parceria entre o Estado e as autarquias assente nos
princípios da confiança e da responsabilidade.
Para
além do programa de erradicação das barracas, o esforço do ministro da Obras
Públicas no acompanhamento, em 1994 e 1995, de duas outras grandes obras deve ter
contribuído também para que o suor reluzisse na sua testa.
Por um lado, a conclusão do troço do IP4, na extensão de 52 quilómetros, de Vila
Real a Mirandela, que faltava para completar a moderna ligação
rodoviária de Amarante a Bragança e que eu, em ambiente de grande festa,
inaugurei em maio de 1995.
Por outro lado, a construção da Ponte do Freixo e do seu acesso a sul, a
partir do nó dos Carvalhos, e do último troço da autoestrada Porto-Amarante.
Foram duas grandes obras que eu próprio
inaugurei em setembro de 1995, quando faltavam apenas 32 dias para cessar as
funções de primeiro-ministro.
A fadiga do ministro das Obras Públicas
tem ainda outra explicação: os esforços por ele desenvolvidos nas negociações
do contrato de concessão em regime de portagem da Ponte Vasco da Gama e na
primeira fase da sua construção, a qual arrancou quando faltavam menos
de dez meses para eu cessar as funções de primeiro-ministro. A par disso, o ministro, perante o desenvolvimento
da margem sul do Tejo e a dimensão do fluxo humano diário de entrada e saída de
Lisboa, empenhou os seus melhores esforços no lançamento do concurso
internacional para a introdução do comboio na Ponte 25 de Abril e no início da
obra no meu último ano como primeiro-ministro.
Acompanhei de perto o processo de
construção da segunda travessia do Tejo em Lisboa. No quadro
da opção pelo modelo de construção em regime de concessão, então desconhecido
em Portugal, visitei a experiência da Ponte de Severn entre Inglaterra e País
de Gales e, em março de 1995, em Alcochete, em ambiente de grande celebração,
presidi à assinatura do contrato de concessão ao consórcio vencedor do concurso
internacional.
Num
assomo de arrogância política, em uma das minhas visitas às obras da Expo’98,
apontando para os pilares da ponte que já se erguiam, auto proclamei-me seu
padrinho e anunciei que, na opinião do governo, devia chamar-se Vasco da Gama.
Não só porque se comemoravam então os 500 anos dos Descobrimentos portugueses,
mas também, não sabendo que tipo de governo se seguiria ao meu, para impedir
que lhe fosse dado um nome ligado a um acontecimento de conjuntura, como chegou
a ser sugerido. Arrogância semelhante já eu tinha manifestado quando, em março
de 1988, apadrinhara a via longitudinal do Algarve, designando-a como Via
Infante de Sagres.
Em 4 de Setembro de 1995, quando faltavam
menos de dois meses para o governo cessar funções, eu e o ministro das Obras
Públicas fomos de barco até ao pilar sul da ponte e percorremos a pé parte do
viaduto central. Ah… se os afamados analistas e cronistas políticos de hoje
tivessem estado presentes. Teriam
visto que tanto eu como o ministro irradiávamos vivacidade e energia e, como é
óbvio, um certo ar de arrogância política para ficar bem na fotografia. Era o
sentimento do dever cumprido, o orgulho vaidoso de ter contribuído para pôr de
pé obra de betão bem feita e fundamental para o desenvolvimento do país e a
melhoria das condições de vida das populações.
Aos analistas políticos e a alguns
políticos mais empedernidos recordo ainda três grandes obras a cujo
acompanhamento dediquei, nos últimos dois anos como primeiro-ministro, muito do
meu tempo, ao ponto de, no fim do dia, chegar a casa cansado.
Depois da decisão política de construir a
barragem do Alqueva e do arranque das
obras de terraplanagem, em fevereiro de 1993, e enquanto avançavam a bom ritmo
as escavações, o governo tomou as medidas necessárias para tornar irreversível
a concretização do projeto: a criação da Comissão Instaladora da Empresa do
Alqueva, a inclusão do financiamento da construção da barragem no Quadro
Comunitário de Apoio na sequência de difíceis negociações com a Comissão
Europeia, a elaboração do Plano Regional do Ordenamento do Território da Zona
Envolvente da Albufeira do Alqueva, a constituição da Empresa de
Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva (EDIA), o estudo de impacto
ambiental das obras da albufeira e o licenciamento da construção da barragem. Tantas decisões
importantes para o futuro da região alentejana talvez tenham deixado o governo
cansado e, ao mesmo tempo, exibindo uma certa arrogância política.
Em segundo lugar, lembro a preparação do terreno para a realização
da Expo’98, a maior obra de requalificação urbana da zona metropolitana de
Lisboa desde o tempo do Marquês de Pombal, a aprovação de um quadro normativo de enorme complexidade para
resolver os múltiplos problemas que se antecipavam e dos planos de ordenamento,
assim como o arranque das obras dos pavilhões temáticos, do Oceanário, da
Estação do Oriente e do Pavilhão Atlântico destinado a grandes espetáculos.
No
espaço que é hoje o Parque das Nações, o meu governo levou a cabo um trabalho
colossal de transformação de uma área extremamente degradada, poluída e
insalubre, onde se escondiam instalações industriais, lixeiras, entulhos,
escombros, barracões, carcaças de automóveis, milhares de contentores, um
matadouro antiquado, restos de material de guerra, uma refinaria e depósitos de
produtos petrolíferos e uma doca abandonada.
Foi o mais bem sucedido exemplo de
requalificação urbana em larga escala. O cansaço coube, desta feita, ao
engenheiro António Cardoso e Cunha, que escolhi para liderar um trabalho que era verdadeiramente
ciclópico e que revelou competência, imaginação e coragem para resolver os
obstáculos que surgiram. “Sem ele a Exposição não teria sido
possível”, como afirmou António Mega Ferreira em 2018, o que não impediu o
poder socialista que se seguiu ao meu governo de mover contra ele uma
lamentável campanha mediática para o forçar a demitir-se em janeiro de 1997.
Em terceiro lugar,
lembro a introdução do gás natural em Portugal por gasoduto
ligado aos poços da Argélia, um dos projectos mais complexos com que
tive que lidar, juntamente com o ministro da Indústria e Energia, nos meus
últimos dois anos como primeiro-ministro. Tratou-se de um projeto industrial
estruturante da maior importância para o aumento da competitividade da economia
portuguesa.
Além
das complexas negociações com a Comunidade Europeia para obter o apoio
extraordinário dos fundos estruturais e com as autoridades espanholas,
argelinas e marroquinas, em 19 de julho de 1993 escrevi uma carta de oito
páginas ao Presidente da República Mário Soares
para esclarecer as suas dúvidas de promulgação de três decretos-leis exigidos
para a concretização do projecto.
Ao
cessar as funções de primeiro-ministro, a construção do gasoduto
Setúbal-Braga estava praticamente concluída e tinham sido iniciados os
trabalhos de construção do troço Leiria-Campo Maior.
Para atenuar a crítica de que
os meus governos apenas eram eficientes em matéria de betão, lembro que foi nos
últimos dois anos de primeiro-ministro que foram resolvidos os problemas do
financiamento da construção do Museu de Arte Contemporânea de Serralves, com a
assinatura de Siza Vieira.
Em
27 de julho de 1995, quando faltavam três meses para cessar as funções de
primeiro-ministro, em concorrência mediática com Claudia Schiffer, a top model
de beleza estonteante que então entusiasmava jovens e não só, no Porto, presidi
à cerimónia de assinatura do protocolo entre o governo e a Fundação de
Serralves, para a concretização do mais importante investimento cultural alguma
vez realizado na cidade.
Também
fora do betão das obras públicas, lembro o lançamento, em junho de
1994, do programa das Aldeias Históricas de Portugal de que fez parte a reabilitação de Monsanto,
Idanha-a-Velha, Sortelha, Castelo Mendo, Almeida, Marialva, Castelo Novo,
Castelo Rodrigo, Linhares da Beira e Piódão.
Fiz
a apresentação pública do programa em Idanha-a-Velha envolto em ambiente de
grande festa, em que acabei a passear pelas ruas da aldeia em cima de uma
charrete, presumo com um ar politicamente arrogante, já antecipando que, em agosto de 2023, seria reconhecido pela Organização
Mundial do Turismo como um exemplo de boas práticas no sector.
Por
outro lado, não deixa de ser surpreendente que um “governo cansado”
tenha conseguido preparar e submeter a consulta pública o Plano Nacional de
Política do Ambiente, o qual foi aprovado quando faltavam sete meses para
terminar o meu mandato como primeiro-ministro.
Quero
crer que os afamados analistas e cronistas políticos, conhecedores dos meandros
da vida política nacional, têm
uma ideia da coragem e dos esforços que foram exigidos ao governo nos meus dois
últimos anos como primeiro-ministro para travar as autorizações de construções
urbanas por parte de alguns municípios, em ordem a salvaguardar o litoral e a
orla costeira.
Devo
também lembrar que foi um governo “cansado”, com uma energia imprópria dessa
sua qualidade, que enfrentou o impacto da grave crise económica que
atingiu a União Europeia em 1993, a maior depois da II Grande Guerra. Para combater o desemprego, reforçar a competitividade
das empresas e favorecer a recuperação económica, o Governo aprovou, entre
março e julho, oito programas especiais, com destaque para a erradicação das
barracas nas áreas de Lisboa e Porto e para os apoios ao setor exportador, aos
desempregados agrícolas devido à seca, à comercialização e transformação dos
produtos agrícolas e às pequenas e médias empresas industriais, de tal modo
que, em 1994, já estava em marcha um novo ciclo de crescimento da economia
portuguesa assente em bases sólidas, como escreveu a OCDE.
No
fim de janeiro de 1995, quando anunciei publicamente que não voltaria a ser
candidato à presidência do PSD, o diário espanhol El Pais escreveu: “Foi uma década em que Portugal se
transformou profundamente… Cavaco deixa a economia portuguesa num estado muito
favorável”.
Em
março de 1995, o governo acrescentou ainda um programa de incentivos
ao emprego jovem e desempregados de longa duração e, em abril, um programa de
apoio aos viticultores do Douro.
Devo lembrar também que, em
1994, o governo promoveu a criação da Portugal Telecom, por fusão de três
empresas públicas operadoras de telecomunicações, e estabeleceu o novo Programa
Estratégico de Dinamização e Modernização da Indústria para vigorar até 1999, e
que, em março de 1995, promoveu uma importante reestruturação do sector
elétrico.
E
não devo esquecer que, no quadro de um processo de dimensão e profundidade
históricas, foram, em 1994 e 1995, realizadas vinte e cinco operações de
reprivatização de empresas que tinham sido nacionalizadas na sequência da
revolução de 25 de Abril de 1974.
Como
receio que os nossos afamados analistas e cronistas políticos não estejam bem
convencidos de que só um governo muito “cansado” e politicamente “arrogante”
conseguiria concretizar este numeroso e complexo processo de reprivatizações,
aconselho-os a ler a legislação que para o efeito foi necessário preparar e
aprovar, assim como o livro do dr. Eduardo Catroga, “22 Meses no
Ministério das Finanças”.
A
acção do governo no domínio social foi uma força importante para ultrapassar os
momentos de fadiga física.
No
final de setembro de 1993, o governo procedeu à revisão do regime geral da
segurança social dos trabalhadores independentes, do regime de protecção na
velhice e na invalidez dos beneficiários do regime geral da segurança social e
do regime de segurança social dos membros dos órgãos estatutários das pessoas
colectivas.
Só um governo “cansado” e politicamente
“arrogante” ousaria pôr em prática um conjunto de medidas estruturais, tendo em
vista a promoção do equilíbrio financeiro do sistema de segurança social e a
melhoria das condições de protecção social dos cidadãos, quando faltava menos
de um ano e meio para o fim da legislatura. E que, em 1994 e 1995, ainda teve
forças para manter a prática de, todos os anos, aumentar as pensões mínimas
mais do que a taxa de inflação.
Por
outro lado, foi em 26 de maio de 1995 que fiz a apresentação de um programa
especial de turismo para a terceira idade, preparado pelos ministros do Turismo
e do Emprego, em que o Estado suportava 50% dos custos totais de duas semanas
de férias, entre outubro e maio, de pessoas com mais de 65 anos.
Em abril de 1995, quando faltavam
seis meses para terminar o meu mandato, exibindo certamente um ar arrogante,
inaugurei o Hospital Distrital de Leiria, o oitavo construído de raiz durante o
meu tempo de primeiro-ministro. Quantos terão sido os hospitais públicos
construídos de raiz em Portugal nos últimos oito anos?
O que fica escrito é suficiente para demonstrar que é compreensível
que afamados analistas e cronistas políticos pensem que era natural que os
ministros do governo sentissem alguma fadiga física, tal a dimensão da obra
realizada nos últimos dois anos da minha década de primeiro-ministro, quando
comparada com a dos oito anos do atual poder socialista.
Pelo esforço que exigiram,
devo referir as negociações com os representantes de cinco associações das
empresas operadoras portuárias, de doze sindicatos dos trabalhadores portuários
e dos sindicatos dos carregadores, dos agentes de navegação e dos utentes dos
cais privativos que possibilitaram a assinatura de um pacto de concertação
social e a aprovação pelo governo, em julho de 1993, da reforma do regime das
operações do trabalho portuário, um contributo importante para a melhoria da
competitividade dos portos portugueses. Os esforços exigidos ao ministro do
Mar, Eduardo Azevedo Soares, e
ao seu secretário de Estado, para levar esta tarefa a bom porto tê-los-á
deixado naturalmente cansados.
Não resisto também a lembrar que, em
1994 e 1995, foram aprovados os novos códigos cooperativo, penal, do notariado,
do processo civil, do registo civil, da propriedade industrial, do registo de
bens móveis e da estrada.
E acrescento ainda que, em junho de 1995,
a OCDE escreveu: “Portugal
realizou, desde 1985, um progresso económico notável, marcado pelo
aprofundamento da integração na economia internacional, pela abertura dos sectores
protegidos, pelo avanço na transformação estrutural da economia e por um
acrescido aprofundamento financeiro”.
Sei que estou a ser maçador, mas os
leitores sabem que, ao escrever memórias, tenho o defeito de ser rigoroso e de
não omitir o importante.
O que fica escrito é suficiente para
demonstrar que é compreensível que afamados analistas e cronistas políticos
pensem que era natural que os ministros do governo sentissem alguma fadiga
física, tal a dimensão da obra realizada nos últimos dois anos da minha década
de primeiro-ministro, quando comparada com a dos oito anos do actual poder
socialista.
A minha satisfação por esta obra é
tanto maior, quanto ela foi realizada num tempo em que o governo enfrentou uma
forte oposição política, uma legítima, outra menos legítima. Abordarei esta
questão na segunda parte deste artigo, dedicada ao pecado da “arrogância
política” do meu governo, que publicarei na próxima semana.
P.S. Cansado de lembrar a
obra do meu governo nos dois últimos anos do seu mandato, esqueci-me de referir
a arrogância política e a vaidade com que, no dia 26 de abril de 1995, no final
da cerimónia de inauguração da fábrica de automóveis da Autoeuropa, conduzi um
veículo nela produzido, dando uma volta à pista de ensaios. Faltavam seis meses
para cessar as funções de primeiro-ministro.
E a propósito: quando é que chega
o outro projecto do tipo Autoeuropa de que o poder socialista tem falado?
Nota: a segunda parte deste artigo
será publicado na próxima terça-feira
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