Em busca de um mundo em
pedaços.
A China, Taiwan e os EUA
Ainda que, por agora, a estratégia de Pequim seja atrair
pacificamente os taiwaneses para a reunificação, em Washington a ilha continua
a pairar no horizonte como a possível terceira frente de batalha
JAIME NOGUEIRA
PINTO Colunista do Observador
OBSERVADOR, 20 jan. 2024, 00:1810
Já às voltas com dois conflitos, na Europa Oriental e no Médio
Oriente, os Estados Unidos não estariam muito à vontade para uma terceira prova
de força em Taiwan, no Oceano Pacífico.
A
ilha, a Formosa dos portugueses do século XVI, é considerada parte integrante
do território nacional pela República Popular da China, que inscreveu a unidade
do país e a reunificação da ilha com o continente como objectivo irrenunciável
do Governo, do Partido e do Líder.
Xi-Jinping,
que concentrou o poder e os poderes na sua pessoa alterando a direcção colegial
pós-Mao Tsé-Tung, não se tem cansado de repetir esse propósito e de avisar os
seus “irmãos separados” e o resto do mundo – nem sempre de maneira branda – que
a reintegração de Taiwan vai mesmo acontecer até 2049.
Quando e como é a incógnita. Os Estados Unidos da América, que neste
interregno da ordem mundial olham a China como o seu principal rival
geopolítico, empenham-se em dissuadi-la de recorrer à força militar para o
conseguir. Mas o problema voltou às primeiras páginas com as
eleições em Taiwan, no passado 13 de Janeiro.
Do autoritarismo à democracia
Em
1927, Chang Kai-shek, depois de disciplinar os “senhores da guerra”,
entrou em ruptura com os comunistas e começou a guerra civil. Em 1949, os comunistas de Mao Tse-Tung venceram a guerra civil contra o
Kuomintang, o Partido Nacionalista Chinês criado por Sun Yat-sen.
Depois da vitória de
Mao-Tse-Tung, Chiang retirou-se com os sobreviventes do Exército e do
Kuomintang para a Formosa, onde, sob protecção militar americana, instalou um
regime autoritário. Por influência americana, o governo de Taipé foi considerado o governo de toda a China, situação que só viria a alterar-se em 1971
com a visita de Nixon e Kissinger a Pequim e o reconhecimento da China
comunista.
Na Formosa-Taiwan, o Kuomintang manteve o regime autoritário de
partido único até 1986, transitando
então, depois de um processo de democratização, para o pluralismo partidário.
Foi quando surgiu o Partido Democrático Progressista, que passou a competir com o Kuomintang, mais
conservador em princípios e hostil à criação de um Estado independente.
A identidade taiwanesa e a sua
relação com a China são hoje a questão principal para os 23,5 milhões de
cidadãos de Taiwan. Segundo uma sondagem da Universidade Nacional de
Chengchi, 60% da população
identifica-se apenas como taiwanesa; 30% considera-se taiwanesa e chinesa, e só
uma pequena parte se define como exclusivamente chinesa.
Nas eleições presidenciais de 13 de
Janeiro, o vice-presidente Lai-Ching-te, do Partido Democrático Progressista,
foi eleito com 40,05% dos votos. Em segundo lugar ficou o candidato do Kuomintang,
Hou Yu-ih, com 33,5%, e em terceiro, com 26,5%, Ko Wen-je, do Partido do Povo
de Taiwan, um partido recente, criado em Agosto de 2019.
Mas a 13 de Janeiro, a par da eleição
presidencial, houve também eleições legislativas para os 113 lugares do Parlamento
de Taiwan; e, nestas, o Partido Democrático Progressista perdeu a
maioria. Assim, na Assembleia
Legislativa eleita, o Kuomintang (que ganhou os 10 lugares perdidos pelo
Partido Democrático Progressista) passou a ser o primeiro partido, com 52
deputados, contra os 51 dos progressistas.
A
partir destes resultados e dadas as tentativas de interferência de Pequim na
eleição (que levaram até à detenção de algumas dezenas de pessoas), a tensão
política na região voltou a crescer, ainda que uma intervenção militar de
Pequim não esteja, por enquanto, em cima da mesa – até porque Taiwan tem uma
força militar permanente de 170 000 homens, um milhão e meio de reservistas e
um exército recentemente reequipado com material norte-americano, capaz de
aguentar um primeiro embate.
Pela paz e pelo comércio
Entretanto, em Washington, nas vésperas das eleições taiwanesas, o
Senado e a Câmara dos Representantes votavam por unanimidade moções
bipartidárias de apoio às instituições democráticas de Taiwan. Considerando as profundas divisões
políticas nos EUA, este consenso à volta de Taiwan e da China é significativo.
Ao mesmo tempo, Biden punha água na fervura, dizendo que Washington só
reconhecia uma China e que aquelas moções e manifestações não representavam um
apoio expresso à independência de Taipé.
Assim, até 2049, o ano do centenário da
República Popular da China, tudo leva a crer que a estratégia de Pequim seja uma estratégia a médio e a
longo prazo, alimentando o diálogo com o Kuomintang e tentando, pacificamente,
comercialmente, diplomaticamente, atrair os taiwaneses para o ideal da
reunificação, garantindo-lhes as liberdades conquistadas.
De
resto, parece ser este o pensamento do grande ideólogo do Partido, Wang Huning. Wang, um pensador e académico reputado, é
membro do exclusivo Comité Permanente do Bureau Político, o núcleo dos núcleos
do Partido, e é tido como o ideólogo dos líderes que sucederam a
Deng-Xiau-Ping: Jiang Zemin, Hu Jitao e agora Xi Jinping.
No passado 12 de Outubro, falando no
Sexto Fórum dos Compatriotas de Taiwan, em Pequim, Wang
encorajou a reunificação pacífica pelo esforço e pela acção de “compatriotas
dos dois lados do Estreito”. E o Presidente da China e Secretário-Geral do
Partido, Xi Jinping, parece concordar com ele. Até ver.
A SEXTA
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COMENTÁRIOS (de 10)
Okogiri: A RPC tem um problema que é insanável, a
demografia e isso nem a retórica marxista-leninista- maoísta resolverá, no
entanto uma guerra de invasão não servirá nem à RPC, nem à região e ao mundo em
geral. Mas nada impedirá que apareça na RPC um indivíduo do calibre de Putin
como aconteceu na Rússia.
Ana Luís da Silva: Com um novo conflito militar a desenhar-se a
médio prazo em Taiwan, talvez fosse bom continuar a apoiar a Ucrânia aqui no
Ocidente, para se evitar a escalada da guerra para o resto da Europa da parte
de um Putin desenfreado no embalo de uma possível vitória.
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