sábado, 27 de janeiro de 2024

Troca-tintas

 

Das habituais nossas diversões de mestria, analisadas por um mestre na interpretação das “tintas”: ALBERTO GONÇALVES.

 Roubar é feio (se beneficiar a “extrema-direita”)

O grande perigo em tudo isto é a possibilidade de favorecimento eleitoral da “extrema-direita”. Os escândalos, pelos vistos, não são os escândalos propriamente ditos.

ALBERTO GONÇALVES Colunista do Observador

OBSERVADIOR, 27 jan. 2024, 00:2256

Uma empresa de mobiliário lançou um anúncio em que aludia aos 75.800€ encontrados no gabinete do chefe de gabinete do dr. Costa. Numa primeira fase, os avençados do PS ficaram à espera de directivas sobre o modo de actuar. Numa segunda fase, o responsável pela propaganda do partido, um sujeito que me dizem ter sido comentador da bola, deu o mote: o fundador do Ikea foi nazi, revelação chocante que era do domínio público há décadas e fundamentada numa tolice de adolescência (é difícil de acreditar, mas há quem seja comunista numa idade avançada). Numa terceira fase, os avençados do PS saíram a repetir o guião: o Ikea é fascista, os clientes do Ikea são fascistas, os publicitários do Ikea são fascistas e o anúncio serve os interesses da “extrema-direita”, naturalmente fascista.

O episódio, depressa engolido pela notícia de que o “eng.” Sócrates iria a julgamento pelos crimes que um juiz simpático achava que ele não cometera, mostra pela enésima vez a sofisticação do debate político nacional: de uma graçola destinada a vender uma estante saltou-se sem interrupções para o nazismo. A “reductio ad Hitlerum” nunca teve tanta saída quanto nestes desvairados tempos. Aliás, a falácia ficou a centímetros de ser usada novamente no dia seguinte, aquando das evoluções no caso do herdeiro do volfrâmio. Minutos após se conhecer a decisão do Tribunal da Relação, ouvi na rádio alguém notar que o grande perigo em tudo isto é a possibilidade de favorecimento eleitoral da “extrema-direita”.

Os escândalos, pelos vistos, não são os escândalos propriamente ditos. Como na história do tal sr. Escária, em que largos milhares de euros guardados sem justificação a escassos metros do primeiro-ministro não indignaram quase ninguém, também a história do “eng.” Sócrates, e dos largos milhões que ele alegadamente abarbatou, não constitui um problema. O problema não é que dois governantes se vejam envolvidos ou rodeados de trapaças dignas da Nicarágua: o problema é que as trapaças se venham a saber, maçada que óbvia e tragicamente pode beneficiar a “extrema-direita”. O ideal é que a residência oficial de S. Bento passe a ostentar o dístico: Não roubarás (de maneira a dar nas vistas, porque beneficia a “extrema-direita”)!

Com excepções, por exemplo a da Madeira, em que as trapalhadas protagonizadas pelo chefe local e pelo autarca do Funchal são igualmente susceptíveis de beneficiar a “extrema-direita” (juro que vi a tese ser usada), o papão da “extrema-direita” é sobretudo agitado pelas bandas do PS e dos partidos leninistas seus aliados. É o “argumento” de campanha possível na ausência de argumentos de campanha plausíveis. Num certo sentido, compreende-se: além de ostentar um inacreditável candidato, o PS tem o país esventrado de alto a baixo, da saúde ao ensino, da segurança à habitação, para não falar do estado da economia e do, lá está, vasto investimento em corrupção. Não são exactamente bandeiras para exibir em comícios e tempos de antena. Resta-lhes reformular, só muito ligeiramente, o dichote de Vasco Gonçalves: “Quem não está connosco, está com a ‘extrema-direita’”.

Há aqui uma vantagem e uma desvantagem. A vantagem é que o “argumento” é de amplo espectro, leia-se a sua aplicação não se esgota nas trafulhices e serve para qualquer maleita. Notar que o PS demoliu por completo o SNS é fazer o jogo da “extrema-direita”. Sugerir que as políticas de educação vigentes estão a conduzir os alunos para os níveis de erudição da Serra Leoa é coisa de racista. Criticar as fronteiras abertas aos desgraçados tão desgraçados que escolhem Portugal para subir na vida  é típico de facho. Explicar que o sonho do casal Pedro Nuno & Mariana consiste em abolir a propriedade privada que não seja a deles é o mesmo que preencher a ficha de inscrição nas Waffen-SS. E por aí afora.

A desvantagem da estratégia é o seu sucesso depender da existência de dois fenómenos: a) um eleitorado de esquerda geneticamente disposto a engolir as mais extravagantes patranhas; b) uma “direita” disposta a cair na armadilha e, novo cliché, a enfiar a carapuça. Dado que em a) há gente que acredita nas virtudes do leninismo e na menstruação masculina, e que em b) há partidos empenhados em obedecer às regras estabelecidas pela esquerda, a estratégia não tem desvantagens, e o sucesso é uma forte hipótese.

Entretanto, ainda na esfera da alta política, esta semana houve a transferência de outra obscura sumidade do PSD para o Chega. A figura em questão é o dr. Maló de Abreu, deputado próximo de Rui Rio e das savanas de Angola, país onde declarara residir para efeito de ajudas de custo, embora para facilitar dormisse em Coimbra. Ao contrário do que fez o dr. Montenegro, que manteve a confiança no fulano da Madeira horas antes de este se demitir, e do que fizeram todos os líderes do PS nos últimos 30 anos, que não retirariam a confiança nem ao Estrangulador de Boston, o dr. Ventura abortou a transferência e despachou o dr. Maló de Abreu mal se descobriu a habilidade dos 75 mil euros (decerto um valor padrão). Uma evidente asneira: assim o dr. Ventura está a beneficiar a “extrema-direita”.

PS     POLÍTICA            

COMENTÁRIOS (de 95)

Alexandra Ferraz: É bom que se saiba que em Portugal a Constituição proíbe a existência de partidos de extrema-direita. Esta narrativa do medo com que os media bombardeiam o povo é completamente bacoca. Já não há paciência. Por isso já quase não vejo televisão. Para bem da minha sanidade mental optei por seleccionar a minha informação na Internet ou ver pequenos vídeos de gatos no Instagram...               José B. Dias: Já no caso da manifestação contra a imigração ilegal prevista para Lisboa e cuja licença foi recusada pela Câmara Municipal - que recordo é liderada por social-democrata e inclui democratas-cristãos na vereação  - o argumento foi o de elevado risco de violência e perturbações da ordem pública, esquecendo de referir que tal resultaria da entretanto convocada contra-manifestação cujo licenciamento não tenho memória de ter sido solicitado ... Provavelmente também "beneficiaria" a "extrema-direita"!             Amigo do Camolas: Cuidado! Opinar também é feio (se beneficiar a "extrema-direita") É por isso que não saímos disto. Quando a esquerda se alia com seus extremistas comunistas para governar é a democracia a funcionar. Quando a direita se "pode" aliar com o Chega é porque a democracia está em perigo. Quando não alinhamos neste coro, é porque somos ovelhas do Chega que merecem a censura. Quando criticamos os disparates que eles dizem sobre a extrema-direita, é porque somos monstros fascistas. A visão de mundo da esquerda e da maioria da direita é fundada sobre essa única vigarice intelectual. O alicerce do seu ódio. As teorias da conspiração em que eles acreditam só alimentam esse ódio. Eles precisam de acreditar neles, pela mesma razão que os assassinos precisam de acreditar que suas vítimas estão a conspirar contra eles. E canibalizar o Chega é muito mais fácil do que se olhar no espelho e se confrontar: O que põe mais em causa uma democracia? Os partidos do arco da governação estarem constantemente envolvidos em casos de corrupção e em todos os escândalos de abusos de poder ou um partido como o chega? Ou: os partidos e toda a comunicação social acharem que denunciar o Chega um partido de racistas, xenófobos, fascistas, nazistas, extremistas é defender a democracia, e denunciar um partido como o PS de corruptos é um perigo para a democracia?  A rebeldia de um filho só termina quando ele percebe que é muito parecido com seu pai e é assim que deve ser.                João Ramos: Brilhante e com um sarcasmo delicioso e inteligente como sempre, estes artigos de Sábado no Observador são uma lufada de ar fresco no meio de um país onde o ar além de « rarefeito » está contaminado por uma acéfala e azeda comunicação social, e são a principal razão para a minha subscrição deste jornal!!!             Maria Tubucci: Excelente, AG. Roubar é feio! Só se forem apanhados, mas se forem apanhados não é vergonha nem escândalo, o vergonhoso e problemático é fazerem crescer a “extrema-direita”. Ainda ontem, a masturbadora virtual disse que segurava o “governo” da Madeira, para não deixar crescer a “extrema-direita”. Coitada. Esta gentalha não se importa de matar um país para que o país não morra. Com a crise na Madeira os avençados PS ficaram à nora, depois saiu o guião que foi repetido por todos, batendo no PR diziam que tinha 2 pesos e 2 medidas, enquanto eles têm 5 pesos e 5 medidas, mas fingem que são puros. A corja não se importa de dar cabo da democracia para salvar a democracia. Assim, de tanto baterem na mesma tecla dos fascistas e da “extrema-direita” vamos lá ver se, a 10 de Março não levam com a revolta dos fascistas e da “extrema-direita” pelas fuças. Depois não se queixem, se virem fascistas e a “extrema-direita” em todas as esquinas…                   Lily Lx: Com toda a razão, AG. Corrupção? Não é problema… só na medida em que transfere votos para O Chega. Alguém ter metido dinheiro ao bolso ilegalmente é uma irrelevância.               Miguel Sanches: O País está armadilhado há décadas. Para qualquer sector da vida nacional que se olhe, é de pôr as mãos na cabeça. Estes episódios recentes de indecentes e más figuras são a ilustração do que digo. No auge da campanha ainda vão dizer que o AG é um apaniguado da "extrema-direita".                Ana Luís da Silva: Excelente!  Assim Alberto Gonçalves enfia o dedo na ferida e escarafuncha lá dentro. Deve ter doído um bocado aos “pedronistas” e “montenegristas “.   Não tenho pena nenhuma.             bento guerra: Todas as mesas redondas, quadradas, ou em bico, se queixavam do mesmo "os nossos roubam, mas o problema é que engorda o Chega                    João Floriano: «Caros espectadores, o debate que se segue contém cenas de sexo explícito, perdão contém cenas de política explícita que podem ferir os mais sensíveis. Vamos falar de extrema- direita e dos malefícios para a saúde pública. Mantenha-se atento, vigilante em modo rottweiler enquanto a bolinha vermelha estiver visível no canto superior direito …… olhem lá Oh seus tansos! Quantas vezes é preciso dizer que a bolinha tem de ser mudada para o canto da extrema-esquerda? Estamos aqui  a apoiar a extrema- direita ou quê?»  Estas podem ser muito bem as indicações do realizador antes do começo de um debate televisivo de fim de tarde.  Como AG salienta e muito bem, a principal preocupação não é as suspeitas de corrupção na Pérola do Atlântico, onde o Ministério público protagonizou uma invasão superior à do dia D nas praias da Normandia. Também não é a operação Influencer, que espevitou o marketing da IKEA (atrevidotes, estes suecos!) e que deu ao termo bloco de notas um novo significado pela mão de Escária. Tudo isto seriam «Peanuts», pormenores verdadeiramente ca….ga…ti….vos, se não se desse o caso de o CHEGA e o IL  se aproveitarem dos acontecimentos. Ele há gente muito oportunista!!!. E não nos podemos esquecer que o que não sabemos não nos causa ansiedade ou sofrimento. Estes putativos envolvidos em corrupção têm de ser mais competentes a esconder as provas porque deixar maços de notas a dar sopa em estantes ou gavetas, é como o gato escondido com o rabo de fora. E deixem de utilizar as mães como depositárias: Sócrates deu-se mal e agora Pedro Calado fez o mesmo erro.  Errado não é corromper ou ser corrompido, errado é ser apanhado. Sejam competentes da próxima vez. Sabemos que anos e anos de impunidade deram às elites  uma sensação, uma percepção de segurança, de à vontadinha. As coisas estão  a mudar o que está a ser assustador para muito boa gente.                 Abilio Silva > F. Mendes: Ingvar Kamprad, fundador da Ikea (morreu em 2018) quando jovem comungou a ideologia nazi. Quando tinha 25-30 anos desligou-se dessa ideologia. Portanto se pode concluir que foi uma idiotice dum jovem. O mesmo acontece hoje com os jovens climáximos que andam por aí a fazer todo o género de patifarias e quando chegam aos 30 descobrem que andaram a fazer figura de parvos.                Alfaiate Tuga: Está instalada em Portugal a máxima de que no que toca a corrupção os políticos são todos iguais, eu até costumo dizer que são todos vigaros até provas em contrario. A grande maioria dos políticos não consegue justificar de forma lícita a proveniência do dinheiro para fazerem a vida que fazem e possuir o que possuem, claro que há excepções, mas são poucas. Isto não é assim por acaso, vamos aos presidentes de câmara, têm um salário irrisório para a responsabilidade que tem e acima de tudo para o poder e dinheiro que gerem,  qualquer profissional de topo perde dinheiro se for para a política e não se deixar corromper.  Depois sobram os carreiristas dos partidos que vão subindo na hierarquia até chegarem aos tachos e depois se possível às luvas. Mudar isto é possível? Sim, mas ninguém está interessado, nem o chega. O Aventura enche a boca com a corrupção, mas tenho-o ouvido com atenção, e do que me lembro, medidas concretas nesta área quase nada. Lembro-me de aumentos nas pensões para o nível do salário mínimo, baixar impostos, e quando lhe perguntaram de onde vem o dinheiro ele dizer que vem da corrupção e do corte nos subsídios à igualdade de género…enfim… Gostaria de ouvir o Aventura a assumir um compromisso de forma solene, de que só viabilizaria um governo se aprovassem uma lei que obrigasse todos os detentores de cargos políticos, poder local inclusive, a quando da tomada de posse, declararem todos os seus bens materiais e pecuniários, e claro a partir dessa data teriam de justificar com papelinhos todo o aumento de património ou dinheiro , não resolvia tudo, mas era um grande passo em frente, até eu votava chega.  Com as leis que temos, feitas pelos políticos que temos, só é condenado por corrupção alguém muito burro.          Jose Marques > Pedra Nussapato: tira a pedra dussapato k tresanda a xulé!              José B. Dias > F. Mendes: Houve muita simpatia na Suécia com os nacionais socialistas (convém relembrar que "nazi" é a abreviatura ...) alemães e muitos industriais suecos ganharam imenso durante a guerra (o fornecimento de minério de ferro manteve-se até bem tarde a exemplo do de volfrâmio em Portugal). No entanto, o fundador do IKEA tinha 17 anitos em 1943 quando iniciou o negócio e a guerra terminou antes de completar os 19 ... presumo que não tivesse muito tempo para militância ideológica ...            Pedra Nussapato > F. Mendes: A história do fundador do IKEA ter sido alegadamente um activo membro do nazismo foi notícia várias vezes, em vários meios de comunicação social. Mas ligar isso a este golpe publicitário do IKEA é só estúpido, mostra algum desespero                 Rosa Lourenço > Alexandra Ferraz: Mas não proíbe partidos de extrema-esquerda?              António Lamas: Do melhor que o Alberto escreveu.  Um desejo fascista :Que Deus o guarde por muitos e bons anos, que os portugueses normais agradecem.           Luis Miguel: Com tantos benefícios, a extrema- direita vai ter maioria.

 


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