De DINIS DE ABREU, que nos traz, em definitivo, todo o vergonhoso de um
pobre país a desfazer-se – dos velhos, dos escrúpulos, mas não dos empréstimos,
sem mais a tal luz sequer, por falta de túneis, sendo tudo a céu aberto, fora
os familiares dos velhos hospitalizados, que deram falsas moradas. Eutanásia com
estes velhos. Ou, sequer, juntá-los aos sem-abrigo, ou mesmo deixá-los na
cimeira do monte, com a manta para se taparem. Quanto aos jovens, os que
receiam isto, que saiam, os imigrantes em breve tomarão conta dos que ficam,
até ver.
A miséria que não rende votos
Esta agenda radical que o PS adoptou
serve também para ocupar o espaço mediático, e escamotear o submundo da pobreza
em Portugal que começa nos sem-abrigo na rua e abrange lares sem condições.
DINIS DE ABREU Jornalista e colunista do
Observador
OBSERVADOR, 26
dez. 2023, 00:1519
Há
notícias e números que arrepiam, por ilustrarem, de uma forma crua e dura, a
falência ou, no mínimo, as contradições do Estado Social que o PS e o governo
gostam de apregoar, como se fosse uma devoção, quando as realidades os
desmentem.
Apesar do assistencialismo clientelar, que o governo promoveu de uma forma ostensiva, como
base e sustentação do poder, os sem-abrigo aumentaram 78% em quatro anos (e
25%, só no último ano), estimando-se que vivam hoje na rua quase 11 mil
pessoas, quando em 2018 se situavam ligeiramente acima dos seis mil.
Os
números são oficiais, mas diz quem sabe e trabalha, directamente, no apoio a
tanta gente sem tecto, que este inventário só pecará por ser redutor, pois são
por demais visíveis os sinais de que o fenómeno evoluiu significativamente este
ano – abrangendo agora tanto jovens como idosos, de ambos os sexos, nacionais e
estrangeiros – pondo à prova a capacidade das associações humanitárias no
terreno, que reconhecem estar no seu limite.
O perfil dos sem-abrigo também se
modificou. Além de serem mais jovens, incorporam ainda pessoas empregadas, mas
que não conseguem suportar uma renda de casa, e toxicodependentes, alguns que
reincidiram e regressaram à rua depois de se submeterem a tratamentos de
desintoxicação. Uma tragédia humana.
Recorde-se
que, por várias vezes, o Presidente da República quis ver de perto o drama dos
sem-abrigo, apelando ao governo para que fossem tomadas medidas expeditas no
sentido de minorar o sofrimento de pessoas a quem falta quase tudo, e
defendendo uma estratégia nacional que desse resposta à integração de quem
sobrevive sem morada certa.
O
ano está a chegar ao fim e em lugar da prometida integração e da erradicação
dos sem-abrigo até 2023, conforme esperava Marcelo Rebelo de Sousa – confiando,
talvez, por excesso, no plano elaborado pelo governo e aprovado em 2017 –,
estas comunidades aumentaram exponencialmente, com relevo para as áreas
metropolitanas de Lisboa e Porto.
A
resposta do governo ficou no papel ou muito aquém do desejável, e as promessas
de António Costa não passaram disso. E, apesar de a meta fixada apontar para a
construção de 26 mil habitações destinadas a famílias carenciadas, para serem
entregues por ocasião dos 50 anos do 25 de Abril, o que se fez está muito
abaixo do previsto, como o próprio primeiro ministro reconheceu, em outubro, no
Parlamento,
Construiu-se
pouco e mal, enquanto o chamado pacote legislativo “Mais Habitação”,
recém-aprovado, serviu apenas para assustar os proprietários, sem beliscar,
contudo, o património edificado do Estado, que poderia ter sido adaptado para
atenuar a crise habitacional, sobretudo com recurso a imóveis devolutos.
Mas além dos sem-abrigo, a pobreza tem outros rostos. Com os
progressos da medicina e o aumento da esperança média de vida, Portugal tornou-se
um país envelhecido, cuja linha demográfica é preocupante.
Quando se impunha uma política de
incentivo aos casais, para contrariar a curva descendente da natalidade, as
medidas anunciadas pecaram pela timidez. Daí que os indicadores de fecundidade
relativos a 2021, divulgados pelo Eurostat em março, apontem para um recuo no
país para 1,35 filhos por mulher em idade fértil, abaixo da média europeia
(1,53), e um valor distante dos 2,1 filhos necessários para garantir a
substituição das gerações.
Conclui-se, ainda, que as mulheres
portuguesas continuam a estar entre as que, em média, têm menos filhos na
Europa.
Quanto à população sénior, faltam estruturas de acompanhamento –
tanto ao nível de apoio domiciliário como de residências assistidas –,
florescendo os lares não licenciados, a funcionar em condições tão precárias
que não resistiram às vistorias da Segurança Social, sendo encerrados,
compulsivamente, quase uma centena de estabelecimentos, alguns de forma urgente.
Em
vez de unidades apetrechadas para receber e proteger com dignidade a velhice,
progrediram as negociatas, explorando os mais vulneráveis no ocaso das suas
vidas.
Com mais de 3,5 milhões de
pensionistas e reformados – um terço da população residente –, é manifesta a
indiferença do governo em relação à sua sorte, se exceptuarmos as “migalhas”
distribuídas como engodo eleitoral.
Ressalvada
uma minoria de residências assistidas e medicalizadas, com qualidade – embora praticando preços exorbitantes que
não estão ao alcance da maioria das famílias –, é lícito deduzir que este país
não é para velhos…
Outra
categoria dos sem-abrigo, são os idosos abandonados pelas famílias nos
hospitais públicos, que, embora com alta clínica, continuam internados por não
disporem de alternativa.
Os truques usados pelos
parentes, que um dia os entregaram nas urgências hospitalares, são diversos e
elementares, incluindo nomes e moradas falsas, que impedem o hospital de
estabelecer qualquer contacto, ultrapassada a crise de saúde que os internou.
A
miséria moral e real subjacente a estes abandonos é óbvia, entre o egoísmo mais
mesquinho, e a incapacidade financeira para tratar dos idosos em casa e assumir
os custos do apoio domiciliário.
Este
comportamento tem conhecido um forte desenvolvimento. De acordo com último
Barómetro de Internamentos Sociais, há mais de 1700 pessoas que continuam
internadas, sem necessidade, à espera de vaga numa unidade pública de
acolhimento, o que se traduz num aumento de 60% em relação ao ano passado.
Como
a rede pública de residências para idosos é muito limitada, estes continuam
hospitalizados por tempo indeterminado, sem terem para onde ir.
São
factos sobejamente conhecidos, embora pareça ser matéria estranha ao governo e
às esquerdas que o têm apoiado.
As
prioridades do PS são outras, designadamente, legislar sobre a eutanásia
ou a morte medicamente assistida, não obstante dois vetos
presidenciais e dois “chumbos” no Tribunal Constitucional, impondo a
promulgação da lei graças à maioria parlamentar. À quinta tentativa foi de vez.
Ou,
mais próximo, ao aprovar à pressa, em sede parlamentar, o diploma sobre o
chamado direito à autodeterminação de género nas escolas, que, nos termos
bizarros e irresponsáveis que o enformam, se propõe assegurar que “que a
criança ou jovem, no exercício dos seus direitos e tendo presente a sua vontade
expressa, aceda às casas de banho e balneários, assegurando o bem-estar de
todos, procedendo-se às adaptações que se considerem necessárias”. Um absurdo
que Marcelo precisará de vetar, em nome do bom senso.
Esta
agenda radical que o PS adoptou sem pestanejar, serve também para ocupar o
espaço mediático, e escamotear o submundo da pobreza em Portugal, que começa
nos sem-abrigo na rua (e nas galerias da estação do Oriente), estende-se às
casas sobrelotadas de emigrantes, e abrange, depois, lares sem condições, e
hospitais públicos, forçados a manter internados idosos sem “eira nem beira”.
Isto deveria envergonhar um governo
que capturou o poder há quase uma década, num país membro da União Europeia e
da zona euro, e que tem recebido milhares de milhões em fundos irrepetíveis.
Mas não.
São
manchas de pobreza que há muito deveriam ter sido eliminadas – ou reduzidas –,
se houvesse um módico de interesse por parte do governo em transformar a
paisagem social do país, cujas assimetrias se têm agravado.
Talvez Luís Montenegro queira pôr,
finalmente, o PS ao espelho – ao contrário da política errática do seu
antecessor Rui Rio –, em vez de se dispersar em “jogos florais” a propósito do
Chega, que tem funcionado, na prática, como um aliado útil aos estrategas
socialistas.
No
limiar das comemorações do cinquentenário do 25 de Abril, é imperdoável que a
prioridade não seja governar para as pessoas, e não ceder, por norma, aos
caprichos de minorias iluminadas e de activismos e de activistas que obedecem a
cartilhas extremistas e a modas de ocasião.
O
País precisa urgentemente de mudar, a começar pela agilização da administração
pública, tão inchada como ineficaz, renunciando pelo voto a quem o mantém
cativo.
Certeiro e contundente, Pedro
Passos Coelho disse tudo e deixou o PS em transe, ao lamentar que “o actual
primeiro-ministro tenha sido o único (…) que se tenha sentido na necessidade de
apresentar a demissão por indecente e má figura”. Não faltará quem lhe dê
razão.
Se
mesmo assim vingarem as esquerdas, e estas não passarem por uma “cura de
oposição”, então é porque o país se sente bem como está, na cauda do pelotão
europeu, sem outra ambição que não seja garantir o “poucochinho”…
ESTADO SOCIAL ESTADO POLÍTICA GOVERNO HABITAÇÃO E URBANISMO PAÍS POBREZA SOCIEDADE SEM-ABRIGO
COMENTÁRIOS (DE 19)
JOHN MARTINS: É caso para dizer que tudo isto
existe; tudo isto é triste, quando estamos às portas das celebrações do 25 de
Abril. Excepto a liberdade de expressão e pensamento, alguma obra feita por
Cavaco Silva e pequenas coisas aqui e alí por outros governos. Ao fim de 50
anos, para além do grande débito financeiro, existe um grande défice social
como muito bem descreve Dinis de Abreu. Infelizmente, o tal poucochinho de Costa e um legado
de que devia ter vergonha. Tim do Á: A miséria rende votos. E
muitos. Os votos dos subsídio depentes. E são muitos. É por isso que o PS e os
seus partidos amigos comunistas querem e criam um Portugal pobre. Nenhum
país rico votaria numa geringonça. Baltazar Mateus: Temos que reconhecer a
capacidade da máquina de propaganda do PS no domínio da agenda dos media, e da
subjugação dos jornalistas e comentadores à ausência de denúncia da falência
dos serviços sociais. Passou o jornalismo a ser um papagaio a repetir as
narrativas de ilusão. Qual será o motivo desta capacidade. Tim do ÁJ > OHN
MARTINS: Qual liberdade de expressão e de pensamento existe?
Não pode ir para além do pensamento único Woke. Caso contrário é perseguido e
punido. Há menos liberdade de expressão e de pensamento do que no tempo de
Salazar em que podia haver sátira e critica na revista portuguesa. Agora nem
humor se pode fazer. Estamos na ditadura Woke subjugados às minorias.
Foi isso que o 25 de Abril nos trouxe, além da miséria e da pobreza de grande
parte da população. E da infantilização dos portugueses também. Ana Maia: Excelente texto e retrato do
Portugal socialista. Devia ser obrigatório que todos os autodenominados "jornalistas"
lessem a ver se percebiam já que estão todos mais preocupados com as
"linhas vermelhas" e um suposto "fascismo" de direita mas
na realidade todos capturados pelo fascismo, esse real, de esquerda, nas
conversas, opiniões e costumes. Shame on you
CS!!! S N: Mais uma excelente e
extraordinariamente rigorosa e contundente análise da actual situação política
portuguesa. Parabéns ao autor Maria Cordes: Artigo pertinaz e chocante, por retratar uma realidade
atroz, disfarçada por um esmoler caritativo, à sec. XIX, que não resolve nada,
senão, o tão bonzinhos que nós somos. Revoltante a oposição não conseguir
desmascarar a servidão para que o PS atirou este país, no caso de Rio, o
colaboracionista, ninguém ter gritado, o rei vai nu. Pontualmente, Ventura,
foi o único que interpelou Costa. Montenegro fez bandeira contra o Chega, em
vez de denunciar o estado das coisas, irremediável, por várias gerações. Quem
vai ensinar, agora, os lunáticos, com diplomas, que mal sabem ler! João
Amorim: Esta casta que parasita o nosso país lançou o povo para a mais abjecta
miséria: tem os pobrezinhos na boca, mas mente com todos os dentes que tem
nessa mesma boca. Mas o povo, que continua a votar neles, tem, infelizmente, o
que merece…
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