Um conselho do último comentador do
excelente texto de Nuno Gonçalves
Poças, que não merecia tal mancha no seu cardápio, nem também
os seus excelentes comentadores. O conselho é grosseiramente deseducativo, não
é desse modo que se poderá orientar os jovens de um país cada vez mais empobrecido
em valores, não é desse modo de fuga cobarde ou interesseira que se fará o
retrocesso, em termos educativos. O OBSERVADOR, com tantos bons cronistas,
poderia servlr de “farol” civilizacional, embora autores haja bem atentos, noutros
jornais igualmente válidos. O público não se educa mandando-o votar com os pés.
Mas as escolas também são o espelho deste público que formamos, sem rei nem
roque, no seu genérico de farsantes que somos.
A doença nacional do fartismo
É da degradação institucional que em
boa parte se fundamenta a razão pela qual tanta gente parece estar farta disto
sem que se consiga materializar o que «isto» é.
NUNO GONÇALO POÇAS, Colunista do
Observador. Advogado, autor de "Presos Por Um Fio – Portugal e as FP-25 de
Abril"
OBSERVADOR, 30 jan. 2024, 00:1912
E, de repente, ardeu a Madeira e,
enquanto o PS julga ter ganho alguma coisa com isso, quem de facto ganhou
combustível eleitoral foi o Chega. As coisas são, porventura, mais evidentes do
que muitos convictamente julgarão e do que outros tantos teimam em não querer
ver: a democracia não está a ser corroída pelo surgimento de novos partidos
populistas, mas pelos «democratas».
Há demasiadas histórias na História
destes 50 anos de democracia que continuam por contar, mas que talvez ajudassem
a compreender melhor o estado a que chegámos – para lembrar uma frase famosa de
Salgueiro
Maia.
O
compromisso de Novembro de 1975 agradou a quase todos os envolvidos, mas
revela-se cada vez mais uma bomba que agora nos rebenta nas mãos. De Novembro
saiu um grande vencedor, o PS, que se tornou dono do regime; um razoável
vencedor, o PCP, que ficou sem a revolução, mas com o legado do PREC inscrito
na Constituição da época e com direito a enxamear a Administração Pública e o
poder sindical; um resignado, o centro-direita, que levou anos a recentrar o
sistema e a própria Constituição, mas que nunca ganhou uma legitimidade
política num país sem cultura liberal, que também nunca soube fomentar; e
depois há um derrotado tolerado pelo sistema, a extrema-esquerda, que mais
tarde enveredou pelo terrorismo e acabou com os seus membros quase glorificados
como símbolos da democracia; e a grande derrotada e excluída cabalmente do
sistema, a direita radical, que surge agora numa revanche proporcionada pelos
tempos.
Por
outro lado, Macau é um enorme mistério mediático, mas quem quiser
compreender o legado de corrupção do Partido Socialista terá incontornavelmente
de lá chegar. Como será
necessário penetrar no sub-mundo do cavaquismo para perceber que também
naqueles anos a corrupção se consolidou como uma fórmula que tinha raízes
profundas, num país que carregava pelo menos uma década de absentismo, fraudes
e burlas. Ou recuar aos velhos tempos de Alberto João Jardim e à venezuelização
política que levou a cabo na ilha, sempre disfarçada por obras públicas e
desenvolvimento social e económico que o Continente e a Europa pagavam.
Isto para não irmos uns degraus abaixo: às caves do que realmente se passou no processo
Casa Pia ou no que de facto levou a que o Partido Socialista se tivesse
aplicado tanto na concessão de uma amnistia aos terroristas das FP-25. Parece
subsistir em tudo isto um manto de dúvida quanto à verdade dos factos, mas é
certo que boa parte do país acusa, entre muitas outras coisas, uma clique
instalada, e que se vai reproduzindo de forma degenerativa, pelo estado de
degradação a que as instituições chegaram.
Sócrates não foi um caso isolado, antes
um sinal de uma decadência anunciada por décadas de permissividade e por uma
sociedade muito conformada e até cúmplice do velho mantra do «rouba, mas faz». E estes oito anos, que agora culminam com
um Primeiro-ministro demissionário na sequência de inúmeros casos de ética
duvidosa, um Governo em grande parte investigado judicialmente, um presidente
de Governo regional suspeito de corrupção, um presidente da República
embrulhado em histórias de influências e cunhas, podem bem ter sido uma das
últimas gotas num copo que ameaça transbordar.
A democracia em Portugal, gerada em
cima de uma bebedeira marxista, procurou
o social antes do institucional (e a distribuição antes da produção, já agora),
e isso, revela-se agora de forma cada vez mais evidente, teve os seus custos. Confundiu-se durante anos democracia com
riqueza e igualdade, e isso foi um problema. Gerou-se entre nós a ideia de que
qualquer imbecil dotado de acesso à rede de contactos certa é infalível,
incorruptível, sério até ao mais alto grau, e, portanto, apto a desempenhar
qualquer função numa instituição do Estado, quando uma democracia só funciona
se as instituições forem desenhadas com base no pressuposto de que todos
aqueles que as ocupam são corrompíveis e falíveis. Três intervenções financeiras do FMI em cinquenta anos
não bastaram para evitar uma quarta porque não chegámos a ter a intervenção de
facto necessária: a institucional.
A doença nacional do fartismo
não nasce só daqui, mas também é daqui que, em grande medida, vem. É verdade
que as vitórias e os Governos do PS disfarçam as evidências, fruto de uma
maioria eleitoral de conformados, conservadores e preocupados com a gestão da
sua pobreza. Mas o fartismo grassa, e é da degradação institucional que em boa
parte se fundamenta a razão pela qual tanta gente parece estar farta disto sem que se consiga materializar o que «isto» é. Também
vem de outras coisas, naturalmente: da realidade que é a criminalidade suburbana que as
elites não conhecem; da estagnação económica; da sensação de que se vive num
atoleiro social, de onde ninguém sai a menos que se chegue aos círculos que
todos reconhecem como os de uma espécie de «grande podridão».
Ora, não estranha, pois, que, para
responder a este estado de coisas, uma
sociedade que, estando farta, é também incapaz de compreender que são as
instituições e não os homens quem precisa de uma revolução pacífica, se vá
paulatinamente aproximando da ideia da figura utópica do homem providencial.
André Ventura ou outro qualquer não são solução para a doença do fartismo, como
é evidente. Mas é ele o martelo que o país-que-está-farto encontrou para
mostrar o que sente. Não custa, pois, imaginar que a 11 de Março o país
mediático não compreenda os resultados eleitorais que se adivinham. Certo é que
as coisas não vão acabar bem. A AD era uma urgência e uma necessidade.
Mas temo que tenha chegado demasiado tarde. Têm pouco mais de um mês para
inverter um caminho que parece traçado, mais por cobardia e inabilidade do que
por erros de uma estratégia desenhada em cima de uma campanha eleitoral. Boa
sorte.
COMENTÁRIOS (de 26):
Carlos Chaves: Mesmo que a “direita” consiga
uma solução de governação a 10 de março, o estado calamitoso a que os
socialistas, os radicais de esquerda, Presidente da República e a comunicação
social, levaram o país, terão uma tarefa hercúlea apenas para o reanimar! Sempre que a ”direita” chegou
ao poder, o ambiente geral torna-se automaticamente hostil contra o governo,
sindicatos e outras corporações na rua paralisando a economia, a CS a bater
continuamente nos governantes (ao contrário do que hoje se passa), enfim tornam
o país ingovernável. Desta vez não
será diferente! Se calhar a solução é mesmo entregar isto ao radical PNS, ao PS
e aos comparsas totalitários da esquerda, para que os Portugueses sintam na
pele e na sua liberdade, o resultado das suas opções. Falem com um Polaco, um
Húngaro, ou um Romeno sobre comunismo… Só quem passa por elas, é que tem a
oportunidade de aprender a não repetir os erros!
Ary
Cloetens: Caro Gonçalo Poças Em certa medida os políticos não são mais que a
extensão do povo. Eles vêm do povo. A grande questão que se põe é como fazermos
uma profunda análise social e, tendo em conta as nossas características, como
podemos realçar as positivas. Mas ao sermos um povo muito individualista
(nos antípodas dos povos escandinavos, por exemplo), precisamos ou
pedimos que venha um pai (ditador) que imponha as regras, e não através de uma
responsabilização geral de cada indivíduo em dar o seu contributo
à sociedade. Dar
o contributo é muito mais do que trabalhar 8h/dia. Há um contexto social,
ético, moral, que tem por base a educação! Queremos um país grande em todos os
sentidos? Apostemos então na educação, onde os valores humanos sejam
enaltecidos… isso sim, perdeu se na história do tempo. Carlos
Quartel: A
corrupção resulta da pobreza, da inveja e da fraca formação intelectual. Somos
fortes em todas essas matérias e poucos serão os que se metem em política
pensando no bem público. Ventura
não será excepção, a ambição lá está e todos cairão facilmente na tentação,
quando se chegarem ao pote. Tudo deveria ter começado na escola, com um
currículo que puxasse pela elevação do ser humano, com os valores da
austeridade, do rigor, do trabalho, sa solidariedade. Mas tudo isto é lirismo,
as famílias são incapazes de educar os filhos, os professores estão
desprestigiados e de mala às costas e o futuro é sombrio. Parabéns por um
excelente texto. Américo Silva: A crónica é meritória e elucidativa, no entanto não me
parece que as instituições possam funcionar sem uma minoria, ainda que pequena,
de pessoas honestas. Pontifex
Maximus: Os comentadores desta casa
começam a compreender por que razão as pessoas no Chega. Não, não é por
considerarem esse partido capaz de resolver os gravíssimos problemas do país
pois nem tem gente / quadros capazes para isso (é um partido de um homem só,
embora mais capaz do que a generalidade dos comentadores ousa admitir), é, isso
sim, porque as pessoas se fartaram da bandalheira e da corrupção que o PS e o
PSD praticaram nestes 50 anos de suposta democracia e perderam a fé na redenção
e vergonha de o afirmar. Sim, é por isto que também votarei no Chega. Paulo
Nunes: Caro Nuno : Tenho pena de não escrever como o
Nuno, porque certamente escrevia textos muito semelhantes. Concordo com a totalidade do diagnóstico que faz. Do
país podre que vive de esquemas, do atoleiro, e de como o futuro é negro para
quem possa dele sair. Só não concordo com a conclusão. A votação do Chega nas
próximas eleições será um passo no sentido certo na medida em que permitirá dar
a outros agentes a possibilidade de contrariar o estado vigente. Se o farão?
Não sei... se merecem a hipótese? Por que não?... João Diogo: Uma crónica fabulosa , um
retrato dos 50 anos de democracia , de tudo o que se fez mal nestes país, bem
tem razão o economista Nuno Palma, quando diz " o meu conselho para os
jovens é : votem com os pés saiam do país "
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