sábado, 20 de janeiro de 2024

Nós somos a anedota

 

Assim permissivos para tanta idiotia.

As anedotas de Pedro Nuno

As anedotas da semana têm como invariável protagonista Pedro Nuno Santos, conhecido em círculos fechados, mas abertos ao ridículo, por O Carismático.

ALBERTO GONÇALVES Colunista do Observador

OBSERVADOR, 20 jan. 2024, 00:201

A anedota da semana podia ser o anúncio, a cargo da dra. Mariana Vieira da Silva, de que, desde a última segunda-feira, o governo não voltará a participar em inaugurações. A piada está no pormenor de, nas semanas anteriores à marcação oficial das eleições, o dr. Costa ter inaugurado até placas comemorativas do facto de o dr. Costa inaugurar placas comemorativas. No passado dia 11, o ministro do ramo inaugurou em Óbidos um centro de saúde sem médicos, decerto inserido na estratégia de racionalização de custos que salvará o SNS. Ou seja, o governo não inaugurará mais nada porque não há mais nada para inaugurar excepto o momento em que aquela gente ostente, pela primeira vez, um pingo de vergonha na cara. E suspeito que o 10 de Março chegará sem podermos aplaudir tamanha efeméride. Porém, a anedota da semana não é esta.

As anedotas da semana têm como invariável protagonista Pedro Nuno Santos, conhecido em círculos fechados, mas abertos ao ridículo, por O Carismático. A primeira anedota versa a ex-CEO da TAP, que afinal, segundo a TAP, não era CEO da TAP, não trabalhava para a TAP e, imagine-se, acumulava trabalho em outras empresas além da TAP, para a qual, recordo, não trabalhava de todo. Pior, os advogados da TAP acusam a senhora de trabalhar mal e porcamente, embora, insistem eles, a senhora não trabalhasse para a TAP. Naturalmente, o dr. Pedro Nuno, que contratara a senhora, ou que julgara tê-la contratado, explica que o assunto não lhe diz respeito. Aconteceu o mesmo com a engenheira cuja indemnização o dr. Pedro Nuno aprovou, sem reparar que aprovou, via WhatsApp. À semelhança de todos os visionários, o dr. Pedro Nuno não presta grande atenção a minudências como a entrada ou a saída de funcionários das empresas que tutela: o interesse dele vai inteirinho para a saída de dinheiro dos nossos bolsos e a entrada do dito em portentosos “investimentos” estatais.

A segunda anedota da semana envolve a escola do filho do dr. Pedro Nuno. Eu nunca traria o petiz para as sórdidas entranhas da vida política, mas foi o próprio pai que, sem pertinência discernível, decidiu exibi-lo às massas no congresso do PS. Também não me meteria nas respectivas opções escolares, mas foi o próprio pai que repetidamente se afirmou um irredutível defensor da “escola pública de qualidade, capaz de responder aos desafios do presente e do futuro”. Tipicamente, a criança frequenta o Colégio Moderno. Pelos vistos, a escola pública não alcançou ainda a qualidade de que a criança carece, nem responde ainda aos “desafios”, presentes e futuros, que um bisneto de sapateiro exige. Já para a ralé, a escola pública chega e sobra.

A terceira anedota da semana decorreu durante uma entrevista ao “Expresso”, quando o jornalista Bernardo Ferrão colocou o dr. Pedro Nuno perante uma pergunta difícil (pergunta difícil é qualquer uma que se faça ao Carismático, dado que ele se atrapalha com todas): “Há quanto tempo não anda de comboio?” O dr. Pedro Nuno engoliu em seco: “Já há algum tempo”. E acrescentou: “É verdade.” E acrescentou mais: “Infelizmente, porque eu gosto muito de… de…” Antes que o dr. Pedro Nuno pudesse concluir o raciocínio e informar os eleitores de que gosta muito de fingir que gosta muito de andar de comboio, Bernardo Ferrão lançou outra pergunta difícil: “Sabe quanto custa um bilhete de comboio Intercidades Lisboa-Porto?”. Resposta pronta: “Eu… Eu não… Eu não… Eu já tive essa, já tive uma dessas. E já me fizeram uma lista…” Hã? “Essa” quê? “Dessas” quais? E qual “lista”? Sempre houve políticos que fogem a perguntas: o dr. Pedro Nuno prefere não sair do sítio de modo a confundir o entrevistador com frases avulsas sem ponta de ligação à questão original. É um método pioneiro. Por azar, não conseguiu desnortear suficientemente o jornalista, que reproduziu o (caríssimo) preçário e notou o sucesso da livre concorrência no mercado de autocarros. Ripostou o dr. Pedro Nuno: “A única coisa que posso dizer é que os comboios estão lotados.” A única coisa que posso dizer é que consultei os registos oficiais e a taxa de ocupação do longo-curso da CP em 2022 ronda, com sorte, os 50% (e os 20% nos percursos breves). Senhoras e senhores, eis, nas palavras de António Costa, o “grande impulsionador da ferrovia”.

A quarta anedota da semana é a promessa do dr. Pedro Nuno em tornar “Portugal grande outra vez”, a insólita adaptação caseira do slogan de Trump e uma demonstração de que ninguém consegue que ele decore duas frases seguidas, ou uma que faça sentido. Ele ao menos assume que não usará “uma certa linguagem no debate político”.

A quinta anedota da semana e das próximas semanas é esta criatura, que o PS desenterrou Deus saberá onde, que ignora o montante do salário mínimo enquanto luta pelo seu aumento, que desconhece tudo o que há para desconhecer acerca de comboios, aviões e carros de baixa cilindrada, que condena a especulação imobiliária menos a que lhe permite revender a casa pelo dobro do preço, que se deixou convencer de que uma imitação sofrível do “eng.” Sócrates passa pela gola alta e dispensa a lábia, ser candidato a primeiro-ministro. E poder ganhar. A “punch line”, portanto, são os portugueses.

PEDRO NUNO SANTOS    POLÍTICA

COMENTÁRIOS (de 13):

Maria Paula Silva: ohpa.....   delicioso. Eu, que não vejo televisão, agradeço especialmente estas crónicas porque sintetizam pérolas em poucos minutos. Estamos a falar, portanto, daquele rapazito que a CS "entronizou"  (Jesus Christ) e publicita como o ser mais carismático ao cimo de terras portucalenses?  o gajo é imaturo, inexperiente e inconsequente.  Cá pra mim, o tal "carisma" deve resultar da água-de-colónia que surte efeitos inesperados nas hormonas das piquenas da AR. Quer mental, quer verbalmente, não dá uma pra caixa. Não há gola alta que o salve, pois bancar o pseudo-intelectual de esquerda dos anos 60, maio 68, não é para qualquer um, é preciso saber ou ter lá estado, ter feito parte.!. Nem sabe, nem esteve lá  (uma frase que agora está muito na moda) e a gola alta do Sartre deve estar a dar reviravoltas. Pois é, o Pedrito, e nem é o de Portugal, vai cair pela armadilha do próprio ego. Ainda a procissão vai no adro e já está entalado. Para mal dos nossos pecados, não há ninguém que nos salve: nem Pedrito, nem Zezito, nem Luisito. Nem Andrezito. Não há mesmo nenhum "ito" que se aproveite. Donde só podemos concluir que as pessoas com verdadeiro carisma fogem a sete pés dos meandros da política. Isto vai ser um circo anedótico até março com direito a prolongamentos. O pior é que isso significa o nosso naufrágio.

Eduardo Cunha: Excelente crónica...

F. Mendes: Excelente, mas aterrador. Ainda bem que o AG aqui plasma algumas das bacoradas deste idiota, forte candidato a acabar com o que resta deste País. Isto porque, entre outras razões, não vejo os nossos canais "informativos"; por isso mesmo, ando razoavelmente informado. Já nem tenho estômago para aguentar os comentários dos avençados da oligarquia. Vão sobrando alguns (bons e muito bons) artigos de opinião neste jornal. Por enquanto. Há um ano, provavelmente riria deste artigo. Hoje em dia, já não consigo. A meu ver, não serão apenas os PNSs e restantes malfeitores neo-comunistas, a serem avaliados a 10 de Março. Será também a qualidade da massa cinzenta dos Portugueses; e também o seu amor ao País, e referências éticas e morais. E não é coisa pouca.

Rosa Lourenço: Ou será que para os socialistas, o colégio moderno é considerado escola pública?

Antonio Serrano: Do melhor que tem escrito! Obrigado, AG!

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