sábado, 20 de janeiro de 2024

Quem pode, pode

 

É nosso fado a dependência, não a liberdade individual, que o Estado assim controla, a coberto da tal “democracia” que ele representa, big brother em astuta aparência de isenção.

Querem matar um jornal? Chamem o Estado

O destino do Estado, enquanto proprietário ou financiador directo da comunicação social, é destruir “o quarto poder”.

RUI RAMOS Colunista do Observador

OBSERVADOR, 19 jan. 2024, 00:2234

Decorre por estes dias em Lisboa um congresso em que, segundo as notícias, os jornalistas são convidados a resolver o seguinte “paradoxo”: a imprensa existe para servir o “interesse público”, mas o “modelo capitalista que sustenta as empresas jornalísticas impõe” o “primado do lucro financeiro”. De facto, o paradoxo que daqui decorre é outro: como é que profissionais que dizem trabalhar para informar o público podem estar, eles próprios, tão pouco informados?

A contradição entre interesse público e lucro privado é, na imprensa como em outras actividades, uma contradição falsa. Empresas financeiramente saudáveis são a maior garantia de independência e desenvolvimento da comunicação social. Se um jornal, rádio ou televisão der lucro, é porque teve a força necessária para atrair leitores, ouvintes e espectadores, e também anunciantes e outros parceiros. Só assim a imprensa pode ser o “quarto poder”. Nenhum poder é poder se estiver falido e dependente.

Mas não é assim que se encara a imprensa em Portugal. Demasiada gente, perante as dificuldades de um grupo de comunicação social, chama logo o Estado. Eis outro paradoxo, se quiserem descobrir paradoxos. Estamos num país onde foi o Estado, depois das nacionalizações de 1975, quem levou ao descrédito e à ruína a grande imprensa do século XX. Lembram-se ou ouviram falar de O Século? O Século foi o mais influente e próspero jornal diário que alguma vez existiu em Portugal. Até ao dia em que passou a ser propriedade do Estado. Ao fim de dois anos, fechava. Como é possível, com esta história, falar da propriedade ou do financiamento públicos como remédio para a comunicação social?

Não, o problema aqui não é só o Estado ser geralmente mau gestor. O problema é que Estado e comunicação social não foram feitos para viver juntos. A propriedade pública ou o financiamento público directo são fatais à imprensa. No caso da propriedade, porque a partir do momento em que direcções de jornais, rádios ou televisões são nomeadas em conselho de ministros, não é possível levar a sério esses jornais, rádios ou televisões: é que se a comunicação social não servir para escrutinar com independência o Estado, o maior poder que existe na sociedade, então serve para pouco. No caso do financiamento público directo, porque o dinheiro do Estado, no caso da comunicação social, é tão nefasto como os trinta dinheiros de Judas. Se o Estado financia um jornal ou um grupo de comunicação social e não financia os outros, está a viciar a concorrência e a lesar os jornais e grupos que não apoia. Se financia a todos transversalmente, o seu critério de distribuição só pode ser o do status quo, e essa é a melhor maneira de impedir a inovação e a reinvenção da imprensa, e de garantir que a comunicação social acabará por consistir num amontoado desesperado de zombies sem prestígio e sem público.

Sim, a comunicação social tem muitos problemas, a começar pelos que decorrem do pouco dinamismo da economia portuguesa. Mas o Estado proprietário ou financiador directo não é a solução. O destino do Estado, enquanto proprietário ou financiador directo, é destruir “o quarto poder”. Há, no entanto, outras coisas que o Estado pode e deve fazer, como ontem lembrou António Carrapatoso no Observador: por exemplo, instituir autoridades reguladoras independentes para manter os mercados abertos, e salvaguardar uma concorrência salutar.

Nada seria mais saudável para a democracia e a liberdade em Portugal do que ter jornais, rádios e televisões que dessem lucro. Teríamos enfim um verdadeiro “quarto poder”. É de facto paradoxal que haja um congresso de jornalistas onde a verdadeira solução seja vista como o problema.

COMUNICAÇÃO SOCIAL    MEDIA     SOCIEDADE

COMENTÁRIOS (de 3e4)

Meio Vazio; Congresso de "jornalistas"? Haverá em Portugal um número suficiente que o permita? Não será de "activistas"?                Pertinaz: É um facto… com António Costa recuámos 50 anos… como é possível…??? Pede-se a intervenção do Estado como nos tempos idos do PREC… nunca pensei que chegaríamos aqui…!!!                         Fernando Cascais: Um homem muito rico comprou o jornal. Não acreditava em santas, mas tinha uma fé inabalável em crocodilos voadores. O jornal seria o meio para ele revelar ao mundo que os crocodilos voam. Na sua primeira reunião com o redactor chefe do jornal pediu a este que escrevesse um artigo de opinião sobre o exuberante voo dos crocodilos. O jornalista ficou atónito com o pedido sem saber muito bem o que fazer, mas, ao segundo ronco do estômago escreveu o artigo de opinião com o título: “Os crocodilos voam, mas voam baixinho”. O jornalismo não é isento, verga-se a quem lhe paga o ordenado. Quem investe no jornal define uma estratégia e aponta a um público alvo. O Observador é um bom exemplo. Assumiu-se como um jornal de direita e apostou nos órfões leitores de direita. Para tal apostou em jornalistas de direita e descartou “danieis oliveiras”. O Correio da Manhã também é um bom exemplo apostando em quem gosta de ler logo à primeira bica as letras gordas da notícia sobre a mulher que espetou um garfo no olho do marido quando este estava deliciosamente a masturbar-se na WC em frente a uma fotografia da vizinha.  Analisando friamente a situação na Global Media juntamente com uma esquimó a cheirar a peixe dentro de um iglu na antártica, diria, que os jornalistas e funcionários do grupo já perceberam que a empresa faliu e que vão ficar desempregados. A única solução à vista é conseguirem o conforto do Estado através de subsídios estatais para lhes garantirem o ordenado, ou, a solução de oiro que seria passarem a funcionários públicos através da nacionalização da empresa. Outra possibilidade seria os russos ou os angolanos comprarem o grupo para fazerem propaganda às maravilhas das democracias autocráticas e nepotistas. Na Global Media não houve estratégia por parte da administração e os jornalistas andavam com rédea solta ao deus-dará. Obviamente que faliram.  Resumindo, para um jornal ter sucesso é preciso acertar com a estratégia editorial para ir de encontro ao público alvo pretendido e escrever de vez em quando que os crocodilos voam. A nacionalização destrói o jornalismo, a audácia e a criatividade. Para quê o esforço e dar cabo dos neurónios se ao fim-do-mês o ordenado não falha. Tim do Á: O Estado ter comunicação social é ditadura.                    Rui Lima: Completamente de acordo 👍🏻. Hoje, salvo muito poucas excepções, temos uma CS completamente vendida à ideologia woke, de esquerda e ao serviço do “focus group” do PS.               Carlos Chaves: Neste momento o “quarto poder” está silenciado, ou melhor, só vende e sustenta a perigosa propaganda de esquerda. Vendo bem nem sei se alguma vez tivemos “quarto poder” em Portugal. Este é um dos graves problemas da nossa débil democracia. A ERC não funciona é um braço comandado pelo governo socialista, o peso da RTP neste sector é obsceno, mas os privados na CS também não estão isentos de culpas, basta ver o caso da empresa de “sucesso” com o slogan – “liberdade para pensar”! Autênticos papagaios do regime socialista! Resumindo, o que se passa na CS é o resultado da estratégia socialista que tem por objectivo final, o controlo absoluto da comunicação social. Todos sabemos (se nada fizermos contra) qual vai ser o resultado.                                              Maria Augusta Martins: Bom artigo a pôr dedos nas feridas. Um alerta para o "Observador" onde não faltam "yes men"            Ana Luís da Silva: Excelente! Entregar a comunicação social nas mãos do Estado equivale a colocar o  carneiro na boca do lobo.                  pedro dragone: É tão óbvio aquilo que o Rui Ramos escreve "que até chateia". Se algumas empresas de media tiverem que desaparecer pois que desapareçam. É a vida. É o mercado a funcionar e a seleccionar os melhores. Mais vale menos empresas mas boas do que muitas e más, que se copiam umas às outras não apenas no que noticiam mas também na mediocridade. PS: todas as empresas prestam um serviço público. Todas. Um restaurante presta um serviço público, idem uma sapataria, uma loja de móveis, um super mercado, uma clinica dentária, uma transportadora,  etc, etc, etc. Todas prestam um serviço público porque aquilo que vendem, produto ou serviços, se destina a servir necessidades do público, das pessoas em geral.

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