terça-feira, 23 de janeiro de 2024

“Todo o mundo é composto de mudança”


Se quiséssemos atribuir um carisma de universalidade e elegância a atitudes humanas que nada têm a ver, contudo, com o sentido universal da mudança clássica, sendo essa da referência de Rui Pedro Antunes apenas circunscrita ao sentido dos interesses pessoais que movem os humanos. Nós temos mais experiência do que Rui Pedro Antunes nesse capítulo, passámos por um 25 de Abril, de mudanças de armas e bagagens, já não estranhamos tanto como ele, inexperiente ainda dos artifícios humanos na busca de “novas qualidades”.

 

Sujar Portugal

As transferências inter-partidárias são pouco éticas e sugerem falhas morais graves. Numa linguagem popular, são de uma grande lata. Ou, numa linguagem populista, sujam Portugal.

 RUI PEDRO ANTUNES Editor de Política do Observador

OBSERVADOR, 23  jan. 2024, 00:186

O maior activo de um político é a sua palavra, a sua credibilidade. Quando um político em poucos dias troca de partido, de ideologia, de convicções, dá razão à mais primária conversa de café. Eles são todos iguais. Eles só querem saber deles próprios. Eles querem é tacho. Eles querem todos é poleiro. Os eles destas frases são, na alegoria da taberna, os políticos. Esses malandros.

António Maló de Abreu decidiu pôr fim a 40 anos de militância partidária no PSD em discordância com a direcção de Luís Montenegro e passar a deputado não-inscrito, naquilo que é um direito legítimo. Nesse mesmo dia, o Observador revelou que estava a ser ultimada a candidatura do ex-deputado do PSD pelo Chega num dos círculos externos. Sobre estar em negociações com o partido de Ventura, Maló disse que era “mentira”, uma vezduas vezestrês vezes. Na televisão deu garantias ainda mais cristalinas: um “não rotundo” a integrar as listas do Chega e a certeza de que não ia “mudar de camisola todos os dias“.

A desfaçatez ficaria confirmada dez dias depois quando o presidente do Chega, André Ventura, disse de viva voz que Maló de Abreu seria o cabeça de lista pelo círculo de Fora da Europa. O mesmo estará prestes a acontecer com Eduardo Teixeira (ex-presidente do PSD/Viana do Castelo) e Rui Cristina (que até há poucas horas era vice-presidente do PSD/Algarve). Apesar de serem segundas linhas, Ventura cria um embaraço que pode crescer caso estes ex-PSD sejam eleitos: como pode Montenegro argumentar que não conta com os deputados do Chega quando um deles (Rui Cristina) foi a pessoa que escolheu como número cinco do PSD pelo círculo do Algarve há poucos dias?

A aparente vitória de Ventura é, ao mesmo tempo, uma derrota. O líder do Chega colocou em letras garrafais no palco da Convenção de Viana do Castelo que é hora de “Limpar Portugal”. Prometeu, fazendo uso de uma expressão de Rui Rio (que deve estar a ferver a ver as escolhas do velho amigo Maló), um “banho de ética. Ninguém, com o mínimo de honestidade intelectual, pode dizer que estas transferências inter-partidárias são eticamente irrepreensíveis. São o contrário: pouco éticas e sugerem falhas morais graves. Numa linguagem popular, são de uma grande lata. Numa linguagem populista, merecem o verbo no infinitivo: trata-se de Sujar Portugal.

Mas pode sempre piorar. Tanto Maló de Abreu como Rui Cristina, mesmo com o Parlamento parado, mantêm-se deputados não-inscritos até ao fim da legislatura. Não há plenários e nenhum deles faz parte da Comissão Permanente. Isto significa que vão receber salário como deputados, mesmo sem trabalharem para tal, até meados de março. Podem até ficar mais tempo se o Presidente demorar a dar posse a um novo Governo e isso atrasar a posse do novo Parlamento. Quando podiam dar alguma nobreza à ignomínia que impuseram a eles próprios, decidiram continuar a receber dinheiro dos contribuintes. A taberna agradece a borla.

A arte do populismo também é misturar, confundir, criar listas. Mas isolar, não enquadrar, também seria. Em nome da honestidade, é indispensável dizer que há outros Malós — mesmo com motivações ou histórias diferentes. Em lugar elegível da lista do PSD por Lisboa, por exemplo, segue Luís Newton. Deixemos, por agora, a justiça e o caso Tutti Frutti e fiquemos “só” pela parte ética: Newton viajou até à China pago por uma empresa tecnológica no chamado Huaweigate; fez adjudicações a empresas de militantes do PSD e esteve envolvido em actos de cacicagem. Depois de tudo isto, chegará a deputado.

No PS até se pode desvalorizar que Pedro Delgado Alves tenha feito consulta prévia a empresas com os mesmo sócios ou o currículo criativo de Maria Begonha (citando Carlos César e os D.A.M.A.: “O que lá vai, lá vai”), mas é difícil entender que Pedro Nuno Santos permita que Davide Amado — acusado pelo Ministério Público de participação económica em negócio e abuso de poder por actos cometidos — siga em lugar elegível na lista de deputados do PS por Lisboa. E estes são só alguns exemplos.

Os partidos, os do sistema e os que dizem estar fora dele, já não valorizam a ética, a imagem pública nem a credibilidade dos seus candidatos. Se valorizassem, não permitiriam ter nas suas fileiras alguns destes nomes. O chão da taberna está cada vez mais sujo. E os que não são iguais a todos os outros, uma maioria que tenta exercer a actividade política com ética e dignidade, não têm como não ficar com os pés pegajosos.

ELEIÇÕES LEGISLATIVAS     POLÍTICA

COMENTÁRIOS

Alexandra Ferraz: Winston Churchill também mudou várias vezes de partido: conservador, liberal, conservador e nem por isso deixou de ser um verdadeiro ícone da História universal... só não mudam os estreitos de vistas... Cá pelo burgo também há exemplos: Zita Seabra, Freitas do Amaral, Santana Lopes, etc, etc... vivemos em democracia, e ainda bem!!!

 

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