Se quiséssemos atribuir um carisma de
universalidade e elegância a atitudes humanas que nada têm a ver, contudo, com
o sentido universal da mudança clássica, sendo essa da referência de Rui Pedro Antunes apenas
circunscrita ao sentido dos interesses pessoais que movem os humanos. Nós temos
mais experiência do que Rui Pedro Antunes nesse capítulo, passámos por um 25 de Abril, de mudanças de armas e bagagens, já
não estranhamos tanto como ele, inexperiente ainda dos artifícios humanos na
busca de “novas qualidades”.
Sujar Portugal
As transferências inter-partidárias são pouco éticas e
sugerem falhas morais graves. Numa linguagem popular, são de uma grande lata.
Ou, numa linguagem populista, sujam Portugal.
RUI PEDRO ANTUNES Editor de Política do
Observador
OBSERVADOR, 23 jan. 2024, 00:186
O maior activo de um político é a sua
palavra, a sua credibilidade. Quando um político em poucos dias troca de
partido, de ideologia, de convicções, dá razão à mais primária conversa de
café. Eles são todos iguais. Eles só
querem saber deles próprios. Eles querem é tacho. Eles querem todos é poleiro.
Os eles destas frases são, na alegoria da taberna, os políticos. Esses
malandros.
António Maló de Abreu decidiu pôr
fim a 40 anos de militância partidária no PSD em discordância com a direcção de
Luís Montenegro e passar a deputado não-inscrito, naquilo que é um direito
legítimo. Nesse mesmo dia, o Observador revelou que estava a ser ultimada a
candidatura do ex-deputado do PSD pelo Chega num dos círculos externos. Sobre
estar em negociações com o partido de Ventura, Maló disse que era
“mentira”, uma vez, duas vezes, três vezes. Na televisão deu garantias ainda mais cristalinas:
um “não rotundo” a integrar as listas do Chega e a certeza de que
não ia “mudar de camisola todos os dias“.
A
desfaçatez ficaria confirmada dez dias depois quando o presidente do Chega,
André Ventura, disse de viva voz que Maló de Abreu seria o cabeça de lista pelo círculo de Fora da
Europa. O mesmo estará prestes a acontecer com Eduardo Teixeira (ex-presidente do
PSD/Viana do Castelo) e Rui Cristina (que até há poucas horas era
vice-presidente do PSD/Algarve). Apesar de serem segundas linhas,
Ventura cria um embaraço que pode crescer caso estes ex-PSD sejam eleitos: como pode Montenegro argumentar que não
conta com os deputados do Chega quando um deles (Rui Cristina) foi a pessoa que
escolheu como número cinco do PSD pelo círculo do Algarve há poucos dias?
A aparente vitória de Ventura é,
ao mesmo tempo, uma derrota. O líder do Chega colocou em letras
garrafais no palco da Convenção de Viana do Castelo que é hora de “Limpar
Portugal”. Prometeu, fazendo uso de
uma expressão de Rui Rio (que deve estar a ferver a ver as escolhas do velho
amigo Maló), um “banho
de ética”. Ninguém,
com o mínimo de honestidade intelectual, pode dizer que estas transferências
inter-partidárias são eticamente irrepreensíveis. São o contrário: pouco éticas
e sugerem falhas morais graves. Numa linguagem popular, são de uma grande lata.
Numa linguagem populista, merecem o verbo no infinitivo: trata-se de Sujar
Portugal.
Mas pode sempre piorar. Tanto Maló de Abreu como Rui Cristina,
mesmo com o Parlamento parado, mantêm-se deputados não-inscritos até ao fim da
legislatura. Não há plenários e nenhum deles faz parte da Comissão Permanente.
Isto significa que vão receber salário como deputados, mesmo sem trabalharem
para tal, até meados de março. Podem até ficar mais tempo se o
Presidente demorar a dar posse a um novo Governo e isso atrasar a posse do novo
Parlamento. Quando podiam dar alguma nobreza à ignomínia que impuseram a eles
próprios, decidiram continuar a receber dinheiro dos contribuintes. A taberna
agradece a borla.
A
arte do populismo também é misturar, confundir, criar listas. Mas isolar, não
enquadrar, também seria. Em nome da honestidade, é indispensável dizer que há
outros Malós — mesmo com motivações ou histórias diferentes. Em lugar elegível
da lista do PSD por Lisboa, por exemplo, segue Luís Newton. Deixemos, por agora, a justiça e o caso
Tutti Frutti e fiquemos “só” pela parte ética: Newton viajou até à China pago por uma empresa tecnológica no
chamado Huaweigate; fez adjudicações a empresas de militantes
do PSD e esteve envolvido em actos de cacicagem. Depois
de tudo isto, chegará a deputado.
No PS até se pode desvalorizar que Pedro Delgado Alves tenha
feito consulta
prévia a empresas com os mesmo sócios ou o currículo
criativo de Maria
Begonha (citando Carlos César e os
D.A.M.A.: “O que lá vai, lá vai”), mas é difícil entender que Pedro Nuno Santos permita que Davide Amado
— acusado pelo Ministério Público de
participação económica em negócio e abuso de poder por actos cometidos — siga
em lugar elegível na lista de deputados do PS por Lisboa. E estes são só alguns
exemplos.
Os partidos, os do sistema e os que
dizem estar fora dele, já não valorizam a ética, a imagem pública nem a
credibilidade dos seus candidatos. Se valorizassem, não permitiriam ter nas
suas fileiras alguns destes nomes. O chão da taberna está cada vez mais sujo. E
os que não são iguais a todos os outros, uma maioria que tenta exercer a actividade
política com ética e dignidade, não têm como não ficar com os pés pegajosos.
ELEIÇÕES
LEGISLATIVAS POLÍTICA
COMENTÁRIOS
Alexandra
Ferraz: Winston Churchill também mudou várias vezes de
partido: conservador, liberal, conservador e nem por isso deixou de ser um
verdadeiro ícone da História universal... só não mudam os estreitos de
vistas... Cá pelo burgo também há exemplos: Zita Seabra, Freitas do Amaral,
Santana Lopes, etc, etc... vivemos em democracia, e ainda bem!!!
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