segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

É certo

 

Que P.N. não recebeu a protecção dos deuses com a sua sabedoria orientadora, como os tais heróis épicos minuciosos, é mais do estilo da irmã do Solnado, que gosta muito de dizer coisas, ou seja, “pois”, embora me pareça que as coisas que Pedro Nuno diz, até bem prolixamente, estão mais viradas para o próximo futuro, e nós é que confirmamos docilmente com o “pois” da nossa anuência pacífica a essas verdades de duvidosa consecução, mas nunca se sabe se sim ou sopas, isto é, se se realizarão, ou não, sob a sua protecção, digo governação, o futuro pertencendo antes a Deus - ou mesmo ao Diabo, que também tem bons poderes nisso.

As coisas que contou Ulisses, ou o bardo cego em vez dele, na pausa dos Feácios, passaram-se realmente anos antes, com as emoções e acidentes respectivos a respeito dos feitos dele e dos mais companheiros de armas, um tempo de memória que ocupa vários cantos da Odisseia, como informa PAULO RAMOS, as falas entre o velho pai Príamo e o vingativo Aquiles também se reportam a um passado acidental, num espaço de tempo não de memória mas de contemporaneidade, próprio da Ilíada, como informa o mesmo Investigador, dando a entender que o negócio discursivo  de PEDRO NUNES, de empáfia estridente, puramente de promessas, e portanto de hipotética realização, aconselhariam antes o silêncio de oiro, de que também fala o nosso engenheiro naval, embora estejamos gratos perante o que este disse, ao escrever tão expressivamente sobre o que o imortalizou. Mas Pedro Nuno não se importa tanto com a imortalidade. Ele é mais os trocos avultados que lhe conferirá a realização – não das promessas mas da possibilidade de as aplicar (ou não, isso é supérfluo), na sua esfera futura de serviço, por isso só faz isso – promessas – os sentimentos não tem que os exprimir, as lutas são puramente consigo próprio, sobre a forma de alcançar o “pois!” do seu alcance.

Não, PN não precisou sequer do auxílio dos deuses, armado ele próprio em deus previdente  e providente da nossa corporação amante e obediente. (Excepto na coisa das greves).

 

Pedro Nuno e o manjar dos Feaces

Como dizia um heterodoxo engenheiro naval muito cá de casa, "estar calado é a melhor m aneira de ter razão". Deve ser por isso que Pedro Nuno fala, digamos, tão bem.

PAULO RAMOS Investigador no Centro de Estudos Clássicos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e tradutor

OBSERVADOR, 27 jan. 2024, 00:1518

para o João Miguel, contador de histórias, arqueiro da esperança

E eis que, ao 7º dia, Pedro Nuno, o Soberbo – cônscio do seu valor mas não do Salário Mínimo nem do de um bilhete de comboio – devidamente alertado pela sua corte de assessores, anuiu a brevíssima catábase e consentiu conviver com o povaréu e seus hábitos: sentado à roda da caçarola, catou bagulho e escolheu os meninos que, prestando vassalagem e prometendo fazerem para sempre parte da sua equipa no jogo das Escondidas e do Mata, terão autorização para, a partir de Março, no recreio do Jardim Infantil, folgar com os seus brinquedos.

Apesar dos esforçados gestos de larga magnanimidade e dos avisos do seu cortejo de eunucos, Pedro Nuno passeou-se por entre torneios de chinquilho, sandes de courato, farturas e bifanas de Vendas Novas com indisfarçável fastio – a ruindade do cheiro a óleo e a povo entranha-se de tal modo em fatinhos de fino corte e camisolas de gola alta que ele pressente já o sono interrompido pelas sonoras protestações da senhora da 5àSec alertando “a Catarina” para os inconvenientes do contubérnio, mesmo que apressado, com esse tal do povo: mãos gordurosas, palmadas nos costados e o segredo comungado de as palavras serem a nossa antiga, sóbria e humílima vigília à cabeceira de um mundo que por vezes compreendemos apenas em diferido.

Nesse mundo – o mundo de Homero, no fundo – um homem usava palavras apenas para dar expressão a um pensamento que, longamente ponderado, lograra alcançar; ou então para apresentar um argumento, uma censura, ou para dar graças. Pedro Nuno, por seu turno, julgando tê-las seduzido com a velha moeda da vergonha e do esquecimento, exaspera-se quando, ao invés dos seus fabulosos domínios, elas denunciam a inutilidade de todas as suas urgências.

Conhecesse ele o mundo dos poemas homéricos – um mundo governado por convenções a que nem Príamo, na sua dor, nem Aquiles (cujas febris idas e vindas diante das muralhas denunciam a sua interminável e inútil ira) sabem como escapare talvez lograsse entrever, acima das convenções, aquela subtil sugestão da possibilidade de nem tudo estar predeterminado; de por vezes as coisas serem como são; de neste mundo, porventura também sujeito ao acaso, as coisas nem sempre serem como deveriam ser por simplesmente acabarem por ser do jeito que são.

É num desses momentos que Príamo tem a ideia de procurar Aquiles não enquanto rei, mas como pai, assumindo o vínculo mais leve de ser simplesmente um homem; suspeita ele, e com razão, que Aquiles ficará igualmente feliz por se libertar da obrigação de ser sempre um herói. Num delicioso aparte, Príamo interroga-se se não será este alijamento das convenções o verdadeiro resgate que ele poderá oferecer a Aquiles pelo corpo do seu filho.

Se a Ilíada, atravessando uma guerra, teima em mostrar-nos corpos de homens – no frenesim da acção e na estranha serenidade da morte – e luta ofegantemente com os valores que levam esses homens a agir e a morrer, Odisseia, situada no rescaldo da guerra, pode ser descrita como um poema sobre o espírito – uma celebração das qualidades intelectuais e verbais de que talvez precisemos para sobreviver naquele mundo que, em desconforto, regressa aos esquecidos hábitos da paz.

Uma qualidade espiritual que a Odisseia admira extravagantemente é a capacidade para contar uma boa história. (Se a história é verdadeira ou falsa é uma questão que atribula este poema, que de variadas maneiras se preocupa com aquilo que é, no fundo, uma questão filosófica: como é que se pode saber se algo é verdadeiro – a história que nos é contada por um completo estranho, os protestos de uma esposa que afirma a sua fidelidade.) Por vezes, é fácil esquecermos que quase todas as famosas aventuras que associamos a Ulisses (os Ciclopes, Calipso, Cila e Caríbdis, os Lotófagos) – nos são narradas não pelo narrador invisível do poema, aquele “eu” que invoca a Musa no primeiro verso, mas pelo próprio Ulisses acerca si mesmo. A certa altura da sua viagem, ele arriba a uma ilha habitada por refinados nativos e amantes do prazer, os Feaces, e, uma noite, ao jantar, conta-lhes a história do seu regresso até àquele momento, algo que ocupa quatro livros inteiros do poema de Homero.

Quase poderíamos dizer que grande parte da Odisseia é uma espécie de performance épica dentro de uma epopeia, uma longa analepse em que o poeta e o herói são a mesma pessoa. (Não será talvez coincidência que tanto os bardos como os arqueiros – e que renomado arqueiro é Ulisses! – precisem de um instrumento de cordas para alcançar as suas proezas). A narrativa épica anseia por dar descanso às palavras para que não encontra proveito nem uso fora desta solidão que nos impõe sempre que trocamos as nossas mútuas ausências pelo atrevimento de ruinosas esperanças.

As Histórias, por exemplo, começam com uma narrativa, à laia de fábula, ilustrativa dos perigos da autofagia imperialista: a história de Creso, aquele obscenamente rico rei da Lídia, “o primeiro bárbaro”, diz Heródoto, “a subjugar e a exigir tributo de alguns Helenos” e que, hélas!, acabou também ele subjugado, cego pelo seu sucesso, aos perigos que o rodeavam. Antes da grande batalha que lhe custou o reino, tinha arrogantemente interpretado mal um pronunciamento do oráculo de Delfos que deveria ter sido um aviso: “Se atacares a Pérsia, destruirás um grande império”. E realmente destruiu – o seu próprio.

Pedro Nuno, cuja afeição por cordas em tensão é desconhecida, não sabe que as ruínas são antigos locais de permanência e plenitude e por isso não é fácil ter de nelas acoitar o nosso erro, a nossa efemeridade sem revolta, pois é sobre inevitáveis ruínas também que se constrói a consciência dolorida do corpo e do tempo.

Como dizia um heterodoxo engenheiro naval muito cá de casa, estar calado é a melhor maneira de ter razão. Deve ser por isso que Pedro Nuno fala, digamos, tão bem.

ELEIÇÕES    POLÍTICA    PEDRO NUNO SANTOS

COMENTÁRIOS (DE 18)

Domingas Coutinho: Eça não escreveria com mais audácia.                     Alexandre Barreira: Pois. Ao ler este "relambório". Lembrei-me do grande Cipião. Será que ainda é vivo? Tenho saudades das suas "lendas"....!                      João Floriano: Pedro Nuno diz sempre o mesmo em cada entrevista que dá, Vai ser bem difícil debater com ele, do mesmo modo que é completamente impossível tourear um miúra que não quer sair das tábuas. Poderá ser imponente, ter uma estampa notável, mas se se recusar a enfrentar o toureiro ou o cavaleiro, de nada servirá e terá de ser recolhido com  a ajuda dos cabrestos. Sem querer de modo algum ser ofensivo é isso mesmo que serão os debates de PNS quando o confrontarem com os seus inúmeros fracassos enquanto governante. Onde PNS vê sucesso e lucros conseguidos pela sua acção, o contribuinte vê milhões perdidos que nunca serão restituídos como noutros países onde  a direita ignóbil e repulsiva governa, mas onde o contribuinte é respeitado. Por cá saiu-nos  a sorte grande com um governo de esquerda que não vai reembolsar a nação valente, imortal, falida e sem saídas a não ser as dos que partem. PNS move-se verdadeiramente num campo para além de arruinado pelo PM anterior, é igualmente um campo minado. Infelizmente para ele e para nós, que podemos muito bem ter de o aturar como PM, e não só  a ele como ao seu séquito de extrema-esquerda, não há futuro quando se pretende erguer um edifício sobre alicerces arruinados e ainda por cima uma construção inspirada na visão errada do seu construtor e não nas adversas condições que terá de enfrentar. Ulisses chegou a Ítaca. PNS não chega à sua Ítaca de certeza absoluta.  Naufraga pelo caminho e nós vamos ao fundo com ele.                     Vítor Araújo: Uma maravilha!                    bento guerra: "Cortejo de eunucos"? PS! PS! PS!                      mais um: Interessante e infelizmente bastante realista.

 

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