Erupções por todo o lado. As da natureza
nem são as piores, com a sua lava, vento ou água. As dos homens – mais do foro
bélico - revestidas de sentimentos de ódio, retaliação, malvadez natural,
inveja - fazem escorrer sangue, suor e lágrimas. Por vezes, também, baba, sobretudo
quando as erupções que provocam a tal baba são de natureza mais facilitadora de
optimismo e veneração, como as tais erupções monetárias, de preferência escorridas
de um exterior camarada.
Depois do "dia negro", actividade
vulcânica diminui na Islândia. Mas "nada faz prever que a erupção está
para acabar"
Três casas ficaram destruídas
naquela que é descrita como a erupção vulcânica "mais séria" na
Islândia desde 1973. Mas não é um vulcão normal: é de tipo fissural, onde a
lava pode subir sem avisar.
ADRIANA ALVES - Texto
OBSERVADOR, 16 jan. 2024, 00:23
Índice
Porque é a Islândia a região mais vulcânica na Europa?
Que tipo de erupção está a decorrer?
O que distingue uma erupção de tipo fissural?
Podem formar-se novas fissuras?
Quais os perigos deste tipo de erupção?
Quanto tempo pode demorar a erupção na Islândia?
“Prefiro ser realista do que optimista.” A frase denota o cansaço comum a
muitos islandeses da pequena cidade de Grindavík
depois da nova erupção vulcânica deste domingo, que fez com que lava
destruísse três casas no seu caminho. “Não é realístico regressar. Não
espero voltar a casa”, lamentou em
declarações à imprensa nacional uma residente da localidade piscatória de cerca
de 3.800 habitantes, determinada a começar a vida noutro lugar depois do que
tem sido descrito como um “dia negro” para a Islândia, como se podia ler esta
segunda-feira na primeira página do diário islandês Morgunbladid.
Para os residentes de
Grindavík, a cerca de 40 quilómetros da capital islandesa, Reiquiavique, a erupção de domingo foi um novo
golpe. Porque aconteceu de forma inesperada e apenas três
semanas depois do último episódio vulcânico na região, a 18 de dezembro, que
obrigou à evacuação da cidade e à transferência dos habitantes para zonas
seguras. Pouco mais de uma centena tinha regressado quando o novo evento, com
origem na mesma falha vulcânica, motivou uma nova retirada, à pressa, durante a
madrugada, obrigando a salvar também dezenas de animais. Muitos bens, contudo,
tiveram de ficar para trás.
Depois do episódio de dezembro,
que durou cerca de três dias, abriram-se
agora duas novas fissuras perto de Grindavík. Apesar dos esforços
para proteger a cidade (e uma central elétrica e uma geotérmica da região),
tendo sido construído um muros de 8 metros de altura em redor para desviar a
lava, tudo aconteceu de forma imprevisível. Apesar de se esperarem erupções, os
locais não eram onde acabaram por acontecer.
Como se pode ver pelos mapas, a primeira fissura e a maior surgiu a cerca de 1 km da
cidade, mesmo junto ao muro de contenção, que ficou danificado, mas está já a ser reparado de novo. E a
segunda já dentro dos próprios muros e bastante mais perto, a menos de 100
metros das casas, ainda que de tamanho menor. E, para já, nada faz prever que a erupção está para acabar, apesar
da situação perto de Grindavík ter “melhorado significativamente”, como
reconheceu Matthew Roberts, do Icelandic Meteorological Office (IMO), à BBC.
Esta é já a quinta erupção a atingir
esta península de Reykjanes desde 2021. Apesar de a actividade vulcânica ter diminuído desde domingo, há o
sempre presente risco de que novas fissuras possam surgir sem aviso prévio,
como o IMO já admitiu. A actual
atividade vulcânica desenvolve-se ao largo de uma fissura de cerca de 15 km,
que se abriu depois da crise sísmica de novembro. E, dali, podem surgir erupções
a qualquer momento e em qualquer lugar, sem grandes avisos prévios.
Porque é a Islândia a região mais vulcânica na Europa?
Explica-se por dois factores. Por um lado, trata-se de uma região que
tem uma enorme disponibilidade de magma, por outro lado, as próprias condições
geológicas da região são propícias a isso, começa por explicar José Pacheco, director do Instituto de Investigação em
Vulcanologia e Avaliação de Riscos da Universidade dos Açores (IVAR).
A elevada disponibilidade de magma, refere
José Pacheco, está relacionada com o facto de a Islândia estar por cima de
um hotspot — uma anomalia no manto terrestre que facilita a ascensão de
uma bolsa de magma até muito perto da superfície. “As rochas daquele local estão muito mais quentes e,
portanto, muito mais disponíveis para fundir”, aponta.
Além disso, a Islândia está
localizada numa zona de separação de placas tectónicas: a euro-asiática, que se move para
leste, e a americana, que
se move para oeste. “Os fundos
oceânicos estão a separar-se nessa zona. O facto das placas se afastarem uma
das outras cria o espaço que é necessário para o magma subir”, acrescenta.
O diretor do IVAR salienta, no entanto,
que apesar dos fenómenos vulcânicos não
serem novidade na Islândia (é a ilha dos vulcões), o
que se está a presenciar actualmente estabeleceu um marco diferente, com a
destruição de algumas casas na cidade de Grindavik. “Apesar de não
parecer ser uma erupção extraordinariamente grande, já destruiu três ou
quatro casas. Isso já não acontecia há mais de 40 anos na Islândia“,
destaca.
Que tipo de erupção está a decorrer?
Pode classificar-se como uma
erupção havaiana e é, por isso, caracterizada
por uma explosividade muito reduzida e fundamentalmente pela emissão de lava. Esta é
uma erupção relativamente comum e em tudo semelhante à de dezembro. “Esta é uma erupção que está ainda
relacionada com a mesma crise da erupção de dezembro. É o mesmo episódio de
realimentação magmática, ou seja, o que está a alimentar esta erupção é o mesmo
que teve início com a erupção de dezembro”, refere José Pacheco. Daí os níveis de alerta na região
nunca terem baixado desde essa altura, com as autoridades a iniciarem a
construção do tal muro de contenção para
proteger a povoação e algumas estruturas vitais da região. O
problema inesperado é que parte da erupção de domingo ocorreu no interior
dessas limitações.
O director do IVAR refere ainda que uma
das características deste tipo de erupção, e que se verificou tanto em dezembro
como agora, é que as manifestações mais agudas da crise costumam
ser muito próximas da própria erupção. “O hiato que decorreu entre a crise sísmica que precedeu a erupção e o
abrir do fluxo da erupção decorreu em apenas algumas horas”, destaca.
Ou seja, houve alguns sismos, de pequena intensidade, alguma deformação no
terreno, mas nada que indicasse onde o magma poderia sair.
O que distingue uma erupção de tipo fissural?
As
erupções de tipo fissural acontecem quando o magma sobe pelas fracturas da
rocha e sai através de rasgões à superfície e não por cones. A diferença,
refere José Pacheco, é precisamente o sistema de alimentação. “Ao invés de ser uma conduta tipo um tubo, o
magma aproveita na sua ascensão uma fissura que já existe. Ao invés de ter que
partir a rocha para subir à superfície, tem muito menos trabalho do ponto de
vista físico se aproveitar uma fissura ou um plano de fraqueza pré-existente”, refere.
Nestas erupções o magma tem que ter uma pressão muito lenta porque
está a alimentar uma superfície de descarga bastante grande. “E isto,
embora ocorra no início da erupção. Muitas vezes as principais fontes de emissão vão
acabar por se circunscrever às zonas principais. Assim, deixamos de ter uma fissura e passamos a ter três ou quatro pontos
distintos e por vezes até um único ponto distinto de saída do magma, porque
este deixou de ter capacidade de alimentar toda a extensão da fissura e se foi
concentrando na zona onde mais facilmente conseguia aceder à superfície”,
diz o especialista.
Por esta altura, a actividade parece abrandar. A fissura que se formou perto de
Grindavík no domingo já não estava quase activa esta segunda-feira e a produção
de lava da fissura maior, a norte da cidade, já estava a diminuir durante o dia,
segundo confirmou o vulcanólogo islandês Rikke Pedersen à agência Reuters.
Podem formar-se novas fissuras?
Não
é apenas possível, mas é uma “hipótese muito real”, sublinha
o diretor do IVAR, acrescentando que isso poderá
acontecer inclusivamente junto às habitações de Grindavik, onde surgiram novas
deformações no terreno ao longo desta segunda-feira. Aliás, as que se formaram antes da erupção de
dezembro, bem longe da cidade, até estavam a ser tapadas, porque nada fazia
prever que fosse nesta zona a nova erupção.
Mas
o aparecimento das fissuras é normalmente precedido por alguns sinais, como a deformação
localizada do solo e o desenvolvimento de pequenas fracturas superficiais. No
entanto, “entre o aparecimento dessas fracturas e o desenvolvimento
de uma cratera já com lava a sair pode ser um processo muito rápido“, alerta
José Pacheco. Foi o que aconteceu
no caso da segunda fissura que se formou mais próxima das casas em Grindavik. Antes da sua formação, destaca, não houve
qualquer indício óbvio de que o seu aparecimento estava iminente.
Quais os perigos deste tipo de erupção?
No que diz respeito a vidas
humanas, este tipo de erupções “são das menos perigosas”. “O perigo real que existe nestas erupções
são as lavas e estas movem-se a velocidades muito lentas — com excepção do início da erupção, em que
as primeiras lavas muito próximas da fonte eclodem à superfície e a sua
velocidade é muito elevada”, explica José Pacheco. A grande ameaça é para as eventuais
infraestruturas situadas no percurso percorrido pela lava e a poluição pelos
gases, como o enxofre e
o dióxido de carbono, que são libertados durante a erupção.
Mais perigosas são as erupções
explosivas, normalmente de
vulcões com cones, que têm uma grande capacidade destrutiva e
representam um risco maior devido aos produtos que se podem libertar e que
podem movimentar-se a grandes velocidades. “Esses produtos designam-se por esquadras
piroclásticas. Podem ser
absolutamente letais e chegar a mover-se a velocidades na ordem dos 300 a 400
km por hora. São
como grandes avalanches e o que quer que apanhe, destrói”, refere. Quando
explodem, lançam pedras e pedaços de lava, além de cinza a grandes altitudes. São normalmente também eles que produzem
grandes nuvens que impedem a aviação (aconteceu na Islândia há não muitos anos).
Não é o caso agora, nem com este tipo de vulcão.
Quanto tempo pode demorar a erupção na Islândia?
No domingo, o director da protecção
civil islandesa alertava que “estamos apenas provavelmente a ver o início de uma
cadeia de eventos que vão continuar e que serão difíceis de lidar”,
sublinhando que “este é o
evento mais sério no que diz respeito a erupções vulcânica desde janeiro de
1973”. Mas afinal, durante quanto tempo pode prolongar-se a erupção na
Islândia? É a “pergunta de um milhão de euros”, descreve José Pacheco.
Se erupção de dezembro durou apenas
cerca de três dias, a verdade é que este tipo de erupções se pode prolongar
durante alguns meses. “Não é possível,
à partida, fazer uma estimativa da duração das erupções. Aquilo que nós sabemos
é que, tipicamente, estas podem demorar alguns poucos meses“,
explica.
Para já, “nada faz prever que a erupção está para acabar”, continuando
ainda presentes elementos como a deformação do solo e o fluxo de
magma. O especialista destaca, no entanto, que a erupção já começou com
muito menos intensidade do que a de dezembro e que, por esta altura está a diminuir de intensidade. “A taxa de
extrusão em dezembro foi muitíssimo superior a esta que nós vemos agora, o que poderá ser um sinal de que
eventualmente teremos uma erupção não muito mais longa“, admite.
Alguns especialistas já fazem previsões
a mais longo prazo. À BBC,
Evgenia Ilyinskay sugeriu que a
península poderá estar a entrar num novo período de erupções frequentes. A
vulcanólogo admitiu a possibilidade de que as erupções poderão acontecer “a
cada poucos meses ou uma vez por ano durante várias décadas ou vários séculos”.
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