Na minha vida hoje iluminada pela esperança, graças a um projecto “MULHERES
ESCRITORAS” de Língua Portuguesa. Em resposta ao email com que Mariana Branco respondeu ao meu envio anterior:
«Caríssima,
Muito obrigada por ter respondido tão prontamente ao
meu e-mail.
Como referi no posterior e-mail, sou bolseira de
investigação no projeto Escritoras
de língua portuguesa no tempo da Ditadura Militar e do Estado Novo em Portugal,
África, Ásia e países de emigração, que tem como objetivo recolher para
publicação no site https://mulheresescritoras.pt fichas
de autoras com obra publicada em volume entre 1926 e 1974. Em CC estão as coordenadoras
do projeto.
Já tive a oportunidade de consultar as suas obras e
ler uma boa parte da sua produção literária na Biblioteca Nacional, produção
esta que me despertou particular interesse. Assim sendo, questiono se seria
possível marcar uma conversa com o objetivo de dar-lhe a conhecer o projeto e
de falarmos um pouco sobre a vida e obra que me parece verdadeiramente
fascinante.
Deixo também
o meu contacto pessoal, caso prefira comunicar dessa forma
Com os melhores cumprimentos,
Srª. D. Mariana Branco
Penso estar a viver um sonho de que
despertarei em breve, desejando que não se transforme em pesadelo,
naturalmente. Antes, pois, de lhe telefonar, ou mesmo de nos reunirmos,
envio-lhe a página de mais um livrinho que gostaria de publicar, um livrinho de
36 páginas apenas, já que sobre o meu Pai também escrevera “Melodias do Passado”
com que em tempos concorri e foi publicado por uma editora on line, SINAPSES, que,
entretanto desapareceu da circulação, salvo erro, em 2009. Antes, pois, de lhe
telefonar, envio-lhe esta página inicial de um livrinho que talvez nunca veja a
luz, mas, pelo menos, fica aqui, nesta segunda “carta” para si, registado um
pouco do desejo da bênção dessa mãe numa possível nova etapa de vida – ou talvez
não, velha que sou. Gostava que fosse uma flor para si. Se um dia nos
encontrarmos, oferecer-lhe-ei alguns desses livros que “acumulo em casa”, (como
forma de pagamento das edições que, com certa teimosia pouco apreciada, teimei
em fazer), num sentido de construção de verdades que defendi para o país que amo.
Telefonar-lhe-ei brevemente. Agradeço
também à Srª D. Teresa Almeida, que me enviou um email.
Um grande abraço
«Pureza foi
o seu nome»
«Centenária, foi o seu cômputo
etário, Mulher extraordinária o nosso cômputo diário, confirmado na vivência
atenta, em testemunho constante das muitas agonias, mas também alegrias - seres
humanos nunca preparados, é certo, para o fim, reagindo no medo, no
desconforto, no sofrimento, os ossos que se partiram e condenaram a um viver
final de reclusão, em tentativas, contudo, de recuperação.
Mas dir-se-ia que a minha mãe
soube orquestrar o seu percurso final, na adaptação com que se organizou o seu
espaço, para que lhe não faltasse nunca a atenção das filhas e, afinal, da
família próxima.
Uma Mulher extraordinária, como,
de resto, sempre se revelara, no dinamismo da sua personalidade forte e digna,
sensível e alegre, que sempre se assumiu humana e eficaz, mas cujo convívio
mais próximo, nesse seu final, fez transbordar de surpresa em surpresa, pelas
suas manifestações constantes de reflexão e memória de inesperado sabor.
Eis alguns textos transpostos de
um blog quase diário, com que fui entretendo os desabafos sem fantasia das
reacções ao mundo onde vou vivendo, em conversas, muitas vezes com uma minha
amiga das compras e da bica diária, e onde a minha mãe contou, na força de uma
presença avassaladora, e cuja foto, tirada pelo seu neto Ricardo, e colocada na
“boca de cena” do meu computador, me acompanha como parceira no meu próprio
resvalar para uma idade bem a caminho...
SEXTA-FEIRA,
27 DE MARÇO DE 2009
Hoje, a minha Mãe faz 102 anos.
Entendi dedicar-lhe um post no meu blog nacionalista, cuja bonita imagem
cimeira o meu filho Artur compôs com tanta perspicácia.
Com efeito, a figura
simultaneamente mimada e forte da minha Mãe merece um tratamento nacional: uma
espécie de doutoramento “honoris causa” – hoje é fácil - por conta do seu apego
à vida, concomitante com o seu inteligente terror da morte que, para todos os
efeitos, ninguém ainda provou se corresponde ao vazio absoluto ou a outras
possibilidades de vidas e de reencontros com os seres amados nesta.
Ela sabe quanto aqui é bem-amada,
quanto os seus caprichos de aceitação ou recusa, ao provocarem reacções por
vezes adversas, lhe mostram o seu poder sobre os que a rodeiam, que se zangam e
perdoam, e que lhe admiram os seus jeitos de dignidade tanto como o seu poder
de evocação – e não só da sua infância, mas também de outras memórias mais
recentes, de sítios, acontecimentos, cantares, ditos e nomes que os mais jovens
depressa esquecem. Para além da resposta pronta a qualquer desafio verbal do
seu foro perceptivo.
A cinta que envolve o “Jornal de
Vouzela”, dirigida a si, vem em nome de Henriques, o apelido de meu Pai, mas
era Rodrigues Brás que ela gostaria que fosse assinalado – o sobrenome do seu
Pai, que sempre prezou, com grande orgulho pela sua família e pelo seu Pai que,
no Carregal, nos inícios da República, conseguiu mandar ir uma professora para
a povoação - em breve repatriada, é certo, por crime de maçonaria - mas que
possibilitaria à minha Mãe a frequência escolar até à 3ª classe.
Creio mesmo que mais tarde, a
troca dos apelidos nas filhas – Henriques Brás em vez de Brás Henriques, se
deveu mais a esse seu orgulho de raça, paralelo à modéstia do meu nobre Pai, do
que ao engano do funcionário da Conservatória, como foi dito. Por isso, a sua
assinatura, feita com a aplicação da dificuldade, era sempre completa –
Rodrigues Brás Henriques - por muito que lhe disséssemos que bastava o
Henriques do marido.
Ama a natureza, lembra com
saudade as cabrinhas dos rebanhos que pastoreou, fala com os pássaros, na varanda,
e conseguiu convencer-nos a deitar-lhes as sobras do pão ou do arroz, a eles
destinando as bolachas que rejeita para si, na refeição matinal. Reage aos
crimes ou sensacionalismos aterradores dos noticiários televisivos com
compaixão e lágrimas, e fica decepcionada se os finalistas do “Preço Certo” não
ganham o bolo todo.
As tendências críticas que lhe
reconhecia no passado, ao acentuarem-se com o avolumar dos anos, tornam-se
repetitivas e por vezes massacrantes, mas tudo isso é esquecido em função da
idade e do amor que lhe temos.
Se lhe levo pão de manhã, não o
come, mas, se lho não levo, protesta e faz-me ir buscá-lo. Há dias, os dois
pedacinhos de pão iam encimados com uma fatia de queijo e duas de paio. Mas
achou que o pão era pouco. –“O pão agora de manhã está duro, não presta!” – “O
que não presta é não haver pão” – foi a resposta imediata.
Por isso não acredito quando se
faz esquecida. Sabe muito, a minha Mãe, o seu discurso tantas vezes
sentencioso, que nos espanta, o prova também, além das pequenas astúcias e
caprichos do seu comando. Merece o “honoris causa”!»
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