domingo, 28 de janeiro de 2024

Esses bem sabem que o sonho


“É uma constante da vida / Tão concreta e definida / Como outra coisa qualquer…” - ainda que o mundo não pule nem avance, e muito pelo contrário, pareça retroceder… Temos o nosso próprio exemplo comprovativo, de portugueses que sabemos puxar os cordelinhos, não para fazer pular o mundo – isso foi chão que deu uvas - mas para o proveito pessoal, o único mundo importante para os do sonho nacional. Autrement… umbiguistas se lhes pode chamar… Arranjistas também…

A força dos “deploráveis”

Serão as linhas vermelhas que alguns pretendem aplicar racionais, democráticas, desejáveis, ou sequer eficazes e respeitadoras da vontade do povo?

JAIME NOGUEIRA PINTO Colunista do Observador

OBSERVADOR, 27 jan. 2024, 00:1844

A 9 de Setembro de 2016, no jantar de recolha de fundos “LGBT por Hillary” em Nova Iorque, a candidata democrática à presidência dos Estados Unidos punha num mesmo saco, o dos “deploráveis”, a maioria dos apoiantes de Donald Trump.  E, encorajada pelos risos e aplausos da assistência, prosseguia, especificando o conteúdo do dito “basket of deplorables”, carregado de “racistas, sexistas, homofóbicos, xenófobos e islamofóbicos”; carregado, enfim, de desqualificados opositores políticos.

Só Deus sabe o que leva um eleitor, sobretudo um indeciso de última hora, a votar nesta ou naquela candidatura numa situação de oposição radical, mas a bravata de Hillary talvez lhe tenha custado a eleição. Caricaturar os adversários políticos de forma maniqueísta e enfiar num mesmo saco milhões de votantes, chamando-lhes deploráveis, tinha tudo para ter consequências desagradáveis.  E teve, porque, ao contrário do que imaginam algumas pseudo-elites, o povo não é estúpido.

Com as transformações geopolíticas que vieram com o fim da Guerra Fria, as classes populares e parte das classes médias do Ocidente viram-se marginalizadas e penalizadas pelo “sistema”. Foi, também, o preço da melhoria de vida nas periferias asiáticas, mas, o que é certo, é que quem o pagou foi parte significativa dos cidadãos da América do Norte e da Europa ocidental. Era, por isso, natural que a mudança do panorama político do Ocidente viesse pela mão dos lesados, de “deploráveis” como os operários das fábricas de automóveis de Detroit e das siderurgias de Pittsburgh ou os trabalhadores comunistas franceses que, no início do século XXI, passavam do PCF para o Front National.

Os velhos liberais da mão invisível ou os marxistas de uma luta de classes determinadas pelo lugar na Produção não deviam ter estranhado o facto de a decadência da indústria e a desindustrialização terem mudado as convicções e o sentido de voto do povo.  Mas estranharam.   E estranham.

E alhearam-se.  Até porque, entretanto, os valores de Deus, de Nação, de Família, de Justiça Social tinham já sido abandonados numa derivaengolidos, à direita, pelo globalismo agnóstico, mundialista ou federalista europeu; e, à esquerda, pelas micro-causas, as micro-ofensas e as macro-inquisições diacrónicas e sincrónicas de minorias urbanas de género e espécie, apostadas em diluir no seu arco-íris planetário as lutas pela igualdade social, racial e sexual do anterior paradigma.

Mas, aparentemente, havia vazios deixados pelo fim de alguma prosperidade e estatuto, pelo declínio do cristianismo social e pela falência do “sonho comunista” que nem mesmo o mais inclusivo e frondoso dos arco-íris conseguia preencher. Assim, os “danados da terra” – que, juntamente com as classes médias empobrecidas, reagiam a uma “modernização dos costumes” imposta de cima, aos “novos direitos humanos” endossados pelos milionários do World Economic Forum, à imigração descontrolada e à corrupção que viam generalizar-se – passavam de “vítimas da fome”, a defender e a mobilizar, a “deploráveis”, a desdenhar e a cancelar.

Como sempre acontece em épocas de mudança radical e desorientação geral, perante o aparecimento de novas forças, as forças instaladas qualificavam como ressentidos ou enganados os que, descontentes com as alternativas disponíveis, migravam para novos movimentos políticos.

De resto, como o vazio ideológico acaba por ser preenchido, o aparecimento à esquerda e à direita de novos partidos e novos líderes não era de surpreender. À direita, onde apareceram com força, a par de algum ateísmo pós-moderno e populismo simplista comum ao das esquerdas mas de polo oposto, surgia um resgate e uma renovação de valores identitários e vitais; valores espirituais e temporais, éticos e políticos que tinham estado durante séculos em vigor na Europa, no Ocidente, e surgido noutros pontos do globo.

Para os combater e combater tudo isto, o sistema instaladoque à esquerda, ao centro e até ao centro direita não é já o sistema tradicional, mas uma versão esvaziada e contaminada pela retórica e pelo bullying ideológico das esquerdas mais extremasparece disposto a tudo. E cego às suas próprias derivas totalitárias e à disrupção que encerra a “legislação avançada” que levianamente encoraja ou permite, propõe-se empenhar as armas poderosas que tem na cultura, no ensino e na comunidade mediática numa cruzada contra uma “extrema-direita” que equipara aos totalitarismos fascistas e nazis ou aos autoritarismos ditatoriais do passado.

Ora uma das coisas que caracteriza estas novas direitas – populistas, populares, nacionais-conservadoras ou o que se lhes quiser chamar – é precisamente o facto de serem democráticas no acesso ao poder e no seu exercício, conquistando e mantendo o poder democraticamente e cedendo o lugar quando o perdem eleitoralmente – com mais ou menos ruído, mas cedendo.

Nestas circunstâncias, serão as linhas vermelhas que alguns pretendem aplicar-lhes, racionais, democráticas, desejáveis, ou sequer eficazes e respeitadoras da vontade do povo?

A SEXTA COLUNA    HISTÓRIA    CULTURA    ELEIÇÕES     POLÍTICA

COMENTÁRIOS (de 44):

Maria Soares: Brilhante!               Rui Lima: JNP rezo por si para que viva muitos anos para que todos  nós possamos continuar a ler   as suas crónicas, o senhor consegue nestas 4 linhas dizer tudo o que está a acontecer. Estes novos valores  da esquerda woke serão mais mortais para  o Ocidente que  todas as guerras da Ucrânia a Gaza … “ Assim, os “danados da terra” – que, juntamente com as classes médias empobrecidas, reagiam a uma “modernização dos costumes” imposta de cima, aos “novos direitos humanos” endossados pelos milionários do World Economic Forum, à imigração descontrolada e à corrupção que viam generalizar-se – passavam de “vítimas da fome”, a defender e a mobilizar, a “deploráveis”, a desdenhar e a cancelar.”               Manuel Lourenço: Tão óbvio que até dói. E a estupidez do “centro direita” tuga corrupta é tão estúpida que até confrange.                 Carlos Chaves: Muito obrigado Jaime Nogueira Pinto, estou sempre a aprender consigo! Transpondo para o caso português é ignóbil o papel da comunicação social na transformação do nosso panorama político! Ignora tudo o que acabou de escrever, e claramente põe-se de um dos lados, esse sim que luta para se manter no poder! Vai ser apenas uma questão de tempo para engolirem tudo o que de errado têm andado a fazer(-nos)!                   Jorge Carvalho > Carlos Ferreira: Está a referir-se às INVENTONAS pós eleitorais pós Trump e Bolsonaro montadas pela esquerda já no poder e pela sua Guarda Pretoriana da comunicação social que só beneficiaram na encenação os pseudo atacados e no Brasil permitiu ao Lula fazer uma purga a todas as instituições que não se vergam à sua cleptocracia? Não sejemos Anjinhos. Não sei se tem idade para ter assistido à nossa INVENTONA do 28 de Setembro seguida pelo seu justificativo 11 de Março que pôs o PCP no governo através de Vasco Gonçalves como 1.º ministro. Só papalvos podem papar com estas encenações históricas.            observador censurado: Excelente texto que descreve com mestria a realidade actual dos E.U.A e da Europa Ocidental. Quando sairam os resultados das últimas eleições nos E.U.A., nem queria acreditar no que estava a ver (sou ignorante nestas questões): Donald Trump ganhou nos Estados pobres dos E.U.A.; Joe Biden ganhou nos Estados ricos dos E.U.A. A bota não batia com a perdigota: Donald Trump, o representante dos pobres, a apanhar pancada da "esquerda" portuguesa? O mundo terá virado do avesso?                     Maria Soares: Brilhante!                 bento guerra: Entre nós, também o Montenegro marcou as suas "linhas vermelhas": votos no Chega não contam e só governará se ganhar as eleições. Parece que já andam a negociar o "patim" para ele e próximos                 Rosa Silvestre: Gostei especialmente deste período: "à esquerda, pelas micro-causas, as micro-ofensas e as macro-inquisições diacrónicas e sincrónicas de minorias urbanas de género e espécie, apostadas em diluir no seu arco-íris planetário as lutas pela igualdade social, racial e sexual do anterior paradigma."                   Rui Lima > Américo Silva: Acerta no seu comentário em cheio, não os deixam educar de várias maneiras, logo  programa  escolar nivelando tudo por baixo para acolher 20 nacionalidades diferentes na mesma turma , perseguido as escolas quem bem funcionam , pela teoria do género , pela violência nas escolas , professores esgotados batidos e mortos em escola desta Europa ….pelo domínio de uma cultura que só lê um livro que decora .                 Domingas Coutinho: As linhas vermelhas definem quem as traça e dão-lhe um certo carisma mas na prática não são uma boa política. Lá diz o povo “nunca digas nunca”.                    Américo Silva: Os deploráveis são os deserdados do capitalismo, não influenciam os governos, residem nas periferias incómodas, não podem pescar em águas poluídas, não podem explorar a terra, suportam as indústrias poluentes, aguentam a imigração, não têm acesso ao trabalho, não os deixam educar os filhos, não têm acesso à informação contraditória, nem à justiça, não estão confortáveis e querem mudança.                      Nokogiri  > Carlos Ferreira: A falta de informação ou a censura dos media "main stream", cada vez mais em vias de falência, provocam esse tipo de imagem sobre o que passou no Brasil e Bolsonaro e nos USA de Trump, não perceber o que fez o STE e o STF no Brasil contra Bolsonaro e favor de Lula ou do PT, ou o uso da justiça nos USA contra Trump, tanto pelo grupo Biden/Obama/Clinton do grupo dos democratas e as pseudo elites de Washington, mais um grupo de senadores republicanos, levam á situação de guerra civil de baixa intensidade e da invasão criminosa permitida por esta administração com um pseudo presidente Biden, uma pessoa sem condições mentais para o ser, sendo controlado por Obama e Clinton e os seus gangs.                        Maria Nunes: Excelente. Obrigada JNP.                 Nuno Alves: Resumo muito claro. Obrigado              vitor Manuel: Depois de saborear este magnífico texto o que poderei dizer, além de um grande obrigado?!                Rosa Silvestre > Domingas Coutinho: Uma das grandes mais-valias dos partidos de direita é precisamente obrigar a olhar para as necessidades e anseios dos esquecidos dos governos de esquerda e centro-esquerda há décadas no poder.                A.l. Sameiro: Excelente e actual!!!

 

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