Rui
Ramos, por esta reposição serena e justa dos factos em África, que
recebi por email. Que muitos a leiam, são os meus votos. Mas faltou referir, todavia, o esforço grandioso do homem - SALAZAR (António de Oliveira) - que tornou
possível o desenvolvimento dessas colónias durante 14 anos, em Portugal, com
o seu empenho de verdadeiro patriota, inteligente e sábio, que entendia das
cumplicidades cínicas dos povos instigadores desses movimentos descolonizadores
em proveito próprio e causadores, ao nível global, das tragédias e convulsões
sociais sem fim à vista que vão sacudindo o mundo. PERCEBER A HISTÓRIA: O ULTRAMAR COMO TRAGÉDIA Independência das colónias: que opções, no Estado
Novo? |
Fez-se a guerra, segundo
Salazar, para conservar os territórios ultramarinos como “parcelas da pátria”.
Mas outro governo teria de ter feito a guerra também, fossem quais fossem os
seus planos, desde que estes não passassem pela entrega imediata do ultramar
aos partidos revolucionários armados. Porque não se fez essa entrega logo
em 1961? Simplesmente porque o Estado Novo era uma ditadura anticomunista,
que não gostava dos independentistas por achar que eles eram comunistas? |
A ditadura do general Franco, apesar de tão anticomunista como a de
Salazar, não hesitou em 1956 em dar a entender que retiraria de todas as suas
possessões em África “logo que as circunstâncias absolutamente o exigissem”,
e assim o fez: renunciou ao protectorado em
Marrocos em 1956, deu independência à Guiné Equatorial em 1968, e em 1973
reconheceu à população do Sahara Ocidental o direito à auto-determinação.
Porquê? Obviamente porque eram possessões pouco importantes,
sem população espanhola (embora o protectorado de Marrocos tivesse custado
imenso esforço e baixas ao exército espanhol nos anos 1920). |
Pelo contrário, os franceses na Argélia, os ingleses na Índia, ou os
holandeses na Indonésia, onde os interesses
eram muito maiores, só cederam aos independentistas depois
de muitos anos, perante os custos de conter a insurreição. A França, a
Inglaterra e a Holanda eram democracias, governadas até pela esquerda, como a
França. Em 1956, ainda a Grã Bretanha mantinha três
“guerras coloniais”, em Chipre, na
Malásia e no Quénia. E,
no ano seguinte, a Grã-Bretanha e a França montaram uma invasão do Egipto
para defenderem os seus interesses no canal do Suez. |
A
França
combateu na Argélia durante oito anos, entre 1954 e 1962, devido ao milhão de
franceses que lá vivia há décadas, e que queria continuar a viver numa terra
francesa. Quando o general De Gaulle finalmente desistiu, quase provocou uma
guerra civil em França. |
Ora, os portugueses formavam, depois dos cidadãos brancos da
República da África do Sul e da Rodésia, o maior núcleo de povoamento europeu
na África a sul do Sahara: em 1960, havia 172 529 brancos em Angola e 97 300
em Moçambique. Essa
população continuou a crescer durante a década de 1960, chegando aos 335 000
em Angola e aos 200 mil em Moçambique. Angola
e Moçambique eram, desde a década de 1950, das regiões mais prósperas de
África. O governo que as quisesse abandonar
precisava de explicar, aos directamente interessados e aos seus parentes em
Portugal, porque é que ia confiar cerca de meio milhão de portugueses brancos
aos cuidados dos leitores de Frantz Fanon, e sacrificar Estados prósperos às
experiências revolucionárias que estavam a arruinar o resto da África. |
É bom descontar o mito de que a
guerra teria sido determinada por uma qualquer embriaguez “imperial” induzida
pela exibição, nas escolas, dos mapas do ultramar. As colónias de África, rebaptizadas
como ultramar em 1951, eram aquisições recentes. Até à década de 1930, tinham
sido sobretudo cenário de operações militares. Não haviam atraído população
branca, e sobretudo perderam bastante população negra, que emigrou para as
colónias europeias mais prósperas, como aconteceu no caso de Moçambique.
Depois da década de 1930, o
interesse comercial pelas colónias aumentou. Na década de 1950, começaram a
chegar os colonos brancos em grandes quantidades. Em 1960, já formavam uma
comunidade apreciável, com um nível de vida muito superior ao metropolitano. |
Mas este povoamento era demasiado recente e as províncias ainda não
estavam suficientemente desenvolvidas para formarem sociedades capazes de se
defenderem a si próprias, como a República da África do Sul. E precisariam de
se defender, porque a África de 1960 não era a América Latina de 1820, quando
a minoria dos colonos portugueses proclamou a independência do Brasil,
declarou-se brasileira e passou a governar as massas de índios e escravos
negros. Na
África ao sul do Saara, na segunda metade do século XX, as “independências
brancas” seriam difíceis e combatidas, como se viu no caso da Rodésia. |
Também não era possível aos portugueses fazerem “independências
negras” de fachada. Não havia, em 1960, uma classe média mestiça ou negra
suficientemente numerosa e aportuguesada a quem entregar o poder. Pior: a que
havia estava, em geral, conquistada para a causa revolucionária. Mesmo que
arranjasse alguns negros amigos, o governo português teria de acabar por os
defender contra os revolucionários, pelo menos inicialmente. |
Para além dos “colonos”, havia a maioria da população negra. Cada
território ultramarino português era um complicado caleidoscópio de dezenas
de grupos com as suas línguas, os seus costumes, as suas religiões. Os
partidos independentistas não se propunham respeitar esta diversidade. Eram
dominados por europeizados, que queriam fazer em África “nações”, como na
Europa e tendo até como línguas principais de comunicação as línguas
europeias. Para isso, propunham encetar uma
brusca transformação social. Era uma transformação que concebiam segundo
ideologias europeias, como o marxismo, e que contavam fazer a partir da
administração colonial montada pelos europeus, e com o apoio externo de
potências europeias, como a União Soviética. |
Era este, no fundo, o programa de partidos como o PAIGC na Guiné, o
MPLA em Angola ou a FRELIMO em Moçambique. De facto, faz todo o sentido ver
estes independentistas como a última vanguarda do colonialismo europeu em
África. Em meados da década de 1960, já era claro que este tipo de projectos
estava a gerar, por todo o continente, ditaduras de partido único e guerras
civis. Um governo português que abandonasse o ultramar teria de preparar-se
para suportar o eco dos massacres e das tiranias, como aliás aconteceu a
partir de 1976, quando as “vítimas da descolonização” vieram assombrar os
oficiais do MFA. |
Caso houvesse plena liberdade
de discussão pública em Portugal, como não havia sob o Estado Novo, teria
havido um grande debate, e certamente que os defensores da entrega teriam
feito ouvir a sua voz. Mas não é líquido que a opção do abandono imediato
tivesse sido a primeira a ser tomada. Aliás, nem mesmo em 1974, depois da
queda do Estado Novo, o foi. Não porque os portugueses estivessem a arder em
fervor imperialista, mas porque não havia soluções sem custos para o problema
ultramarino. A tragédia do ultramar é que nunca nenhum
governo pôde escolher entre o bom e o mau, mas sempre entre o mau e o pior.
Foi difícil e catastrófico retirar do ultramar em 1974? Sem dúvida. Mas não teria
sido fácil em 1961. Nem em 1955. E antes disso, quase ninguém pensara em
retirar. Nem mesmo o PCP e os demais anti-salazaristas . |
Na última edição do
programa E o Resto é História,conversei com o João Miguel Tavares sobre o Kinsey Report, o famoso estudo
coordenado em 1948 pelo sexólogo americano que seria um marco na história da
sexualidade. Ouça aqui o podcast. |
Rui Ramos é historiador, professor
universitário, co-autor do podcast E o Resto é História [ver o perfil completo]. |
sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023
Deus lhe pague
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