E desejo de marcar presença em grande, no
Mundo, e na História do Mundo. Só gostaria que o nome de Zelensky e do seu povo
extraordinário ainda soassem mais alto nessa História, do que o do sinistro
agressor.
O que é um ponto sem retorno da história: a invasão da
Ucrânia
O mundo depois da invasão russa mudou completamente, em
particular a sensação de risco de guerra que induz tanto o medo como a vontade
de resistir.
PÚBLICO, 25 de
Fevereiro de 2023, 6:17
A um ano da invasão russa da Ucrânia não há
maneira de fugir do tema, porque qualquer outra matéria é infinitamente menos
importante. A invasão é
um daqueles pontos sem retorno que na história do mundo marcam um antes e um
depois, e a partir do qual nada é semelhante. Precisamos de pensar diferente, e
agir de modo novo, até porque uma das características destes pontos sem retorno
é serem sempre uma surpresa.
Os eventos mais importantes da história
têm essa característica de não serem previsíveis, por muito que a
posteriori se reconstruam sequências de causas que parecem apontar para aí. Na
verdade, tanto podiam apontar no sentido do evento-surpresa como de muito
outros eventos que não aconteceram. A
razão desta surpresa é que há uma dimensão não-humana na história que vem da
complexidade do mundo e do nome que têm estes artigos de “ruído do mundo”.
Ninguém controla tudo, existe o acaso muito mais poderoso do que a necessidade
e a “seta do tempo” na história não é diferente da da física: a desordem
aumenta.
A invasão russa da Ucrânia vista a
posteriori parece ter algumas “razões”.
Os propagandistas pró-Putin repetem sempre essas razões com mais ou menos dolo. Uma
é de que a guerra começou em 2014, com o “golpe” da Praça Maidan. Mesmo que se admita toda a descrição dos
eventos que aparecem associados a esse “golpe”, só um, normalmente escamoteado
por esses propagandistas, pode ser considerado o início da guerra, a
anexação do território ucraniano da Crimeia,
a que o tenebroso “Ocidente” fez vista grossa. Tudo o resto, incluindo o conteúdo
anti-russo do “golpe”, está longe de justificar a invasão. A entrada da Ucrânia na NATO e na UE foi
sempre recusada pelo “Ocidente”, mesmo que agora se perceba que a “razão” por
que foi a Ucrânia invadida aplicava-se aos países bálticos, onde o sentimento
anti-russo é virulento, e onde existe um enclave russo, mas que têm sido defendidos
até agora por pertencerem à NATO.
A teorização mais ampla da invasão é uma
variante da tese geopolítica de Alesandr Dugin sobre a necessidade de
combater a unipolaridade resultante do fim da URSS, que implica a hegemonia de
valores que são intrinsecamente anti-russos, os do capitalismo, do liberalismo
político e traduzem o poder global americano. A Eurásia levantar-se-ia contra essa hegemonia com a ascensão de uma
nova versão da URSS, e da China, criando um mundo multipolar em contrapartida
da unipolaridade. As suas teses geopolíticas influenciam quer a
extrema-direita, quer os restos do movimento comunista.
Em Portugal, Dugin foi
editado muito antes da invasão, por uma pequena editora nacional-socialista – e
aqui o nome não é um anátema, é mesmo o que é –, e influencia muitos artigos do
Avante! e algumas publicações recentes, como o livro de Albano Nunes, um
dos raros dirigentes do PCP com enormes responsabilidades na área internacional
que ainda diz claramente que o derrube do capitalismo tem que ser feito “pela
força”. Os comunistas, de um modo geral, não citam Dugin directamente, mas
é evidente a sua influência geopolítica.
O “Ocidente” não tem as mãos
limpas em muitos conflitos, particularmente no conflito israelo-árabe e no
apoio político à Arábia Saudita, motivado pela necessidade de controlar as
fontes de energia, fizeram asneiras trágicas no Kosovo, na Líbia, no Iraque, no
Afeganistão, quase sempre com resultados inversos aos pretendidos (uma das
características da frase weberiana do “ruído do mundo”), e na guerra mundial
contra o terrorismo do ISIS, mas convém lembrar que o 11 de Setembro foi em
Nova Iorque e não em Moscovo. Mas à data da invasão da
Ucrânia o “Ocidente” estava em recuo, com a política errática de Trump e o seu
isolacionismo anti-NATO, e com a renitência dos aliados europeus em cumprir as
suas obrigações em despesas militares. Mais ainda: a opinião pública
principalmente na Europa desligara-se do apoio à NATO e estava pouco disposta
em gastar mais dinheiro na defesa.
Com a invasão, tudo mudou e
esse foi talvez o maior erro de Putin. A maioria dos europeus e não só, as
nações mais industrializadas do mundo, com excepção da China, conheceram um
significativo crescendo da legitimação da NATO e o seu efeito imediato foi o
apoio militar crescente à Ucrânia. A tudo isto acresce o apoio político: em
nenhuma circunstância Putin pode ganhar a guerra que iniciou. E é isso que
impede a “paz” russa e é a primeira grande consequência do ponto sem retorno da
invasão.
O mundo depois da invasão russa mudou completamente, em particular a
sensação de risco de guerra que induz tanto o medo como a vontade de resistir. Em Portugal, como em muitos outros
países, a condenação da invasão é quase unânime e não é fruto da propaganda
“ocidental” nem da desinformação. É isso, por exemplo, que num clima da
contestação social impede o PCP de recuperar o que perdeu, porque o apoio,
enviesado que seja, à invasão é um forte anátema junto da opinião pública,
mesmo para muitos militantes do PCP. Acresce que não há nenhuma fidelidade a
“princípios” que justifique a atitude ambígua face à invasão, e isto é um
eufemismo, a Rússia de Putin é uma versão autocrática e imperial,
eslavófila, e a ideia da Eurásia versus “Ocidente”
é muito parecida com a de “espaço vital” hitleriano. Ambas têm em comum uma afirmação de
valores entre o paganismo e a ortodoxia, contra a decadência do “Ocidente”,
dito de outras maneiras, contra as democracias. A correlação entre a democracia
e a decadência tem uma longa e sinistra história.
A
ideia da Eurásia versus “Ocidente” é muito parecida com a de “espaço vital”
hitleriano
A partir do momento em que isso tem uma expressão militar agressiva,
acabou a complacência. Não é uma guerra semelhante à Guerra Fria, é mesmo uma
guerra a sério que tem que ser ganha no plano convencional. Se passar daí, é o
Armagedão, mas isso também “eles” sabem.
O autor é colunista do PÚBLICO
Historiador
TÓPICOS: OPINIÃO
RÚSSIA
UCRÂNIA
GUERRA NA
UCRÂNIA VLADIMIR PUTIN NATO ALBANO NUNES
COMENTÁRIOS:
Paulo Leitao Experiente: A Crimeia não pertence à Ucrânia porque “o Krushev a
deu numa noite de bebedeira” como os trolls russos por aí dizem. A Crimeia
pertence à Ucrânia porque os seus habitantes assim o decidiram em votação livre
com resultados reconhecidos e aceites pela ONU, pela Rússia e pela União
Soviética.
DNG. Moderador: O artigo é conclusivamente pirómano e até
inadvertido, não só a montante quanto às causas como, também, a jusante quanto
ao perigo das consequências. Ainda bem que o autor se representa a si
próprio por oposição a outros que, ao lado dos ucranianos, da sua coragem, da
sua resistência e heroísmo procuram incessantemente uma solução equilibrada
para este conflito. Paulo Leitao Experiente: DNG, o problema é que a “solução equilibrada para este
conflito” é o respeito do direito internacional o que implica a retirada russa
de todo o território, incluindo a Crimeia e a compensação pelos estragos
acusados. Sem isso, o Mundo será uma selva. DNG. Moderador: O problema tem
antecedentes... Paulo Leitao Experiente: Pois tem DNG, tem o antecedente de a Rússia
ser há séculos um império que esmaga todas as nações à sua volta… Daguestão,
Chechenia, Geórgia, Moldávia, etc.. todas sugadas até à exaustão para as elites
russas de Moscovo e S. Petersburgo viverem à grande. Fun.eduardoferreira.883473 Influente: Tem sem dúvida antecedentes tal como o Imperialismo
do III Reich Alemão teve antecedentes no Tratado de Versailles. No entanto
e no momento em que a Rússia invade a Ucrânia tal como a Alemanha Nazi invadiu
a Polónia e depois ocupou a França levando pela frente a Bélgica, não há outra
solução senão parar essa invasão e infelizmente não parece haver
alternativas à derrota militar da Rússia como fora em tempos a derrota militar
da Alemanha Nazi. A razão do “Espaço Vital” foi válido para a Alemanha Nazi
tal como é hoje para a Alemanha. Mais: esta invasão só conseguiu criar uma
consciência nacional ucraniana que não era tão sólida antes da invasão. Hoje em
dia os próprios Ucranianos Russófonos odeiam a Rússia. Falo com conhecimento
profundo de ambos os países. Há linhas vermelhas…………………..
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