terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Prepotência desmesurada


E desejo de marcar presença em grande, no Mundo, e na História do Mundo. Só gostaria que o nome de Zelensky e do seu povo extraordinário ainda soassem mais alto nessa História, do que o do sinistro agressor.

O que é um ponto sem retorno da história: a invasão da Ucrânia

O mundo depois da invasão russa mudou completamente, em particular a sensação de risco de guerra que induz tanto o medo como a vontade de resistir.

JOSÉ PACHECO PEREIRA

PÚBLICO, 25 de Fevereiro de 2023, 6:17

A um ano da invasão russa da Ucrânia não há maneira de fugir do tema, porque qualquer outra matéria é infinitamente menos importante. A invasão é um daqueles pontos sem retorno que na história do mundo marcam um antes e um depois, e a partir do qual nada é semelhante. Precisamos de pensar diferente, e agir de modo novo, até porque uma das características destes pontos sem retorno é serem sempre uma surpresa.

Os eventos mais importantes da história têm essa característica de não serem previsíveis, por muito que a posteriori se reconstruam sequências de causas que parecem apontar para aí. Na verdade, tanto podiam apontar no sentido do evento-surpresa como de muito outros eventos que não aconteceram. A razão desta surpresa é que há uma dimensão não-humana na história que vem da complexidade do mundo e do nome que têm estes artigos de “ruído do mundo”. Ninguém controla tudo, existe o acaso muito mais poderoso do que a necessidade e a “seta do tempo” na história não é diferente da da física: a desordem aumenta.

A invasão russa da Ucrânia vista a posteriori parece ter algumas “razões”. Os propagandistas pró-Putin repetem sempre essas razões com mais ou menos dolo. Uma é de que a guerra começou em 2014, com o “golpe” da Praça Maidan. Mesmo que se admita toda a descrição dos eventos que aparecem associados a esse “golpe”, só um, normalmente escamoteado por esses propagandistas, pode ser considerado o início da guerra, a anexação do território ucraniano da Crimeia, a que o tenebroso “Ocidente” fez vista grossa. Tudo o resto, incluindo o conteúdo anti-russo do “golpe”, está longe de justificar a invasão. A entrada da Ucrânia na NATO e na UE foi sempre recusada pelo “Ocidente”, mesmo que agora se perceba que a “razão” por que foi a Ucrânia invadida aplicava-se aos países bálticos, onde o sentimento anti-russo é virulento, e onde existe um enclave russo, mas que têm sido defendidos até agora por pertencerem à NATO.

A teorização mais ampla da invasão é uma variante da tese geopolítica de Alesandr Dugin sobre a necessidade de combater a unipolaridade resultante do fim da URSS, que implica a hegemonia de valores que são intrinsecamente anti-russos, os do capitalismo, do liberalismo político e traduzem o poder global americano. A Eurásia levantar-se-ia contra essa hegemonia com a ascensão de uma nova versão da URSS, e da China, criando um mundo multipolar em contrapartida da unipolaridade. As suas teses geopolíticas influenciam quer a extrema-direita, quer os restos do movimento comunista.

Em Portugal, Dugin foi editado muito antes da invasão, por uma pequena editora nacional-socialista – e aqui o nome não é um anátema, é mesmo o que é –, e influencia muitos artigos do Avante! e algumas publicações recentes, como o livro de Albano Nunes, um dos raros dirigentes do PCP com enormes responsabilidades na área internacional que ainda diz claramente que o derrube do capitalismo tem que ser feito “pela força”. Os comunistas, de um modo geral, não citam Dugin directamente, mas é evidente a sua influência geopolítica.

O “Ocidente” não tem as mãos limpas em muitos conflitos, particularmente no conflito israelo-árabe e no apoio político à Arábia Saudita, motivado pela necessidade de controlar as fontes de energia, fizeram asneiras trágicas no Kosovo, na Líbia, no Iraque, no Afeganistão, quase sempre com resultados inversos aos pretendidos (uma das características da frase weberiana do “ruído do mundo”), e na guerra mundial contra o terrorismo do ISIS, mas convém lembrar que o 11 de Setembro foi em Nova Iorque e não em Moscovo. Mas à data da invasão da Ucrânia o “Ocidente” estava em recuo, com a política errática de Trump e o seu isolacionismo anti-NATO, e com a renitência dos aliados europeus em cumprir as suas obrigações em despesas militares. Mais ainda: a opinião pública principalmente na Europa desligara-se do apoio à NATO e estava pouco disposta em gastar mais dinheiro na defesa.

Com a invasão, tudo mudou e esse foi talvez o maior erro de Putin. A maioria dos europeus e não só, as nações mais industrializadas do mundo, com excepção da China, conheceram um significativo crescendo da legitimação da NATO e o seu efeito imediato foi o apoio militar crescente à Ucrânia. A tudo isto acresce o apoio político: em nenhuma circunstância Putin pode ganhar a guerra que iniciou. E é isso que impede a “paz” russa e é a primeira grande consequência do ponto sem retorno da invasão.

O mundo depois da invasão russa mudou completamente, em particular a sensação de risco de guerra que induz tanto o medo como a vontade de resistir. Em Portugal, como em muitos outros países, a condenação da invasão é quase unânime e não é fruto da propaganda “ocidental” nem da desinformação. É isso, por exemplo, que num clima da contestação social impede o PCP de recuperar o que perdeu, porque o apoio, enviesado que seja, à invasão é um forte anátema junto da opinião pública, mesmo para muitos militantes do PCP. Acresce que não há nenhuma fidelidade a “princípios” que justifique a atitude ambígua face à invasão, e isto é um eufemismo, a Rússia de Putin é uma versão autocrática e imperial, eslavófila, e a ideia da Eurásia versus “Ocidente” é muito parecida com a de “espaço vital” hitleriano. Ambas têm em comum uma afirmação de valores entre o paganismo e a ortodoxia, contra a decadência do “Ocidente”, dito de outras maneiras, contra as democracias. A correlação entre a democracia e a decadência tem uma longa e sinistra história.

A ideia da Eurásia versus “Ocidente” é muito parecida com a de “espaço vital” hitleriano

A partir do momento em que isso tem uma expressão militar agressiva, acabou a complacência. Não é uma guerra semelhante à Guerra Fria, é mesmo uma guerra a sério que tem que ser ganha no plano convencional. Se passar daí, é o Armagedão, mas isso também “eles” sabem.

O autor é colunista do PÚBLICO

Historiador

TÓPICOS: OPINIÃO    RÚSSIA   UCRÂNIA   GUERRA NA UCRÂNIA   VLADIMIR PUTIN   NATO   ALBANO NUNES

COMENTÁRIOS:

Paulo Leitao Experiente: A Crimeia não pertence à Ucrânia porque “o Krushev a deu numa noite de bebedeira” como os trolls russos por aí dizem. A Crimeia pertence à Ucrânia porque os seus habitantes assim o decidiram em votação livre com resultados reconhecidos e aceites pela ONU, pela Rússia e pela União Soviética.

DNG.  Moderador: O artigo é conclusivamente pirómano e até inadvertido, não só a montante quanto às causas como, também, a jusante quanto ao perigo das consequências. Ainda bem que o autor se representa a si próprio por oposição a outros que, ao lado dos ucranianos, da sua coragem, da sua resistência e heroísmo procuram incessantemente uma solução equilibrada para este conflito.                  Paulo Leitao Experiente: DNG, o problema é que a “solução equilibrada para este conflito” é o respeito do direito internacional o que implica a retirada russa de todo o território, incluindo a Crimeia e a compensação pelos estragos acusados. Sem isso, o Mundo será uma selva.  DNG.  Moderador: O problema tem antecedentes... Paulo Leitao Experiente: Pois tem DNG, tem o antecedente de a Rússia ser há séculos um império que esmaga todas as nações à sua volta… Daguestão, Chechenia, Geórgia, Moldávia, etc.. todas sugadas até à exaustão para as elites russas de Moscovo e S. Petersburgo viverem à grande. Fun.eduardoferreira.883473  Influente: Tem sem dúvida antecedentes tal como o Imperialismo do III Reich Alemão teve antecedentes no Tratado de Versailles. No entanto e no momento em que a Rússia invade a Ucrânia tal como a Alemanha Nazi invadiu a Polónia e depois ocupou a França levando pela frente a Bélgica, não há outra solução senão parar essa invasão e infelizmente não parece haver alternativas à derrota militar da Rússia como fora em tempos a derrota militar da Alemanha Nazi. A razão do “Espaço Vital” foi válido para a Alemanha Nazi tal como é hoje para a Alemanha. Mais: esta invasão só conseguiu criar uma consciência nacional ucraniana que não era tão sólida antes da invasão. Hoje em dia os próprios Ucranianos Russófonos odeiam a Rússia. Falo com conhecimento profundo de ambos os países. Há linhas vermelhas…………………..

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