sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

Exactidão de conceito


Revela esta crónica de Rui Ramos – um pensamento que também nos acode, com este protelar de decisões na questão do auxílio à Ucrânia contra a sanha de um criminoso de tal gabarito. que troça do mundo inteiro, incluindo os seus próprios compatriotas que o seu cinismo finge respeitar em falso amor pátrio, revelado nas suas riquezas e grandeza pessoais e manipulação imperial das suas gentes, o que parece não incomodar sequer os russos. Sim, vive-se com a guerra, já no tempo do Hitler se vivia, menos informado, todavia, que se era. Mas a sanha então revelou-se mais contra os judeus, não se destruíam cidades inteiras, como hoje, ainda que fossem ocupadas, a barbárie era mais sofisticada, embora não menos tenebrosa…

O pensamento mais perigoso: afinal vive-se com a guerra

A opção dos governos ocidentais na Ucrânia parece ser a de tornar a guerra numa doença crónica, à espera de ver o que acontece. Pode ser um grande erro.

RUI RAMOS, Colunista do Observador

OBSERVADOR, 03 fev. 2023, 00:22

No dia em que escrevo, a maior parte da imprensa europeia não tem chamadas de primeira página para a guerra de agressão russa na Ucrânia. Os jornais que lhe fazem referência na capa, fazem-no em pequenos quadrados, em lugar secundário. E não era porque não tivesse acontecido nada: nas páginas interiores, havia notícias de mais bombardeamentos, e de uma viagem da presidente da Comissão Europeia a Kiev. Mas em França, as manchetes falavam da reforma das pensões, em Espanha, das relações com Marrocos, e em Portugal, do palco da JMJ. Se um dia os nossos netos nos perguntarem o que nos inquietava quando uma parte da Europa estava a ser devastada pela guerra, teremos de responder: um palco em Lisboa.

Eu próprio, nestas colunas semanais, não escrevo sobre o tema há quatro meses. E no entanto, a invasão russa da Ucrânia é a maior guerra na Europa desde o fim da II Guerra Mundial, sem esquecer as guerras de partilha da Jugoslávia na década de 1990. Há um ano, quando Putin concentrou tropas à volta da Ucrânia, ninguém acreditou que uma guerra seria possível. E quando começou, ninguém teria acreditado que um ano depois a guerra, ainda em curso, pudesse alguma vez passar para a segunda linha da actualidade noticiosa.

O nosso mundo, afinal, não acabou. Nada, do que nos disseram que ia acontecer, aconteceu. A Ucrânia não se desmanchou imediatamente sob a agressão russa. As sanções económicas ocidentais não destruíram a ditadura de Putin. Os cortes de fornecimento de gás russo não fazem tremer a Europa ocidental. Os refugiados foram absorvidos, a inflação está a descer. A guerra é na Europa, mas por vezes parece decorrer numa daquelas paragens remotas onde os conflitos militares são endémicos. Anos de ausência de conflito em terra europeia quase nos fizeram acreditar que uma guerra tão perto de casa, para não dizer dentro de casa, e envolvendo quase todas as grandes potências, directa ou indirectamente, seria insuportável. Mas afinal, não. Afinal, vive-se bem a guerra.

E esse é talvez o pensamento mais perigoso. No caso dos governos ocidentais, está a dar-lhes margem para hesitar e deixar andar, como se constata pelo modo como limitam e demoram o armamento da Ucrânia. Parecem não querer que Zelensky perca a guerra, mas também não parecem muito empenhados em que a ganhe. Quando se fala de uma vitória ucraniana, nunca falta quem venha alarmar-se com uma resposta nuclear de Putin, ou até, no caso de a sua ditadura cair, com a “anarquia” na Rússia. A opção, depois de tantos cálculos e divergências, parece portanto ser a de tornar a guerra numa doença crónica, à espera de ver o que acontece. É, no fundo, a velha tentação ocidental da “drôle de guerre” de 1939, quando os Aliados apostaram nas sanções económicas para, sem combater, derrubarem a ditadura de Hitler.

Pode ser um grande erro. Primeiro, porque fará a guerra durar, e enquanto a guerra durar, há um país na Europa, a Ucrânia, que está a ser gradualmente destruído, e onde morrem militares e civis todos os dias. Segundo, porque não sabemos o que resultará do arrastamento da guerra. Os governos ocidentais acreditam que a falta de sucesso minará o poder de Putin. Putin, pelo seu lado, julga que a sua ditadura aguentará melhor a continuação da guerra do que as democracias ocidentais, onde um dia espera ouvir muita gente a duvidar das vantagens de um indefinido apoio à Ucrânia. Não sabemos, de facto, a quem beneficiará uma guerra sem fim. É por isso que aos governos ocidentais conviria admitir a possibilidade de proporcionarem à Ucrânia os meios para uma guerra curta e decisiva. Não, não se vive bem com uma guerra.

GUERRA NA UCRÂNIA  UCRÂNIA  EUROPA  MUNDO

COMENTÁRIOS:

Maria Tejo: Putin aposta no cansaço do apoio ocidental à Ucrânia, e parece que tem razão. Os líderes ocidentais têm mais com que se preocupar: as eleições próprias; fingir que querem combater Putin e a selvajaria russa; fingir que os Ucranianos estão a ser chacinados em causa própria; em suma, que esta guerra verdadeiramente não nos diz respeito! Erro crasso, como bem o demonstrou Hitler há cerca de cem anos. Espero bem, que os anos 30/40 não venham a oferecer-nos uma Europa destruída de novo e a apanhar cacos pela cobardia e cegueira dos actuais líderes.                Manuel Lourinho: "É por isso que aos governos ocidentais conviria admitir a possibilidade de proporcionarem à Ucrânia os meios para uma guerra curta e decisiva." Convinha explicitar esta frase ( Enviar militares para combater?)              Fernando Cascais: Não se deve picar a onça com vara curta. Armar a Ucrânia até à ponta dos cabelos, incluindo os F-16, pode espoletar uma reacção russa perigosa e indesejável para a Europa e o mundo em geral. Num épico combate de boxe entre Ali e Foreman na República Democrática do Congo, o invencível Foreman da altura acaba por ir ao tapete ao fim de vários assaltos completamente esgotado de tanto murro que deu. Se Ali tivesse optado por vencer Foreman ao ataque não teria durado dois assaltos. Zelensky tem que ser Ali neste combate com Putin, que, como Foreman mais assalto menos assalto acabará por cair. Não seria a primeira vez. No Afeganistão a Rússia acabou por perder e na Ucrânia com paciência a Rússia também pode perder novamente.               Andrade QB: Muito bem.

 

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