Os canhões, ao que parece, a crónica de TS sendo já do mês passado. É
de ideias equilibradas, como sempre, a merecer adesão, embora não total,
segundo o lema das cabeças e respectivas sentenças, para além de que vivemos
numa democracia plena de valores e de possibilidades de os pormos a nu.
O que quer a Alemanha?
Berlim tem uma alternativa: liderar a
Europa, pagando o custo que essa liderança comporta.
PÚBLICO. 22 de Janeiro de 2023, 7:15
1. Contrariando quase todas as expectativas, Berlim voltou a mostrar
que está muito longe ainda de ser capaz de liderar a Europa. Ou, pelo menos, de a liderar quando isso
representa um custo. Muitos observadores anteciparam que a Alemanha
acabaria por aceitar o envio de tanques Leopard 2 para a Ucrânia,
durante o encontro que decorreu na sexta-feira, em Ramstein, do Grupo de Contacto para a Defesa
da Ucrânia. Ou que, pelo menos, levantaria o veto sobre os tanques
alemães adquiridos por outros aliados europeus, que estão dispostos a
enviá-los. Não foi assim.
O novo ministro da Defesa alemão, que Olaf Scholz foi buscar ao
governo do Land da Baixa-Saxónia, provavelmente mais por razões de confiança
pessoal do que por qualquer experiência em assuntos de defesa, repetiu a
posição do chanceler: não irão tanques alemães para a Ucrânia, nem haverá a
autorização para que os 12 países europeus possam enviá-los. Pelo
menos, para já. Segundo o
ministro, a Alemanha “ainda tem de pesar os ‘prós’ e os ‘contras’ da sua
decisão”. Existem cerca de dois mil Leopards entre os aliados europeus. Os
países que dispõem deles querem enviá-los já, porque percebem que são
essenciais para que a Ucrânia possa conter a ofensiva que a Rússia está a
preparar para a Primavera. Quase todos os países europeus estão a preparar
novos pacotes de apoio militar para a Ucrânia. Da Finlândia a Portugal.
2. Já não chegam as velhas justificações sobre os
traumas alemães decorrentes das duas guerras mundiais. A guerra
na Ucrânia é contra o regime que hoje mais se assemelha ao regime nazi, como
lembrava Timothy Garton Ash no Guardian – a invasão de um país soberano sem
qualquer justificação; a brutalidade das suas tropas; a barbárie que espalha
todos os dias entre a população civil. A
Ucrânia confronta uma potência autocrática e imperial que se acha com o direito
de dominar os países vizinhos, se necessário pela guerra, quando estes têm a
veleidade de não aceitar pertencer à sua “esfera de influência”. Que viola a
lei internacional e a Carta das Nações Unidas. Que ameaça directamente a
segurança europeia, caso não seja travada. Olaf Scholz tem de saber tudo isto.
Dois dias depois da invasão, foi ao Bundestag declarar que a Europa e o mundo
estavam perante um “Zeitenwende” – um momento de viragem –, a partir do qual
nada voltaria a ser igual. Prometeu duplicar o orçamento de defesa alemão.
A
cultura política e estratégica alemã pode ajudar a compreender a sua
relutância. A Alemanha passou as últimas décadas a desfazer a herança de Hitler. Esteve, com a França, no centro da integração
europeia, antes e depois da reunificação. Escolheu afirmar o seu
poder através da força da sua economia, porque pôde sempre contar com os EUA
para garantirem a sua defesa. Renasceu, na última década do século passado,
como a potência central do continente, rodeada de pequenas e médias democracias
por todos os lados. Não hesitou em exercer o seu poder na União Europeia, onde
nada se pode fazer contra a sua vontade.
Esse tempo de paz e de prosperidade
acabou. A questão passou a ser outra: se
a Alemanha está em condições de liderar a Europa num tempo de guerra e de instabilidade. Isto significa pagar um preço. Os Estados
Unidos pagam um preço elevado pela liderança do mundo livre e pela
responsabilidade que detêm na segurança e na estabilidade internacionais.
Político, diplomático, militar. A
Europa não teve de pagar esse preço graças à aliança transatlântica. A Alemanha
foi uma das suas grandes beneficiárias e, certamente, o país que mais ganhou
com a integração europeia. Política e economicamente. Teria agora o dever de
retribuir.
3. Haverá,
talvez, outras razões que podem ter que ver com o que Berlim espera que seja o
desfecho desta guerra. Para os seus parceiros e aliados europeus, esse desfecho
tem de ser a derrota da Rússia. Será exactamente a mesma coisa para Berlim? O
SPD do chanceler, que esteve no Governo de “grande coligação” liderado por
Angela Merkel em três dos seus quatro mandatos, defendeu sempre uma política de
aproximação a Moscovo, apesar do regime cada vez mais autocrático de Putin,
apesar da Geórgia, em 2008, apesar da anexação da Crimeia, em 2014. Os
interesses económicos das empresas alemãs na Rússia eram grandes, a energia
barata uma vantagem competitiva, as boas relações de vários dos seus dirigentes
com o Kremlin conhecidas. Convém lembrar que os dois parceiros de coligação do
SPD – os Verdes e o FDP – estão a favor do envio dos Leopards e defendem uma
posição de total apoio à Ucrânia. Os jovens liberais manifestam-se nas ruas com
cartazes a dizer “Free Leopard”. É, portanto, uma questão do SPD e não da
coligação.
Sholz teme um confronto com a NATO? Também não é justificação. As
tropas russas não conseguem vencer a Ucrânia. Imagine-se o que seria a aventura
de um confronto com a NATO.
Alguns analistas invocam razões materiais e técnicas para a relutância
alemã em relação aos Leopards. Dos 300
tanques de que dispõe, muitos estão avariados (o que é comum, dado o estado em
que se encontra a Bundeswehr, depois de anos e anos sem o necessário
investimento). A Alemanha precisaria de preservar os que estão operacionais em
caso de ter de se defender de uma escalada do conflito. Na verdade, estes
argumentos caem pela base, quando se trata de deixar que outros países enviem
os seus próprios tanques para a Ucrânia e, muito mais ainda, quando se trata da
defesa alemã, garantida pela NATO.
A
derradeira justificação do chanceler e do seu ministro da Defesa foi
a exigência de uma decisão conjunta com os aliados, que, nos cálculos de
Scholz, se reduzem a um só: os Estados Unidos. Sem
Abrams não haverá Leopards. É um falso
pretexto por várias razões, a primeira das quais é de ordem técnica e já foi
sobejamente explicada. A outra resume-se a uma pergunta: porquê os tanques
americanos, se esta guerra se trava na Europa, é uma ameaça directa à União
Europeia, os europeus dispõem de dois mil Leopards, para além de outros
modelos, e Zelensky apenas pede 300? Em Ramstein, o secretário da Defesa
americano, Loyd Austin, mostrou-se publicamente compreensivo com as hesitações
de Berlim. Foi quase paternalista, como se estivesse a lidar com um filho
pródigo, relutante em regressar a casa. Mas a paciência americana pode não
ser eterna. Até porque Berlim “exige” a Washington que mande os seus tanques
defender a Ucrânia e, ao mesmo tempo, não abdica da sua “independência” para
negociar livremente com a China.
4. Sabemos
que, durante os anos de Merkel, a política externa alemã foi norteada por uma
visão geoeconómica do mundo: os negócios e a interdependência económica eram a
melhor garantia de estabilidade e de paz. Em relação a Moscovo, eram, mesmo, a
melhor forma de moderar os instintos belicistas de Putin e de fazer da Rússia
um parceiro fiável da União Europeia. Os países de Leste foram sistematicamente
– e, por vezes, rudemente – ignorados, quando avisavam para o perigo de
apaziguar Putin. Nem as aventuras belicistas na Geórgia e na Ucrânia, nem os
crimes cometidos na Síria, nem a guerra “híbrida” de Putin através da
desinformação e do financiamento de forças políticas nacionalistas e populistas
nas democracias europeias fizeram soar campainhas suficientemente audíveis para
levar Berlim a rever a sua política.
Mas,
hoje, a Alemanha já não pode ter qualquer dúvida sobre a natureza do regime de
Putin. Hoje, já vários responsáveis políticos alemães (que não Merkel)
reconheceram publicamente que se enganaram. Até por isso, o seu apoio à
Ucrânia, que paga com sangue esses erros, devia ser total. Aparentemente, no
entanto, todas estas lições não chegam para a levar a agir com a
responsabilidade que esta guerra exige.
Fica a questão: qual é o resultado do
conflito que a Alemanha pretende? O que quer para o futuro da União Europeia?
Como olha para o mundo que está a emergir deste conflito? O que espera dos seus
parceiros e até que ponto está disponível para levar os seus interesses em
consideração? O que quer da aliança transatlântica? Como vê o seu papel no
mundo? Sem a presença do Reino Unido, e apesar da França, estas perguntas
tornam-se ainda mais cruciais.
A Alemanha pode arrastar a União
Europeia para uma posição geopolítica insustentável para a maioria dos seus
parceiros. Ou pode dividi-la. Qualquer das alternativas poria termo à
integração europeia tal como a conhecemos. A forma como Berlim ignora a vontade
dos seus parceiros europeus no que respeita ao envio de Leopards é, certamente,
um mau presságio. Berlim tem outra alternativa: liderar a Europa, pagando o
custo que essa liderança comporta, pequeno se tivermos em conta os enormes
ganhos que lhe pode trazer.
COMENTÁRIOS (de 85):
FMM Experiente:@Tô
Flores. Meu caro, a Rússia tem milhares de armas nucleares, suficientes para
destruir toda a Europa. Sabemos isso e sabemos que a sua utilização em massa
seria catastrófica para o mundo inteiro. Seria a aniquilação total da
Humanidade. Também sabemos que a Rússia irá sempre ameaçar qualquer potência
que, para se defender, tenha que atacar a própria Rússia. Infelizmente assim é
e será. Deus nos livre disso. Mas, depois de a Rússia invadir a Geórgia e a
Crimeia e agora a própria Ucrânia, verificamos a sua tentativa de perigosa
expansão para o resto da Europa. Nunca ficaremos descansados, enquanto não detivermos
esta potência beligerante. O risco é grande mas só há um caminho: derrotá-los e
ao seu imperialismo, tal como o fizemos com a Alemanha nazi. PAULO CARVALHO FREIRE Experiente: To Flores, mesmo que a Rússia
ganhe na Ucrânia, continuará a ter armas nucleares, e a ameaçar com elas o próximo
que se opuser às suas invasões: Geórgia, Moldova, Estados Bálticos, Polónia,
etc. Se a táctica de meter medo resulta agora, mais os inventiva a continuar,
pois pode continuar a resultar. Portanto, ceder na Ucrânia não resolve nada, o
problema continua sempre. Moderador: Concordo com a opinião da
Teresa de Sousa. Não sabemos muito bem o que vai na cabeça dos alemães. É por
estas e por outras que eu nunca gostei, nem gosto desse país. Também ainda não
esqueci aquele ministro da finanças que nos fez a vida negra. O que quer a
Alemanha, não sabemos, são muito opacos e muito pouco confiáveis. Tenho imensa
pena da saída do Reino Unido da UE, que poderia estar agora, cá dentro, a
liderar esta questão. Mesmo assim têm sido exemplares. Voltem rápido para a UE,
que bem precisam de nós, mas nós, restantes europeus também bem precisamos
deles, para garantir um certo equilíbrio na UE. Quanto aos alemães acho que
vão acabar de ceder nesta questão, mas entretanto vão causando divisões
desnecessárias. Está-lhes no sangue. Jonas Almeida Experiente: A maioria dos Alemães não quer acender a WW3 com os L2, ou a maioria dos
americanos não quer ser polícia do mundo com a NATO, deixa aqui os valentes da
grimpa em acusações de nazismo. Nem TdS resiste ao espasmo. É destes estertores
que se alimenta hoje o que resta do "europeísmo", agora em edição
belicista. Democrata21 Influente : Faltou invocar, o risco de uso
nuclear pela Rússia. Parece-me absolutamente utópico, pensar que a Rússia
alguma vez se disponha a sair de mãos a abanar desta guerra, é ainda cedo, mas
creio que as negociações terão de considerar a perda da Crimeia, a menos que
queiramos assumir o risco de um conflito nuclear mundial. Foi a Europa, não só
a Alemanha que criou condições a Putin, colhemos o que semeámos……………
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