Daí o exotismo –maquiavélico ou de sujeição acomodada – das
pretensas ideologias, salvo as vozes da excepção e da orientação serena e
sapiente, como a de JNP e do Jornal que lhes dá apoio. Também o Chega, como partido intemerato - demasiado imodesto, contudo, a raiar o
descontrolo linguístico, para uma adesão
plena dos possíveis adeptos.
Um combate desigual
Portugal continua a ser um país
ideologicamente exótico onde o combate político é desigual e os media negam ou
ignoram tudo o que incomode o quadro mental instituído.
JAIME NOGUEIRA
PINTO
OBSERVADOR, 04
fev. 2023, 00:2030
As
sondagens mostram um recuo do Partido Socialista e dos comunistas e
bloquistas e uma correspondente subida dos partidos do centro, centro direita e
direita que, pela primeira vez de há muito tempo para cá, teriam a maioria
dos votos.
Todos
sabemos que as sondagens são o que são e que Portugal é o que é, mas a
tendência corresponde ao panorama geral europeu, onde há vários anos as
famílias da Direita – as direitas conservadoras e as direitas populares ou
populistas – têm vindo a progredir à custa do centro.
As
razões deste novo exotismo português são conhecidas: o país foi
objecto de uma OPA (Operação Pública de Aquisição) ideológica, começada nos
anos finais do Estado Novo, quando a Esquerda, no vazio intelectual do anterior
regime, tomou conta das mentalidades – através da edição, das páginas
literárias, das revistas de cultura, do ensino da História e das Humanidades –
e foi fazendo do seu credo a ideologia dominante. E fê-lo nas versões duras – a do
marxismo-leninismo estalinista do PCP e a do maoismo radical da nova esquerda –
e na versão soft – a da democracia progressista saudosista da Primeira
República, o chamado Reviralho. O
ambiente internacional era então contrário ao “exotismo português” e a vontade
de evitar a mobilização para a guerra de África tornava a contestação ao Regime
popular entre os universitários, à semelhança do que acontecera na América, com
a guerra do Vietname.
Da esquerda unida antifascista
Estas famílias oposicionistas da
Esquerda (havia uma incipiente oposição nacionalista e justicialista, crítica
do Regime, mas defensora da unidade nacional) estavam unidas em 1974, quando a
questão do QEO (Quadro Especial dos Oficiais) e a perturbação que introduzia
nas Listas de Antiguidade, despertaram o
MFA e o movimento dos capitães.
A
nova classe política estava de acordo quanto à descolonização imediata e quanto às bandeiras
anti-fascistas. O
“fascismo” era aqui o nacional-conservadorismo autoritário de Salazar, um
regime que estava moldado pelo seu fundador e não lhe podia sobreviver.
Neste
fim da guerra e do regime estava de acordo toda a Esquerda, desde os
sobreviventes da ala liberal do marcelismo aos estalinistas do Partido
Comunista Português e aos maoistas e trotskistas.
Perante os delírios esquerdistas,
quer os liberais do marcelismo, quer os republicanos da velha oposição
democrática (que tinham fundado o PS na Alemanha em 73) apareciam como a
hipótese possível de alguma moderação e equilíbrio. Com a direita eliminada,
depois do 28 de Setembro e do 11 de Março, apresentou-se-lhes a oportunidade, a
eles e ao CDS – que reivindicava o centro e se pretendia uma democracia cristã
à portuguesa –, de se unirem para sobreviverem.
Isto
funcionou depois da contenção do PREC graças às bases populares católicas e aos
Comandos que, no dia 25 de Novembro de 1975, pararam a maré vermelha. Mas os
resistentes no terreno não tinham voz política partidária e foi o
Centrão – PS-PSD – e o Grupo dos Nove que recolheram os louros da vitória.
Vencedor, o Centrão ficou como estava: uma ideologia mais ou menos
oca e simpática, anti-fascista e anti-comunista, revendo-se nuns parágrafos de
vago e panglossiano humanismo. As generalidades e banalidades proclamadas, à
força de servirem para tudo no seu apoliticismo, foram cobrindo e alimentando
um regime que, há quase meio século, vem empobrecendo o país, arrastando-o
definitivamente para “a cauda” da Europa, para a decadência e para a
dependência.
A vaga europeia das direitas
Não se sabe se a História nos vai agarrar pela garganta ou encostar-nos
ao abismo, como dizia Spengler, mas a
verdade é que, mesmo sem semelhantes apocalipses, o regime já excedeu o tempo
de vida do seu predecessor “fascista”. E tal como o anterior regime à beira do
fim, também este pode começar a surgir como exótico na Europa. Com maior
ou menor atraso, até por falência interna – da Saúde, da Habitação, da
Educação, da Justiça, da Ética –, Portugal vai acabar por sofrer a influência
dos novos “ventos de leste”.
Em Itália, os nacionais conservadores dos Fratelli
d’Italia tiveram uma grande vitória. Com 26% do voto popular e em aliança como a Lega e a
Forza Italia têm maioria absoluta nas duas câmaras, e um governo que governa.
Na Hungria, o Fidesz-KDNP, de Viktor Orbán, tem maioria absoluta, com 51,34% dos votos
populares. E tem ainda um partido à sua direita.
Na Polónia, o partido nacional-católico Direito e Justiça é
governo. O Presidente Duda é também do Direito e Justiça.
Na Suécia, os Democratas Suecos, identitários, tornaram-se o
segundo partido, com 20,5% dos votos, a seguir à Social-Democracia.
Em França, Marine Le Pen ultrapassou os 40% na segunda volta
das eleições presidenciais e o grupo parlamentar do Rassemblement
National é o terceiro no Parlamento francês, com
89 deputados. Em 2019, só 28% dos franceses consideravam que o Rassemblement
tinha capacidade para participar no governo; agora, são já 40% os que assim
pensam. E o partido tem o voto de 45% do operariado francês.
Em Espanha, o Vox é o terceiro partido nacional, depois do
PSOE e do Partido Popular e à frente da extrema-esquerda do Podemos. Em Abril
de 2019, o Vox elegera 24 deputados, em Novembro elegeu 52.
Enquanto
a esquerda, sobretudo a esquerda radical, tende para o globalismo ideológico,
estando assim unida numa comunidade internacional em causas como a promoção da
agenda Woke e o fim das fronteiras, os partidos de direita têm,
naturalmente, prioridades diferentes, já que os seus princípios e programas
estão condicionados à resposta a problemas e interesses nacionais.
Assim,
o Rassemblement National tem a sua história ligada à imigração muçulmana
descontrolada, que o partido vê como um risco para a identidade nacional e
cultural francesa. O Vox nasce
da reacção ao separatismo catalão e ao que foi visto como a debilidade dos
partidos tradicionais – do PSOE e do PP – perante esse separatismo, depois do
fracasso e da viragem ao centro do Ciudadanos. Os Democratas Suecos juntam-se
na resistência à imigração de origem muçulmana; e os húngaros do
Fidesz e os polacos do Direito e Justiça na defesa de valores familiares e
religiosos perante uma Agenda de costumes que Bruxelas lhes quer impor (estiveram demasiados anos sob tutela estrangeira,
comunista, para suportarem outras tutelas, mesmo mais benignas). Os
italianos de Meloni são mais políticos e ideológicos, já que parte dos quadros do Partido vem do MSI –
Aliança Nacional. No entanto, os Fratelli, se são nacionais-conservadores, são
também pragmáticos: não revogaram, por exemplo, a liberdade de abortar, mas
promovem políticas natalistas.
O fim da “excepção portuguesa”?
Assim,
perante o que agora parece já uma rotina de escândalos e de abuso de poder e
corrupção de toda uma geração de políticos e mais notoriamente do PS; perante
a banalidade ideológica dos programas sociais democratas e socialistas (que,
entretanto, vão contrabandeando a agenda woke como se fosse inconsequente), o Chega
tem vindo a progredir.
E
tem vindo a fazê-lo graças à capacidade tribunícia do seu líder, ao agravamento das razões de descontentamento
e ao aumento dos descontentes. Mas o
Chega é, por enquanto, sobretudo um instrumento de protesto – de resto, tal
como os seus homólogos europeus foram à partida. Vive
também do desencanto e frustração do eleitorado conservador em relação ao PSD,
desencanto e debandada que os sociais-democratas irão compensando com uma
eventual deserção de eleitores socialistas, escandalizados com a corrupção e o
nepotismo.
O
que é certo é que a dissidência ideológica em relação ao Centrão pela
direita já passou os 15%, e que esta é a média a partir da qual deixa de ser
possível, em sistemas tendencialmente proporcionais, não ter em conta uma força
política. Os liberais (se é que a Iniciativa Liberal é um partido
com uma identidade liberal, faltando saber-se se o seu pan-liberalismo – em
valores, em costumes, em géneros, em espécies – não é contraditório) estão em contracorrente com o movimento da direita
europeia, que vai no sentido do pós-liberalismo.
Portugal continua a ser um país politicamente exótico e o combate
pela mudança é aqui particularmente desigual, não só pelo que é ainda uma
notória falta de alternativas consistentes, mas porque o sistema mediático
tende a negar ou ignorar o que quer que desestabilize o incomode o quadro
mental instituído, relegando para a inexistência tudo o que ponha em causa o
Centrão.
Mesmo assim, vale sempre mais acender uma candeia que amaldiçoar a
escuridão.
A SEXTA COLUNA POLÍTICA PARTIDO CHEGA
COMENTÁRIOS (de 30)
Carminda Damiao > FC: A IL é liberal nos costumes? Então porque está contra os pais de Famalicão que se
recusam a que os filhos sejam doutrinados (através da Disciplina de Cidadania),
como fazem os regimes marxistas? Onde pára a liberdade dos pais de educarem os
filhos com os seus valores? Tone da Eira: Bom artigo, para mim melhor do que alguns anteriores
(que no entanto foram aqui muito elogiados mas isso depende de cada um). Um
pequeno reparo no entanto: Numa OPA
alguém compra e alguém vende, há uma transacção financeira feita de comum
acordo e de livre vontade entre as duas partes e que é executada num
determinado momento. Porque é que o
JNP usa a imagem duma OPA para a conquista ideológica conseguida pela esquerda em
Portugal? Não me parece
ajustado. Mais ajustado seria que a esquerda minou progressivamente a ideologia
de direita por dentro e que esta quando o descobriu já era tarde. Tão tarde que
já não conseguiu receber nada pelo que tinha tido antes, vendeu-se
gratuitamente mas ainda assim ficou feliz. Manuel Fernandes: As amarras ideológicas criadas pelo PREC, com a
eliminação (inclusive física) dos partidos não esquerdistas (logo intitulados
de fascistas pelo PCP dominante) fez com que o PSD, para poder existir, se
tornasse apenas no partido de esquerda mais à direita. Isso foi notório quando
mudou de nome, de PPD (designação ideologicamente neutra) para PSD, com o SD a
amarrá-lo à social democracia e ao centro esquerda. Vivemos há 40 anos no equívoco de considerar o PSD um
partido de direita, quando tanto no nome como na prática é um partido social
democrata, logo de esquerda. O
próprio CDS para ser autorizado a sobreviver (à justa e a custo) intitulou-se
do Centro - coisa que na política é sempre uma posição instável.
Portanto há 40 anos que não existia em
Portugal um partido de direita, conservador, de economia de mercado e
patriótico. O Chega veio preencher esse espaço e a sua subida só prova que
havia eleitores que não votavam porque eram de direita e não havia partido de
direita (o CDS ainda proporcionava um voto de desabafo, mas não passava disso
porque o CDS não teve nunca a coragem de se assumir). Quem, sendo conservador e patriota, continua a
votar PSD por julgar que o PSD é um partido de direita comete, por inércia ou
por hábito um erro de voto. Tiago Manso: Muito obrigado JNP por mais esta extraordinária e
lúcida reflexão. Este regime vai cair do podre que já é; disso já não tenho
dúvida. Carlos Chaves:
Caríssimo Jaime Nogueira Pinto,
excelente artigo, obrigado. Que oportuna “candeia” hoje nos trouxe, nesta
“escuridão” onde insistem em nos manter. É estranho que um dos protagonistas
desta tragédia seja o próprio Presidente da República, qual será o interesse
dele em tudo fazer para manter tudo como está? Quando à maioria da CS já todos
sabemos que não podemos contar com ela, ou melhor podemos, para também
contribuir para manter tudo como está. Sem dúvida um combate desigual, mas
acredito que uma robusta alternativa à direita finalmente está a surgir para
governar. Filipe F: A captura do ME pelo PCP foi dramática para Portugal.
Décadas seguidas de lavagens ao cérebro ideológicas nas mais diversas
disciplinas. Gerações inteiras inoculadas. Quem não estudou por fora ou leu
mais alguma coisa ficou refém do esquerdismo acéfalo. João Ramos: É sempre bom haver uma candeia para podermos ver no
meio desta escuridão em que nos estão a enterrar, obrigado Jaime!!! Francisco Almeida:
Artigo fantástico. Só uma fortíssima
cultura histórica e um profundo poder de análise poderiam vislumbrar algum
optimismo no actual quadro português. Tone da Eira > Rui Lima: O que diz é o mesmo que o JNP, de que o PSD é digamos
só a ala direita do Centrão. O JNP não considera que entre o PSD e o PS haja
diferenças significativas. O facto do PSD não propor anular o que a esquerda
fez, por um lado é por ser do tal Centrão, por outro é porque a Constituição, a
Justiça, a Comunicação Social estão todas virada à esquerda e por isso lutam
aos diferentes níveis contra qualquer mudança no sentido oposto. E como o
PSD nunca teve grande vantagem eleitoral sobre a esquerda está muito limitado,
para além de ter pouca vontade. Para lá disso o PSD já não está no poder há
muito tempo, o PPC foi só o representante da troika para limpar a borrada do
Sócrates. Alberto
Pereira > voto em branco: Está
mesmo em branco. Quem deu
posse à geringonça foi Cavaco Silva. Maria
Nunes: Excelente JNP. A "situação"
está a ficar cada vez mais tenebrosa. É a educação, a saúde, a justiça... Está
tudo em roda livre. Eles estão lá para se governarem e não para governar o
país. E o povo, amorfo e ignorante, parece só agora dar conta disso. Rui Martins:
Mais um excelente artigo de JNP.
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