A crónica de Helena Matos. Só ponho um dos 91 Comentários, o texto sendo perfeitamente arguto e sério. Não apetece rir, neste descampado sem luz, tanta a iniquidade da vanidade.
Contagem decrescente
O actual PR revelou um poder
presidencial até agora desconhecido: o de abandalhar o regime. Mas
Marcelo, o grande abandalhador, quer mostrar que é Presidente. Medina pode ser
o pretexto.
HELENA MATOS, Colunista do Observador
OBSERVADOR, 26 fev. 2023, 07:1491
“Se [o relatório] foi pedido pelo senhor ministro das Finanças, o senhor
ministro das Finanças terá de ponderar exactamente as consequências do
relatório. Vamos esperar para ver” — Marcelo Rebelo de Sousa
(quem mais poderia ser?!) antes de entrar na cerimónia que assinalava os 140
anos de “A Voz do Operário” lançava a frase-caso do dia que rapidamente se
tornou em título de notícias que invariavelmente levam ao mesmo, entendendo-se
por mesmo a imposição por parte de Marcelo do afastamento do actual ministro
das Finanças: TAP: Marcelo avisa
‘preventivamente’ Medina que o parecer sobre indemnização de Alexandra Reis é
para ter consequências (Expresso); Marcelo abre porta à demissão de Medina após “irregularidade” na
indemnização da TAP: “o senhor ministro das Finanças poderá ponderar as
consequências do relatório” (CNN);Marcelo ‘empurra’ Fernando Medina após auditoria à indemnização de
Alexandra Reis (CM)…
Esta fixação das atenções em Fernando Medina prova várias coisas. O primeiro e mais pitoresco facto que estas palavras
provam é que para o nosso Presidente o ministro das Finanças não é um melão.
Ou mais propriamente não está na categoria dos melões vulgo medidas. Por
cobardia, ignorância e leviandade, Marcelo é incapaz de se pronunciar de forma
substantiva sobre as medidas do Governo mesmo quando elas suscitam as maiores
dúvidas, daí que tenhamos acabado na avaliação segundo os parâmetros aplicados
aos melões: “Só se sabe se o melão é bom
depois de o abrir. Olhando para o pacote de medidas, que é muito grande, não é
possível ter um ideia clara do que está lá dentro. Ontem foi apresentado o
melão, agora é preciso abrir o melão e olhar para cada lei e ver o que cada uma
delas diz” – declarou Marcelo a propósito desse remake da
Reforma Agrária de 1975 que é o arrazoado de intenções sobre a habitação agora
anunciado pelo Governo. (Valha a verdade que a bitola melão é
um avanço sensorial em relação ao critério do “benefício da dúvida”. O “benefício da dúvida” foi o critério de
avaliação invocado por Marcelo para aprovar, em 2016, a semana de 35 horas para
os trabalhadores em funções públicas.
À época Marcelo “avisou que vai estar atento e,
se houver um aumento das despesas por causa da medida, pedirá a intervenção do
Tribunal Constitucional”. Sete anos depois continuamos à
espera que Marcelo faça as contas do resultado do “benefício da dúvida”, donde
o parâmetro melão parecer à partida mais eficaz.)
Seja
como for e no que para o caso interessa Fernando Medina não é um melão porque
ao contrário do que acontece com os melões (leia-se medidas) Marcelo não
espera para o abrir e já disse de sua justiça: “Se[o relatório] foi pedido pelo senhor ministro das Finanças, o senhor
ministro das Finanças terá de ponderar exactamente as consequências do
relatório. Vamos esperar para ver.”
Porquê eu? – deve
interrogar-se Fernando Medina cuja demissão da pasta das Finanças se tornou uma
espécie de notícia em banho-maria: numa semana anuncia-se a sua demissão porque
vai ser constituído arguido por causa das investigações na CML na outra por
causa das conclusões do inquérito às nomeações na TAP. Mas porque não
gozará o ministro das Finanças do estatuto de semi-inimputabilidade de que goza
o ministro Gomes Cravinho que não contente com as contradições em que caiu no
parlamento a propósito das nomeações que fez enquanto ministro da Defesa, foi
para o Brasil anunciar a presença de Lula da Silva na sessão solene do 25 de
Abril no parlamento português, antes sequer do parlamento ter votado
esse convite?! Afinal, nessa espécie de reality show diante dos microfones
que é a presidência de Marcelo, à entrada da cerimónia que assinalava os 140
anos de “A Voz do Operário”, o presidente da República para além de falar sobre
Fernando Medina também se pronunciou sobre o incidente diplomático criado pelo
ministro Cravinho, incidente que pode marcar a visita de Lula a Portugal em
Abril: “é bom que corra bem e não haja
um problema por causa dessa coincidência e que a coincidência de datas em vez
de ser uma coincidência que significa uma boa coincidência, não, passar a ser
uma má coincidência”Percebido? Não! Mas também não interessa. O
ministro que está na berlinda é Medina porque é em torno de Medina que Marcelo
e Costa ensaiam o que gostam de fazer: jogos de bastidores.
De
todas as vezes que se disser que o PR em Portugal não tem poder, lembremo-nos
de Marcelo Rebelo de Sousa, o actual PR revelou um poder presidencial até agora
desconhecido: o de abandalhar o regime. Aquilo
que está a acontecer é que Marcelo depois de se consolidar como o grande
abandalhador do regime quer mostrar que é Presidente. E é aí que entra Fernando
Medina. Impor a saída de Fernando Medina iria marcar o seu mandato e, acredita
Marcelo, calar críticas dos seus.
O problema é que Marcelo, como todos aqueles que sobrestimam a sua
inteligência política, subestima a inteligência dos outros e António Costa farto como está da contestação nas
ruas, das dificuldades da governação (nunca se viu um governo com tal
dificuldade de concretização!) e da omnipresença televisiva do próprio
Marcelo a dizer uma coisa, o seu contrário pode aproveitar para provocar a
queda do Governo e desse modo antecipar-se na gestão do calendário eleitoral.
Neste sentido o anúncio de Lula na sessão solene do parlamento a 25 de
Abril, ofuscando até, pela polémica, Marcelo Rebelo de Sousa, não foi necessariamente
um delírio de Gomes Cravinho mas mais provavelmente uma inconfidência
inoportuna.
Por fim, caia o governo quando cair,
ao PS que se vai apresentar a eleições não basta ganhar essas eleições, o PS
quer conquistar os votos do PCP e sobretudo do BE. O PS centrista morreu senão
de todo pelo menos para António Costa. Quando
o PS apresenta um pacote para a habitação que ataca os pequenos proprietários
está a ir também contra o seu eleitorado. Quando o PS estabelece uma relação
entusiástica com Lula da Silva está a dizer-nos a todos que nunca reflectiu
sobre o caso José Sócrates e que pretende captar o voto da extrema-esquerda.
Logo
a demissão ou não demissão de Fernando Medina é muito mais que a demissão de
Fernando Medina. A grande questão é se já começou a contagem decrescente para o
fim do XXXIII Governo Constitucional. Medina pode ser o pretexto. Um bom
pretexto.
MARCELO
REBELO DE SOUSA PRESIDENTE DA
REPÚBLICA POLÍTICA FERNANDO
MEDINA
COMENTÁRIOS:
José Barros: Que Marcelo abandalha o regime é um facto. Mas não um facto novo Helena
Matos. Mais claro dia após dia porque o homem agora já nem pode calar-se ainda
que, por milagre, quisesse. Não penso que Medina seja a meta final. Para Costa
o País não passa de um quintal do partido. Continuará até esgotar todos os
tachos. Vai uma aposta?
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