Nem bom casamento, diz-se há muito por
cá, a respeito das ligações com a Espanha. Por isso, não se me dá que não se
faça a linha, mesmo que esta opinião confirme a minha mediocridade… Um apoiado
aos comentários de Joaquim
Rodrigues e de Francisco
Almeida.
Patriotismo ou mediocridade?
Há uma elite centrada em Lisboa com
medo de uma maior integração com Espanha e com o resto da Europa pois tal
significaria mais concorrência económica, social, intelectual. Ficaria a nu a
sua fraqueza
MAFALDA PRATAS,
Cientista política
OBSERVADOR, 03
fev. 2023, 00:1540
Charles
Tilly, um dos
grandes cientistas sociais do século passado, desenvolveu uma série de teorias
e trabalhos sobre as origens dos Estados modernos assentes no papel da coerção,
do capital e das cidades. Em 1989, querendo estudar como as suas
teorias se aplicariam a vários territórios da Europa, organizou com o historiador Wim Blockmans um volume especial
da prestigiada revista Theory and
Society, onde reuniu vários especialistas de cada país, com o
propósito de avaliar a relação entre os Estados, as cidades e o capital no
grande período entre 1000-1800, em cada território. António Manuel Hespanha escreveu um artigo, principalmente descritivo,
convocando vários números e factos acerca da evolução das cidades e
administração pública Portuguesa.
No entanto, coube principalmente a Tilly realizar uma interpretação desses dados, colocando cada
país em perspectiva comparada. O que nos diz Tilly sobre a
evolução do Estado Português? “Num pólo
muito distante dos monarcas Escandinavos ou Polacos, os reis Portugueses tinham
a grande vantagem de obter grande parte da sua renda e crédito de uma única
cidade, cuja vida os seus agentes dominavam. Da mesma forma, porém, a coroa
portuguesa permaneceu vulnerável ao declínio do vigor comercial de Lisboa, e a
oligarquia comercial de Lisboa manteve o poder nos assuntos reais. Mais do que
na Escandinávia, Polónia, Alemanha, Holanda ou Itália, a situação de Portugal
assemelhava-se à dos atuais estados produtores de petróleo: a receita fácil
disponível dava aos seus governantes ampla autonomia em relação à população que
governavam, mas também os tornou dependentes do fluxo continuado da receita e
das pessoas que a produziam.” (tradução livre) Esta descrição de
Tilly encontra-se perfeitamente em linha com a ideia de instituições
extractivas, avançada por vários politólogos e economistas, como Acemoglu e Robinson,
que apontam estas instituições como um dos grandes entraves ao desenvolvimento
económico das nações.
Na
linha de Tilly, não foram as ideias de soberania nacional ou nem mesmo de nacionalismo
ou patriotismo (ideias
muito recentes), que garantiram a nossa existência como país
independente. Foi
antes e, principalmente, os interesses de uma elite fechada, pouco produtiva e
oligárquica, que rejeitou repetidamente a integração com outros reinos da
Península Ibérica com a finalidade de manter o status quo, no qual o seu poder
não era desafiado nem questionado, e de forma a não terem de competir com
outros centros de actividade económica e outras cidades com influência
política. O policentrismo parece ser, afinal de
contas, uma das características do desenvolvimento dos
países, mas é também (e por isso mesmo) ameaçador para um grupo fechado e
dominante.
Naturalmente, estou a simplificar e
apenas a apontar um padrão que considero importante. No entanto, creio que este
padrão poderá explicar o receio em relação à inovação, à competição e à mudança
ainda hoje existente entre esses mesmos grupos oligárquicos geralmente
centrados em Lisboa. Querem um exemplo?
Num mundo onde o combate às alterações
climáticas é considerado uma das grandes prioridades dos governos europeus e
onde a rapidez e fluidez de comunicação e transporte entre regiões parece ser
também muito importante ao desenvolvimento, os executivos portugueses –
nomeadamente o executivo de António Costa – reiteradamente rejeitam a
possibilidade de construção de uma linha de alta velocidade que ligue Lisboa a
Madrid. Ora, o leitor atente nos seguintes dados: a rota internacional mais viajada do aeroporto de
Madrid-Barajas é Lisboa, com mais de 1.5 milhões de passageiros anuais, cerca
de 18 ligações aéreas por dia em cada direcção, efetuadas por 5 companhias
aéreas. Espanha é o um dos países com uma rede de alta velocidade mais avançada
do mundo, sendo possível chegar rapidamente de Madrid a Barcelona em pouco mais
de 2 horas, e chegando também rapidamente a cidades como Sevilha, Valência,
Saragoça, Córdoba. No entanto, o governo português
já veio dizer que não está interessado em construir a parte portuguesa de uma
linha de alta velocidade entre Lisboa e Madrid. A posição do governo é curiosa:
antes de construir uma linha Lisboa-Madrid, Portugal deve apostar numa uma
linha entre Porto e Vigo e outra entre Aveiro e Salamanca. Ligar Lisboa e o
resto do país à maior cidade da Península Ibérica e à segunda maior área
metropolitana da União Europeia? Nem pensar!
As justificações apresentadas para este
plano são múltiplas. Por exemplo, Portugal deve dar prioridade a uma
ligação com a Galiza, uma “região com quem tem mais laços históricos”, um
motivo, portanto, afectivo e não de racionalidade económica. Um artigo do Público, escrito durante a última cimeira ibérica em
Novembro passado, aponta uma potencial explicação alternativa. De acordo fontes
governamentais: “É esta oportunidade
que Lisboa não quer desperdiçar em detrimento de ser apenas mais um eixo numa
estrela de várias pontas que tem em Madrid o seu centro, deixando Lisboa ao
mesmo nível de Sevilha, Valência, Barcelona, Alicante, Santiago de Compostela
e, futuramente, Oviedo e Bilbau.”
Os leitores terão, porventura, outras
interpretações. A minha é simples. Em linha com o argumento de Tilly e de
outros cientistas sociais, existe um grupo de elites Portuguesas centradas em
Lisboa com medo de uma maior integração com Espanha e com o resto da Europa,
porque isso significaria mais concorrência económica, social, intelectual e
tecnológica. Ficaria, rapidamente, a nu a sua fraqueza. Preferem, portanto,
preservar os famosos “centros de decisão nacionais”, mesmo que estes tenham
repetidamente falhado os interesses da maioria do povo português e não sejam
mais do que cortinas de fumo para preservar estruturas extractivas à laia de
uma suposta defesa do país.
POLÍTICA TGV COMBOIOS TRANSPORTE
FERROVIÁRIO TRANSPORTES PAÍS
COMENTÁRIOS:
Joaquim Rodrigues: Uma pena! O escrito da Mafalda Pratas tem tanto de brilhante como de
necessário para percebermos o País em que vivemos, mas apenas na parte inicial,
até ao momento em que começa a falar de comboios e de transportes.
Essa parte
inicial do escrito apenas merece um reparo: a elite centrada em Lisboa, não tem apenas medo de uma
maior integração com o resto da Europa, tem também, diria eu, medo de uma maior
integração com o resto do País!!! Caso contrário o TGV
Lisboa-Porto já há mais de 3 décadas que estaria construído e em exploração,
consolidando a economia da "fachada atlântica" criando assim
condições de concorrência, em pé de igualdade, com Castela Eu queria informar a Mafalda
Pratas que a questão dos transportes e das redes de transportes é acima de
tudo uma questão de "viabilidade económica". Mesmo ao fim de
vários anos de "integração económica", o efeito fronteira, nos
países da União, induz uma resistência ao tráfego, que o reduz, em média, 13
vezes no espaço europeu. Ou seja: se a cidade do Porto se situasse na estremadura
espanhola o tráfego entre Lisboa e Porto seria 13 vezes menor. Em Portugal o
problema da ferrovia, cara Mafalda Pratas, é um problema de subdesenvolvimento,
atavismo, proteccionismo bacoco, compadrio, incompetência, interesses
instalados e ignorância. Quanto à questão ferroviária, o que nos deve indignar, não é o anúncio do
TGV Lisboa –Porto, é essa ligação não estar ainda realizada e em exploração há
mais de 3 décadas. O que nos deve indignar é a
ligação ferroviária existente entre Lisboa e Porto, as duas principais cidades
do País, ter, nos dias de hoje, o mesmo tempo de viagem que tinha há mais de um
século. Estranhamente, em Portugal, a mesquinhez provinciana da "capital
do império" quer, à viva força, e está a construir, pela calada, de forma
trapaceira, enganando todos os portugueses, a ligação Lisboa-Madrid que não é
nem nunca será economicamente viável, com a desculpa da ligação a Sines. Sabia cara Mafalda Pratas?
Vai ser mais um sorvedouro de dinheiro dos contribuintes de todo o País para
“sustentarem” mais um Elefante Branco ao serviço do “Provincianismo Bacoco” dos
“oligarcas” da Capital do Império. Em Espanha,
os “provincianos bacocos espanhóis”, apesar do “Centralismo de Castela” a
primeira Linha TGV que construíram foi Madrid-Sevilha, em 1998. Só 15 anos mais
tarde, em 2013, os “provincianos espanhóis” concluíram a Ligação com a França,
entre Barcelona e Perpignan onde, nem Madrid nem Paris entraram na equação. Em
França, os “provincianos bacocos franceses”, apesar do tradicional centralismo
de Paris, a primeira Linha TGV que fizeram foi a Paris-Lyon, em 1981. Só 15
anos mais tarde, em 1996, os “provincianos franceses” concluíram uma Ligação
TGV com um País vizinho, a Ligação Paris-Bruxelas, em 1996. Na Alemanha, os
“provincianos bacocos alemães” a primeira Linha TGV que construíram foi a
Hannover-Wurtzbourg, em 1988 e só 15 anos mais tarde, em 2003, concluíram uma
ligação com um País vizinho, a Ligação Colónia-Bruxelas-Paris. Em qualquer dos
casos, a capital Berlim, não entra sequer na equação. Na Itália, os
“provincianos bacocos italianos”, a primeira Linha TGV que construíram foi a
Roma-Florença, em 1992, prevendo-se que a primeira ligação com um País vizinho,
Verona-Munique, fique concluída em 2024, ou seja, 30 anos depois. Por cá, as luminárias da
Capital do Império, quais “Miguéis de Vasconcelos”, em conluio com os
Castelhanos, querem à viva força pôr-se de cócoras perante Madrid, não
compreendendo que do ponto de vista do “Interesse Nacional” o que mais
interessa a Portugal, é a consolidação da Fachada Atlântica e a sua ligação à
Europa através do corredor Aveiro-Salamanca-Irún, da Rede Principal
Transeuropeia de Transportes, a que maior competitividade garante à economia
Portuguesa. Para além do TGV Lisboa-Porto,
que é o único TGV rentável e muito rentável em Portugal, é criminoso não
avançar desde já com uma Ligação Ferroviária Aveiro-Salamanca (-Irún -
Paris-Benelux), ambos, obviamente, em bitola europeia. Faz parte do Eixo
Atlântico da Rede Principal das Redes Transeuropeias de Transporte. É
financiado a 85% pela UE. É criminoso manter milhares de camiões /dia a sair
(entrar ) para (de) além Pirenéus pela A25 que, um dia destes, serão bloqueados
em Irum. Falam muito de “Ambiente”, mas é só da boca para fora. O crime é não
só “Ambiental” como, acima de tudo, "Económico", contra a
competitividade da Indústria, Agricultura e das Empresas Exportadoras
Portuguesas. Qual a justificação para ignorar esta ligação que é aquela que de
longe tem mais tráfego, principalmente de mercadorias, mas também de
passageiros, na ligação a Espanha e à Europa? Maria Clotilde
Osório > Joaquim Rodrigues:
Brilhante.
Obrigada pelo comentário. Com dados concretos e não retórica
pseudointelectual. Francisco
Almeida: Como muito bem
disse a autora, outros terão outras opiniões. É o meu caso. Não pertenço a
nenhuma elite, muito menos económica mas receio Castela. E Madrid é
Castela. Uns tipos altos de nariz adunco que olham para os outros de cima para
baixo. e que têm uma fortíssima cultura de dominação(*) que, quando os deixam,
aplicam com sucesso. Por cá já competem com os chineses na electricidade e são mais importantes
do que eles na banca. O interesse na nossa costa - turismo e pescas - é
visível; a ameaça à nossa ZEE com a proposta da plataforma submarina das
Canárias é real. Têm aliciado com benesses e assustado com "avisos"
multinacionais para se sedearem em Madrid e daí gerirem toda a península
ibérica. Com sucesso, diga-se. Como notou um comentador
recente, sabem bem que Portugal
é o que lhes falta para entrarem no clube dos "grandes" da Europa. Não são ostensivos mas sabem-no e têm-no presente em
Bruxelas. (*) Madrid, como centro de tudo (de lá irradiam estradas e linhas de
caminho de ferro) atrai pessoas com ambições de toda a Espanha mas a cultura de
dominação é logo assimilada. O exemplo mais notório foi Franco, galego mas que
chegou ao extremo de proibir o uso da língua galega na Galiza, para impor o
castelhano. Joaquim
Rodrigues > Joao Carlos Almeida: O Rei D. Diniz, na sua época,
foi um dos monarcas mais esclarecidos e respeitados de toda a Europa. Foi talvez o melhor governante
que Portugal alguma vez teve.
Carlos Chaves: Caríssima Mafalda Pratas, muito bom este seu artigo.
Sempre foi assim e continua a ser, esta mediocridade e falta de ambição
reinantes em Portugal, são algumas das razões para a nossa imigração abandonar
Portugal e não mais voltar (de vez entenda-se). Ao poderem comparar com outros
"mundos", outras formas de vida, onde esses "tiques" e
padrões não têm lugar, a decisão de não retorno não será muito difícil de
tomar.
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