segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

Nem bom vento


Nem bom casamento, diz-se há muito por cá, a respeito das ligações com a Espanha. Por isso, não se me dá que não se faça a linha, mesmo que esta opinião confirme a minha mediocridade… Um apoiado aos comentários de Joaquim Rodrigues e de Francisco Almeida.

Patriotismo ou mediocridade?

Há uma elite centrada em Lisboa com medo de uma maior integração com Espanha e com o resto da Europa pois tal significaria mais concorrência económica, social, intelectual. Ficaria a nu a sua fraqueza

MAFALDA PRATAS, Cientista política

OBSERVADOR, 03 fev. 2023, 00:1540

Charles Tilly, um dos grandes cientistas sociais do século passado, desenvolveu uma série de teorias e trabalhos sobre as origens dos Estados modernos assentes no papel da coerção, do capital e das cidades. Em 1989, querendo estudar como as suas teorias se aplicariam a vários territórios da Europa, organizou com o historiador Wim Blockmans um volume especial da prestigiada revista Theory and Society, onde reuniu vários especialistas de cada país, com o propósito de avaliar a relação entre os Estados, as cidades e o capital no grande período entre 1000-1800, em cada território. António Manuel Hespanha escreveu um artigo, principalmente descritivo, convocando vários números e factos acerca da evolução das cidades e administração pública Portuguesa.

No entanto, coube principalmente a Tilly realizar uma interpretação desses dados, colocando cada país em perspectiva comparada. O que nos diz Tilly sobre a evolução do Estado Português? Num pólo muito distante dos monarcas Escandinavos ou Polacos, os reis Portugueses tinham a grande vantagem de obter grande parte da sua renda e crédito de uma única cidade, cuja vida os seus agentes dominavam. Da mesma forma, porém, a coroa portuguesa permaneceu vulnerável ao declínio do vigor comercial de Lisboa, e a oligarquia comercial de Lisboa manteve o poder nos assuntos reais. Mais do que na Escandinávia, Polónia, Alemanha, Holanda ou Itália, a situação de Portugal assemelhava-se à dos atuais estados produtores de petróleo: a receita fácil disponível dava aos seus governantes ampla autonomia em relação à população que governavam, mas também os tornou dependentes do fluxo continuado da receita e das pessoas que a produziam.” (tradução livre) Esta descrição de Tilly encontra-se perfeitamente em linha com a ideia de instituições extractivas, avançada por vários politólogos e economistas, como Acemoglu e Robinson, que apontam estas instituições como um dos grandes entraves ao desenvolvimento económico das nações.

Na linha de Tilly, não foram as ideias de soberania nacional ou nem mesmo de nacionalismo ou patriotismo (ideias muito recentes), que garantiram a nossa existência como país independente. Foi antes e, principalmente, os interesses de uma elite fechada, pouco produtiva e oligárquica, que rejeitou repetidamente a integração com outros reinos da Península Ibérica com a finalidade de manter o status quo, no qual o seu poder não era desafiado nem questionado, e de forma a não terem de competir com outros centros de actividade económica e outras cidades com influência política. O policentrismo parece ser, afinal de contas, uma das características do desenvolvimento dos países, mas é também (e por isso mesmo) ameaçador para um grupo fechado e dominante.

Naturalmente, estou a simplificar e apenas a apontar um padrão que considero importante. No entanto, creio que este padrão poderá explicar o receio em relação à inovação, à competição e à mudança ainda hoje existente entre esses mesmos grupos oligárquicos geralmente centrados em Lisboa. Querem um exemplo?

Num mundo onde o combate às alterações climáticas é considerado uma das grandes prioridades dos governos europeus e onde a rapidez e fluidez de comunicação e transporte entre regiões parece ser também muito importante ao desenvolvimento, os executivos portugueses – nomeadamente o executivo de António Costa – reiteradamente rejeitam a possibilidade de construção de uma linha de alta velocidade que ligue Lisboa a Madrid. Ora, o leitor atente nos seguintes dados: a rota internacional mais viajada do aeroporto de Madrid-Barajas é Lisboa, com mais de 1.5 milhões de passageiros anuais, cerca de 18 ligações aéreas por dia em cada direcção, efetuadas por 5 companhias aéreas. Espanha é o um dos países com uma rede de alta velocidade mais avançada do mundo, sendo possível chegar rapidamente de Madrid a Barcelona em pouco mais de 2 horas, e chegando também rapidamente a cidades como Sevilha, Valência, Saragoça, Córdoba. No entanto, o governo português já veio dizer que não está interessado em construir a parte portuguesa de uma linha de alta velocidade entre Lisboa e Madrid. A posição do governo é curiosa: antes de construir uma linha Lisboa-Madrid, Portugal deve apostar numa uma linha entre Porto e Vigo e outra entre Aveiro e Salamanca. Ligar Lisboa e o resto do país à maior cidade da Península Ibérica e à segunda maior área metropolitana da União Europeia? Nem pensar!

As justificações apresentadas para este plano são múltiplas. Por exemplo, Portugal deve dar prioridade a uma ligação com a Galiza, uma “região com quem tem mais laços históricos”, um motivo, portanto, afectivo e não de racionalidade económica. Um artigo do Público, escrito durante a última cimeira ibérica em Novembro passado, aponta uma potencial explicação alternativa. De acordo fontes governamentais: “É esta oportunidade que Lisboa não quer desperdiçar em detrimento de ser apenas mais um eixo numa estrela de várias pontas que tem em Madrid o seu centro, deixando Lisboa ao mesmo nível de Sevilha, Valência, Barcelona, Alicante, Santiago de Compostela e, futuramente, Oviedo e Bilbau.”

Os leitores terão, porventura, outras interpretações. A minha é simples. Em linha com o argumento de Tilly e de outros cientistas sociais, existe um grupo de elites Portuguesas centradas em Lisboa com medo de uma maior integração com Espanha e com o resto da Europa, porque isso significaria mais concorrência económica, social, intelectual e tecnológica. Ficaria, rapidamente, a nu a sua fraqueza. Preferem, portanto, preservar os famosos “centros de decisão nacionais”, mesmo que estes tenham repetidamente falhado os interesses da maioria do povo português e não sejam mais do que cortinas de fumo para preservar estruturas extractivas à laia de uma suposta defesa do país.

POLÍTICA    TGV    COMBOIOS    TRANSPORTE FERROVIÁRIO    TRANSPORTES    PAÍS

COMENTÁRIOS:
Joaquim Rodrigues
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Uma pena! O escrito da Mafalda Pratas tem tanto de brilhante como de necessário para percebermos o País em que vivemos, mas apenas na parte inicial, até ao momento em que começa a falar de comboios e de transportes. Essa parte inicial do escrito apenas merece um reparo: a elite centrada em Lisboa, não tem apenas medo de uma maior integração com o resto da Europa, tem também, diria eu, medo de uma maior integração com o resto do País!!! Caso contrário o TGV Lisboa-Porto já há mais de 3 décadas que estaria construído e em exploração, consolidando a economia da "fachada atlântica" criando assim condições de concorrência, em pé de igualdade, com Castela Eu queria informar a Mafalda Pratas que a questão dos transportes e das redes de transportes é acima de tudo uma questão de "viabilidade económica". Mesmo ao fim de vários anos de "integração económica", o efeito fronteira, nos países da União, induz uma resistência ao tráfego, que o reduz, em média, 13 vezes no espaço europeu. Ou seja: se a cidade do Porto se situasse na estremadura espanhola o tráfego entre Lisboa e Porto seria 13 vezes menor. Em Portugal o problema da ferrovia, cara Mafalda Pratas, é um problema de subdesenvolvimento, atavismo, proteccionismo bacoco, compadrio, incompetência, interesses instalados e ignorância. Quanto à questão ferroviária, o que nos deve indignar, não é o anúncio do TGV Lisboa –Porto, é essa ligação não estar ainda realizada e em exploração há mais de 3 décadas. O que nos deve indignar é a ligação ferroviária existente entre Lisboa e Porto, as duas principais cidades do País, ter, nos dias de hoje, o mesmo tempo de viagem que tinha há mais de um século. Estranhamente, em Portugal, a mesquinhez provinciana da "capital do império" quer, à viva força, e está a construir, pela calada, de forma trapaceira, enganando todos os portugueses, a ligação Lisboa-Madrid que não é nem nunca será economicamente viável, com a desculpa da ligação a Sines. Sabia cara Mafalda Pratas? Vai ser mais um sorvedouro de dinheiro dos contribuintes de todo o País para “sustentarem” mais um Elefante Branco ao serviço do “Provincianismo Bacoco” dos “oligarcas” da Capital do Império. Em Espanha, os “provincianos bacocos espanhóis”, apesar do “Centralismo de Castela” a primeira Linha TGV que construíram foi Madrid-Sevilha, em 1998. Só 15 anos mais tarde, em 2013, os “provincianos espanhóis” concluíram a Ligação com a França, entre Barcelona e Perpignan onde, nem Madrid nem Paris entraram na equação. Em França, os “provincianos bacocos franceses”, apesar do tradicional centralismo de Paris, a primeira Linha TGV que fizeram foi a Paris-Lyon, em 1981. Só 15 anos mais tarde, em 1996, os “provincianos franceses” concluíram uma Ligação TGV com um País vizinho, a Ligação Paris-Bruxelas, em 1996. Na Alemanha, os “provincianos bacocos alemães” a primeira Linha TGV que construíram foi a Hannover-Wurtzbourg, em 1988 e só 15 anos mais tarde, em 2003, concluíram uma ligação com um País vizinho, a Ligação Colónia-Bruxelas-Paris. Em qualquer dos casos, a capital Berlim, não entra sequer na equação. Na Itália, os “provincianos bacocos italianos”, a primeira Linha TGV que construíram foi a Roma-Florença, em 1992, prevendo-se que a primeira ligação com um País vizinho, Verona-Munique, fique concluída em 2024, ou seja, 30 anos depois. Por cá, as luminárias da Capital do Império, quais “Miguéis de Vasconcelos”, em conluio com os Castelhanos, querem à viva força pôr-se de cócoras perante Madrid, não compreendendo que do ponto de vista do “Interesse Nacional” o que mais interessa a Portugal, é a consolidação da Fachada Atlântica e a sua ligação à Europa através do corredor Aveiro-Salamanca-Irún, da Rede Principal Transeuropeia de Transportes, a que maior competitividade garante à economia Portuguesa. Para além do TGV Lisboa-Porto, que é o único TGV rentável e muito rentável em Portugal, é criminoso não avançar desde já com uma Ligação Ferroviária Aveiro-Salamanca (-Irún - Paris-Benelux), ambos, obviamente, em bitola europeia. Faz parte do Eixo Atlântico da Rede Principal das Redes Transeuropeias de Transporte. É financiado a 85% pela UE. É criminoso manter milhares de camiões /dia a sair (entrar ) para (de) além Pirenéus pela A25 que, um dia destes, serão bloqueados em Irum. Falam muito de “Ambiente”, mas é só da boca para fora. O crime é não só “Ambiental” como, acima de tudo, "Económico", contra a competitividade da Indústria, Agricultura e das Empresas Exportadoras Portuguesas. Qual a justificação para ignorar esta ligação que é aquela que de longe tem mais tráfego, principalmente de mercadorias, mas também de passageiros, na ligação a Espanha e à Europa?                   Maria Clotilde Osório > Joaquim Rodrigues: Brilhante. Obrigada pelo comentário. Com dados concretos e não retórica pseudointelectual.             Francisco Almeida: Como muito bem disse a autora, outros terão outras opiniões. É o meu caso. Não pertenço a nenhuma elite, muito menos económica mas receio Castela. E Madrid é Castela. Uns tipos altos de nariz adunco que olham para os outros de cima para baixo. e que têm uma fortíssima cultura de dominação(*) que, quando os deixam, aplicam com sucesso. Por cá já competem com os chineses na electricidade e são mais importantes do que eles na banca. O interesse na nossa costa - turismo e pescas - é visível; a ameaça à nossa ZEE com a proposta da plataforma submarina das Canárias é real. Têm aliciado com benesses e assustado com "avisos" multinacionais para se sedearem em Madrid e daí gerirem toda a península ibérica. Com sucesso, diga-se. Como notou um comentador recente, sabem bem que Portugal é o que lhes falta para entrarem no clube dos "grandes" da Europa. Não são ostensivos mas sabem-no e têm-no presente em Bruxelas. (*) Madrid, como centro de tudo (de lá irradiam estradas e linhas de caminho de ferro) atrai pessoas com ambições de toda a Espanha mas a cultura de dominação é logo assimilada. O exemplo mais notório foi Franco, galego mas que chegou ao extremo de proibir o uso da língua galega na Galiza, para impor o castelhano.        Joaquim Rodrigues > Joao Carlos Almeida: O Rei D. Diniz, na sua época, foi um dos monarcas mais esclarecidos e respeitados de toda a Europa. Foi talvez o melhor governante que Portugal alguma vez teve.                   Carlos Chaves: Caríssima Mafalda Pratas, muito bom este seu artigo. Sempre foi assim e continua a ser, esta mediocridade e falta de ambição reinantes em Portugal, são algumas das razões para a nossa imigração abandonar Portugal e não mais voltar (de vez entenda-se). Ao poderem comparar com outros "mundos", outras formas de vida, onde esses "tiques" e padrões não têm lugar, a decisão de não retorno não será muito difícil de tomar.

 

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